28 Março 2024, Quinta-feira
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Saber ouvir e conviver

O saber ouvir não anda bem. Uma pena, porque saber ouvir é essencial. É dar atenção e mostrar empatia, considerar e respeitar o outro. E é também aprender, a cada momento, com os nossos interlocutores.

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Familiares e amigos resmungam por repetirmos as nossas histórias – o que toda a gente faz, até os rezingões que adoram ouvir a própria voz, mas não têm paciência para ouvir as vozes alheias. «Já contaste isso!», dizem-nos, enfadados e a cortar-nos as vazas, olvidando (ou ignorando?, ou desprezando?) que a disponibilidade para ouvir é gentileza e boa educação, amizade e humanidade que devemos aos mais íntimos, aos menos chegados, a qualquer pessoa.

As gerações mais novas, atordoadas nos entremeios dos egoísmos e arrogâncias da idade, das pressas da nossa era e da paixão assolapada pelas novidades eletrónico-digitais, não têm pachorra para ouvir. Na escola, esta e aqueloutra disciplina «é uma seca», porque o professor «fala muito».

Em casa, as experiências e saberes dos mais velhos não os convence, porque encucaram que todo o conhecimento que interessa está à distância de um teclar ou passar de dedo, e no facilitismo da imagem.

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Eles não sabem como se enganam e o que perde quem não sabe ouvir. Nem sonham que o vício pelos ecrãs tem efeitos danosos no desenvolvimento intelectual, emocional e afectivo, com consequências nas aprendizagens escolares, na socialização e na saúde mental – opinião de estudiosos, que se referem às gerações dos «bebés digitais» como os primeiros filhos de quociente intelectual inferior ao dos progenitores.

Tudo se agravou com o aprimoramento do telemóvel e a democratização do seu uso. A princípio, era um simples e utilitário telefone móvel, brinquedo exótico de poucos. Os demais olhavam a novidade com estranheza e odiavam-lhe os toques de chamada embirrantes e inoportunos.

Porém, pelo interesse crescente que despertava, cedo se percebeu que estaria ali uma oportunidade de negócio de largos fôlegos, com pernas para subir aos píncaros em que o vemos. Já não prescindimos dele, pelos múltiplos e úteis serviços que nos presta, como pelas maluqueiras que permite.

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Queremos lá saber da obrigação que nos impuseram de ter um «inteligente», que não é coisa de cêntimos! E nem ligamos ao facto de, através dele, sermos controlados em todos os nossos passos (ai, as liberdades!).

O instrumento, na relação com a Internet e as redes sociais, alterou vivências e convivências. Facilitador da comunicação e do acesso à informação, aproximou as pessoas e amenizou solidões, abriu janelas para o mundo e criou possibilidades de conhecimento e de entretenimento, antes vedadas a milhões e milhões.

Mas (não há bela sem defeito) suscitou empolgamentos e gerou hábitos que atiram muitos para a psiquiatria. Por amor dele, o convívio à antiga (dar novidades e escutá-las, conversar, trocar ideias, chalacear, partilhar histórias), a confraternização tradicional, presencial vai sofrendo sérios reveses.

Amigos supostamente reunidos para uns momentos agradáveis à volta de um café, concentram-se no brinquedo, o convívio posto de lado. Namorados, olhos nos «inteligentes», os dedos numa fona, o namoro que espere. Familiares à mesa do restaurante, quase que não falam uns com os outros, afogados na mesma onda. Há quem assista de telemóvel na mão a actividades desportivas e a espectáculos, a atenção repartida entre aqueles e a droga.

O agora «inteligente», fascinação de multidões, espevitador de egos, insinuador de espertezas e açulador de vaidades, poderoso traficante do virtual pelo real, é um controlador implacável da nossa vida – um Big Brother alto lá com ele!

Claro que há e sempre haverá quem se não deixe manietar, e resista. Não obstante, o entretém digital continuará na senda da concorrência desenfreada ao convívio genuíno, saudável, natural. O saber ouvir e o saber conviver vivem tempos complicados.

P.S. Escrevi na observância do AO90.

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