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A construção do novo mundo no mundo novo

A construção do novo mundo no mundo novo

A construção do novo mundo no mundo novo

11 Novembro 2021, Quinta-feira
Francisco Cantanhede

Durante séculos os autores das obras sobre a expansão europeia dos séculos XV e XVI, divulgaram uma visão heroica dos navegadores e colonizadores, enfatizando o seu caráter civilizador. Como o continente americano era desconhecido na Europa, a palavra «descobrimento» concretizou a visão eurocêntrica, ou seja, europeísta. Mais recentemente, alguns historiadores têm analisado a expansão europeia do ponto de vista dos povos que viviam nas terras «descobertas» por Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral, apelidadas de Novo Mundo. A palavra descobrimento foi, então, substituída por expansão. Não é apenas o significado das duas palavras, mas também a intencionalidade no seu uso, que as torna inconciliáveis. Descobrir significa encontrar o que era desconhecido, logo não implica qualquer ato contrário à paz. Se nos lembrarmos de grandes descobertas da História, como por exemplo, a penicilina, concluiremos que os descobridores contribuíram, na generalidade, para o bem-estar da humanidade. Já a palavra expansão tem um significado belicista, como afirma o historiador Tzvetan  Todorov,  « é uma guerra, uma conquista.» E foi através da expansão que os Europeus construíram um «mundo nono» no Novo Mundo encontrado por Colombo e Cabral.

Esse «mundo novo» foi construído sobre os cadáveres de milhões de pessoas que, à chegada dos Europeus, tinham um modo de vida tão diferente do modo de vida seguido na Europa que levou Sérgio Buarque de Holanda a afirmar: «o confronto de duas humanidades diversas, tão heterogéneas, que não deixa de impor-se entre elas uma intolerância mortal.» O confronto das duas humanidades diversas pode ser concretizado através de alguns exemplos. O imperador asteca acreditando que os Europeus eram deuses, recebeu-os amigavelmente e abrigou-os no seu palácio. Hernán Cortés, o comandante espanhol, prendeu-o e, a partir daí, foi mais fácil dominar o povo asteca. Os Incas eram agricultores e o ouro, tão desejado na Europa, abundava no seu território, contudo, para os Indígenas, a maior riqueza eram os armazéns espalhados pelo império onde guardavam especialmente alimentos e tecidos. Tal como os Astecas, os Incas, inicialmente, acreditaram que os Europeus eram deuses. Já alguns Europeus estavam convictos que, após a cristianização do seu continente, o diabo tinha ido habitar o continente americano, logo todas as atrocidades eram justificadas à luz da religião. Quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, um dos indígenas foi levado à sua presença, tendo apontado para o colar de ouro do capitão português e para terra. Para os Portugueses, o gesto significou que o metal precioso abundaria na região, o que não era verdade. Como os indígenas não conheciam a propriedade privada, tudo era de todos, talvez o indígena desejasse mostrar o colar aos restantes membros da tribo que tinham ficado em terra.

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Ao contrário do que, por vezes, se pretende fazer crer, quer os aspetos positivos quer os negativos da expansão europeia dos séculos XV e XVI, não podem ser atribuídos a um só povo, pois o empreendimento europeu está associado à nova mentalidade renascentista que deu origem à Idade Moderna. Se os pensadores do Renascimento defenderam a esfericidade da Terra, Fernão de Magalhães deu início à viagem que a comprovou; à criação da perspetiva na pintura, procurando o artista aproximar-se da perfeição, corresponderam os cartógrafos desenhando o globo terrestre com enorme rigor. No livro Descobrimentos e Renascimento, Janice Silva afirma: «Os descobridores, ao realizarem a sua obra de colonização construindo igrejas e outras edificações necessárias à conquista, e os artistas, pintando ou esculpindo na Europa, consideravam a existência de um único padrão de beleza, uma única religião verdadeira, uma cultura superior a todas as outras. Descobridores e artistas olhavam o mundo de um único ponto e a partir dele destruíam e construíam. Por todos esses motivos, a harmonia presente nos quadros renascentistas transformava-se em desarmonia no Novo Mundo.»

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