22 Julho 2024, Segunda-feira

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25 d’Abril no seio da sociedade contemporânea

25 d’Abril no seio da sociedade contemporânea

25 d’Abril no seio da sociedade contemporânea

30 Abril 2024, Terça-feira

Além das celebrações em Setúbal, estive presente na marcha de celebração entre Restauradores e a Avenida da Liberdade em Lisboa. Lá pude observar rostos, mensagens e símbolos empunhados. O sentimento geral fora o de celebração sem deixar de faltar manifestações de descontentamento que são próprias à índole.

Começo por um ponto positivo substancial: Nunca vi tantas pessoas reunidas para celebrar este nosso feriado. Das conversas alheias a circular à minha volta, foi-me aparente que o que as moveu a aparecer foi um pequeno sentido de missão (arrisco-me a dizer transcendental): o desejo de se estar rodeado por todos os que partilham esta mesma missão de comemoração e que se compadece com um sentido de pertença. Um desejo transversal de se deixar a sua marca neste marco histórico de meio século do movimento e deixar-se inspirar pelos ideais absolutos que o mesmo representa Liberdade, Paz e Justiça.
Noto ainda o modo como a simples acção conspícua de se pôr a caminho dos ajuntamentos enalteceu a sua importância.

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Testemunhei um mar de gente cujos rostos ressaltavam entusiasmo de se pertencer a algo maior e também uma leve serenidade. A felicidade veemente (genuína) jorrava, principalmente, das pessoas já de idade enquanto era complementada pela camada mais jovem que vociferava a sua frustração. Frustração resultante do contraste entre o status quo e a ideia do que poderia ter sido – e.g. situação socioeconómica actual.

O cravo, símbolo próprio do movimento e representativo dos ideais supra, fora ubíquo e ornamentava a própria presença. Vi apenas um pouco menos bandeiras de Portugal do que estava à espera, e simbolicamente, senti que também brotavam timidamente através das cores do próprio cravo. Estavam presentes bandeiras da Palestina e senti que se apropriavam – em certa medida – do motivo de ser da celebração, àquilo que deveria ser uma homenagem a um marco na história de Portugal.

Havia mensagens auspiciosas dispostas em cartazes e faixas directamente afectas à revolução. Além destas, encontrei, sem dificuldade, outras relativas a assuntos diversos que se expandiam em ênfase, desde a exigência da alteração da letra do Hino Nacional à situação geopolítica Palestina-Israel. Embora se possa utilizar “demonstração da liberdade de expressão” como argumento, não consigo evitar de sentir alguma desonestidade dos autores dada a sobreposição de movimentos contemporâneos. Alguns dos tópicos são dignos de discussão, é certo, contudo revela a falta de rumo, caso contrário seriam levados avante em sede própria. Esta descontextualização demonstra um incómodo generalizado que se afunila em qualquer tipo de manifestação. Incómodo este – muito dele – a meu ver, supérfluo em virtude da própria soberba ético moral.

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O 25 d’Abril está embrenhado na cultura portuguesa e como fenómeno (e a ideia que o acompanha) deve servir de método e aglutinador à identidade nacional – a um sentido de pertença. E, de facto, esta é uma das consequências expectáveis, pois reflecte isomorficamente a união que fez a força do movimento. Tal, pôde ser evidente aquando se tocou a Grândola Vila Morena e a gente pendulava ao ritmo da mesma, enquanto tinham os braços entrelaçados. E aproveito para enfatizar aqui a Beleza encontrada nos rostos pintados de sorrisos solarengos, encontrada na musicalidade de risos, cânticos e silêncios que a marcha florida aprazou, encontrada no contraste entre a aspereza dos tanques e os suaves cravos dispostos por cima. Também a observei na ressurreição da vitalidade da inconformidade face a dificuldades e transtornos que decorrem no nosso país.

Vi ainda actores políticos instrumentalizarem este movimento social em função das suas doutrinas partidárias, por isso não quero deixar de mencionar a presença de símbolos políticos, nomeadamente algumas bandeiras de partidos e rostos de dirigentes (indissociáveis da sua vida partidária). Esta instrumentalização é possível independentemente da conotação atribuída – e.g. IL e BE pela positiva e ADN pela negativa. Pelo Terreiro do Paço desenvolveu-se uma marcha antitética à que estava em decurso na Avenida da Liberdade, patrocinada pela ADN cuja maior parte da adesão, especulo, advir da descrença do(s) método(s) empregue(s) à concretização dos ideais supra na sociedade – bebendo da mesma revolta e desapontamento que levou a manifestações de descontentamento de quem estava pela Avenida da Liberdade.

Assim, nota-se a substituição da apatia política geral dos portugueses por uma polarização ideológica aparente cada vez mais berrante e julgo fundamentar-se na incapacidade dos governos passados de gerirem a coesão nacional. Sem descurar factores externos a Portugal como a relação do país com a Comissão Europeia, ideologias que circulam por redes sociais, entre outros, um exemplo disto é tomar tópicos como imigração e integração cultural como tabus que se verificam como facto social, mas sobretudo como fenómeno político – Faço aqui um breve desvio e sugiro que seja o caso para a maior parte dos países da UE. Acresce a isto os sistemáticos casos de corrupção o que revolta o povo português conduzindo-se a extremos ao invés de diálogo ponderado.

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Em suma, a meu ver, este ano fomos um enxame pulsante de convicções à deriva em condições materiais e circunscrito pelos mesmos ideais absolutos ainda que carecidos de um rumo e de um sentido de pertença. Espero que este vigor que o nosso povo demonstrou se mantenha pelo quotidiano dos anos vindouros.

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, Mestre em Sociologia
19/07/2024
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