A saúde mental tem sido, ao longo da história, um tema de fascínio, incompreensão e evolução científica. Uma das ferramentas mais importantes na psiquiatria moderna é o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM, na sigla em inglês), um guia que moldou a forma como diagnosticamos e tratamos as condições de saúde mental.
O DSM, publicado pela primeira vez em 1952 pela Associação Americana de Psiquiatria, foi criado para padronizar a classificação das perturbações mentais. Antes da sua existência, os diagnósticos eram inconsistentes, muitas vezes baseados em critérios vagos ou enquadramentos teóricos como a psicanálise. O DSM introduziu uma linguagem comum para clínicos, investigadores e decisores políticos, permitindo diagnósticos mais fiáveis e uma melhor comunicação no campo da saúde mental.
Desde a sua criação, o DSM passou por várias revisões, cada uma refletindo avanços no conhecimento científico e nas atitudes da sociedade em relação à saúde mental. A primeira edição (DSM-I) listava 106 perturbações e era fortemente influenciada pela psiquiatria da década de 1950. Em 1968, o DSM-II expandiu a lista para 182 perturbações, mas ainda se baseava em conceitos psicanalíticos. Foi apenas com o DSM-III, em 1980, que ocorreu uma mudança significativa. Esta edição introduziu uma abordagem mais empírica e baseada em sintomas, enfatizando comportamentos observáveis e critérios padronizados. Foi um ponto de viragem, aproximando a psiquiatria do modelo médico e afastando-a de teorias abstratas.
As edições seguintes, incluindo o DSM-IV (1994) e o DSM-5 (2013), continuaram a refinar os critérios de diagnóstico, incorporando novas investigações sobre genética, neurociência e fatores culturais. O DSM-5, a edição mais recente, inclui mais de 300 perturbações e dá maior ênfase a avaliações dimensionais, reconhecendo que as condições de saúde mental muitas vezes existem num espectro e não como categorias rígidas.
A evolução do DSM reflete mudanças mais amplas na forma como a sociedade encara a saúde mental. As primeiras edições foram criticadas por patologizar comportamentos normais ou refletir preconceitos culturais (por exemplo, a homossexualidade foi listada como uma perturbação no DSM-I e no DSM-II). Ao longo do tempo, o manual tornou-se mais inclusivo e sensível à diversidade cultural e de género, embora os debates sobre o excesso de diagnósticos e a medicalização de problemas do quotidiano persistam.
O impacto do DSM vai além dos contextos clínicos. Influencia políticas de seguros, decisões legais e até mesmo as perceções públicas sobre saúde mental. Ao fornecer um enquadramento para o diagnóstico, ajudou a reduzir o estigma e a promover a ideia de que as condições de saúde mental são problemas médicos legítimos que merecem cuidado e compaixão.
À medida que olhamos para o futuro, é provável que o DSM continue a evoluir, incorporando descobertas da neurociência, genética e perspetivas globais. Por agora, continua a ser um pilar fundamental dos cuidados de saúde mental, um testemunho de quão longe chegámos na compreensão da complexidade da mente humana.
Aos meus concidadãos de Setúbal, lembremo-nos de que a saúde mental é tão importante quanto a saúde física. A jornada do DSM recorda-nos que a ciência está sempre em evolução e, com ela, a nossa capacidade de apoiar quem mais precisa.
Sou psicóloga clínica, especialidade atribuída pela ordem dos psicólogos portugueses, instrutora de yoga, pela Confederação Portuguesa do Yoga, mestre em gerontologia, pela Universidade Livre de Amsterdão, e doutorada em história das ciências e educação científica, pela Universidade de Coimbra.