19 Abril 2024, Sexta-feira
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Um Nobel, uma agência de acreditação do Ensino Superior e um aluno entram num bar…

A propósito do anúncio da atribuição do Prémio Nobel da Física a John F. Clauser, foi realçado o facto deste ter um H-index modesto. Este fator – principal indicador usado na medição da influência de um académico -, conjuntamente com o fator de impacto (IF) – a principal medida de influência de uma revista científica – são indicadores enviesados, injustos e, por vezes, quase fraudulentos. Crucialmente, premeiam quantidade e não qualidade. Porém, foram universalmente adoptados pelas agências de acreditação como padrões desta. Assim, passou a considerar-se bom investigador aquele que possui um elevado H-index e que publica em revistas científicas de alto IF. Não é de admirar, portanto, que o negócio da publicação científica tenha atingido valores de 19 mil milhões de dólares em 2020, com um crescimento anual médio de 3.25%. Publicar nestas revistas é requisito para melhorar as condições com que se compete por financiamento. Porém, publicar numa destas revistas faz com que gastemos dinheiro uma vez que precisamos  de financiamento prévio para pagar as exorbitantes taxas de publicação exigidas por essas revistas que vão desde umas centenas de euros até 9.500 euros no caso da revista Nature. Assim, quem tem um currículo menos rico tem menor probabilidade de conseguir publicar nestas revistas por falta de financiamento. Como tal não melhoram o seu currículo, o que acaba por condicionar ainda mais a obtenção de financiamento futuro (algo em si já muito difícil, especialmente em Portugal) levando, naturalmente, à manutenção deste ciclo disfuncional. É, portanto, com alguma frescura que vemos o modesto H-index do laureado John F. Clauser fazendo-nos acreditar um pouco que a ciência ainda pode ser feita de qualidade e não de quantidade gerada por pressões que não beneficiam ninguém a não ser a indústria que nos publica.

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Contudo, a discrepância entre avaliação e qualidade não termina aqui. Os critérios de avaliação do corpo docente no Ensino Superior, e dos cursos ministrados, são centrados acima  de tudo na produção científica. O velho adágio “publica ou morre” continua a ser central. É portanto curioso que quem paga os nossos salários – os alunos – sejam uma nota de rodapé  neste processo. As suas opiniões sobre os docentes são recebidas nas avaliações semestrais e consideradas internamente, mas são (salvo raras excepções) irrelevantes para as agências. Mais depressa uma instituição do Ensino Superior se livra de um excelente professor parco em publicações, que de um péssimo mas profícuo professor…

Mas há uma luz ao fundo do túnel. Na Universidade de Utrecht, Países Baixos, são já usados critérios diferenciados como a transparência e o trabalho em equipa. Instituições de 159 países também já subscreveram a declaração da DORA, iniciativa internacional para reavaliar a forma como a produção científica é considerada nas acreditações de cursos e avaliações de profissionais, fazendo-se Portugal representar por 25 organizações e pelo menos 80 indivíduos (entre os quais me encontro).

Sente-se uma mudança de paradigma no horizonte. Está nas nossas mãos contribuir para a sua vinda, mesmo com algum sacrifício, para que o estado da ciência, acreditação e avaliação evoluam tornando-se mais justas, transparentes e assentes acima de tudo na qualidade.

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