O sistema capitalista acredita em viver para produzir. Eu acredito viver para a vida. Acredito que em Portugal trabalha-se demasiadas horas a troco de salários que não chegam para uma renda. Acredito que não tem de ser assim. E a mudança começa pela semana de 4 dias.
Foi há quase três décadas que se fez a última redução do horário de trabalho no privado, com a aprovação da lei das 40 horas. Desde então, a única movimentação sobre o tempo de trabalho passou pela precarização: “flexibilização”, isenção de horário e bancos de horas. Temos uma população trabalhadora cada vez mais exausta, atormentada pelo isolamento e pela falta de tempo para a família, lazer, cultura.
Já produzimos o suficiente para trabalharmos menos. Há um movimento internacional pela semana de 4 dias. Está na hora de o acompanharmos.
Saiu esta semana o relatório que dá conta do projeto-piloto português que envolveu 41 empresas e mais de 1000 trabalhadores. Em média, a semana de 4 dias envolveu a redução das horas de trabalho semanais para as 34 horas.
Os resultados são gritantes: 95% das empresas avaliaram positivamente a experiência e 83% quer manter a semana de 4 dias. 90% dos trabalhadores também quer manter este modelo, afinal a experiência é inegável: diminuição da ansiedade, fadiga, problemas de sono e estados depressivos dos trabalhadores, com os níveis de exaustão pelo trabalho a reduzirem-se em 19%. Cerca de dois terços dos trabalhadores passaram mais tempo com a família.
Quase nove em cada dez dos trabalhadores que fizeram parte desta experiência dizem que só aceitariam um emprego com uma semana de cinco dias com um aumento salarial acima de 20%.
O direito ao tempo tem que ser um projeto central na identidade da Esquerda.
O Bloco de Esquerda apresentou no início desta legislatura um projeto que recomenda ao Governo o alargamento da semana de 4 dias, criando-se um mecanismo de apoio permanente no IEFP para a transição das empresas privadas e organizações do setor social, com a correspondente redução do número de horas de trabalho e sem diminuição salarial, e a concretização do projeto-piloto no setor público. O projeto foi rejeitado com os votos contra do PSD, Chega e CDS, e a abstenção da IL.
É preciso mudar a cultura de trabalho. Será que aquela reunião é mesmo necessária? Quem nunca recebeu uma chamada sem fim quando estávamos concentrados numa tarefa? As novas tecnologias devem servir para aliviar os trabalhadores e criar melhores condições. O trabalho contemporâneo merece práticas contemporâneas, que respeitem as pessoas e que respondam às suas necessidades.
Não queremos mesas de ping-pong, sextas-feiras casuais ou festas com pizza no fim do ano. Queremos salário digno. E tempo para viver.
Há dias, Montenegro disse que irá aprofundar o seu “pensamento e avaliação” sobre a semana de 4 dias, admitindo até que a redução do horário de trabalho é uma condição para inverter a dificuldade em reter trabalhadores na administração pública.
O primeiro-ministro diz que há dois caminhos para a semana de 4 dias: ou com a manutenção da carga horária, assim aumentado as horas de trabalho nos restantes dias, ou fazer corresponder uma diminuição do horário a uma diminuição salarial. Estas nunca serão as soluções.
Os salários portugueses já são baixos e reduzir os mesmos seria deitar por terra as principais vantagens destas medidas. Qualquer alteração ao tempo de trabalho tem de implicar uma redução equiparável de quantidade de trabalho. Só assim se garante a geração de emprego e não o condensar de horários.
Os aumentos contínuos de produtividade têm sido transferidos para o capital e não para os trabalhadores. A redução do tempo de trabalho e a valorização dos salários é uma mera compensação por anos de aumentos miseráveis.
O tempo das nossas vidas não pode se definir apenas nos limites do mercado. Somos seres de tempo comunitário, cultural, educativo, artístico.
Eu acredito que devamos lutar pela semana de 4 dias. E pela redução da jornada laboral diária. E pelo aumento dos salários. E por mais dias de férias. Todas estas medidas são indissociáveis para a criação de uma sociedade mais igual e justa. E foi sempre assim na história da luta pela dignidade dos trabalhadores, sem o descalabro da economia.
A semana de 4 dias não é uma utopia. É um imperativo de modernidade e de respeito. É apenas uma questão de quando. E o Bloco cá estará para dar força a esta ideia de uma vida para lá do trabalho.