19 Março 2024, Terça-feira
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Pelo direito a uma cidadania de primeira

São inúmeras as pessoas com deficiência que, como qualquer outro cidadão ou cidadã, vivem em interdependência. Contudo, muitas são aquelas cuja sua dependência de ajuda por terceiros, decorrente das suas limitações funcionais, resulta em exclusão social e sofrimento quer para si quer para as suas famílias.

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Há quem não consiga levantar-se da cama, não consiga tomar banho, vestir-se, preparar uma refeição ou mesmo comê-la sem ajuda. Há também quem não consiga deslocar-se pelas suas vilas ou cidades, aceder a serviços básicos, comprar bens essenciais ou entregar-se ao devaneio das compras mais fúteis. Há quem não consiga frequentar atividades turísticas ou de lazer, andar de transportes públicos ou socializar nos mesmos contextos que os seus pares, sejam eles cafés, restaurantes, casas de espetáculos, algumas zonas mais inacessíveis e escondidas do jardim. Há quem não consiga comprar ou alugar uma casa, levar o seu filho à festa de aniversário da pequena vizinha do primeiro andar ou mesmo aceder à reunião de condomínio. Há quem não consiga escolher a escola ou o curso por vocação, aceitar uma proposta de trabalho onde poderá construir uma carreira, participar em pleno na vida académica da sua facultade. Há quem não consiga assistir à missa de domingo, casar onde deseja ou velar um seu ente querido. Há quem não consiga exercer a sua parentalidade na escola. Quem não consiga registar o seu filho ou aceder a tribunal ou registo civil.

Arrisco – perante os mais céticos ou assistencialistas – dizer que todas estas pessoas podem ter uma vida ativa e digna se os órgãos de soberania e poder, nos quais se enquadram as autarquias, tiverem uma política orientada para a promoção da vida independente.

Numa altura em que se inicia a campanha autárquica, é urgente relembrar que as pessoas com deficiência também são eleitoras de pleno direito e não podem continuar a ser esquecidas das campanhas nem arredadas das discussões e do planeamento político, urbanista e social dos locais onde escolheram viver. A prova mais clara desta premissa, reflete-se na prática reiterada no nosso distrito (só a título de exemplo) de ainda conceber a existência de eleições em locais onde não estão garantidas as condições de acessibilidades.

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Promover a verdadeira inclusão vai muito para além de rebaixar passeios. É urgente garantir que pessoas com deficiência tenham percursos seguros, que acedam a instituições, bens e serviços, que entendam a informação que lhes é transmitida e que tenham profissionais capacitados para as receber onde assim for necessário.

O Estado ou se desresponsabiliza, delegando nas famílias o acompanhamento e apoio às pessoas que delas dependem, não as compensando minimamente dos custos acrescidos que esta situação comporta, ou, por outro lado, promove a institucionalização das pessoas dependentes.

Nem uma nem outra solução elege a pessoa com deficiência como o sujeito central a quem é necessário que se forneça os meios para ter uma vida em igualdade de oportunidades com os seus pares sem deficiência e as autarquias podem ter um papel essencial na mudança de paradigma.

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Esta orientação é aliás, contrária aos compromissos assumidos na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pelo Estado Português, que reconheceu a igualdade de direitos “de todas as pessoas com deficiência a viverem na comunidade, com escolhas iguais às demais” e comprometeu-se a tomar “medidas eficazes e apropriadas para facilitar o pleno gozo, por parte das pessoas com deficiência, do seu direito e a sua total inclusão e participação na comunidade”.

Recorda-se ainda que Decreto-Lei n.º 163/2006 de 8 de Agosto, sobre o Regime da acessibilidade aos edifícios e estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais, no Artigo 12.º sobre a Fiscalização, postula que:

A fiscalização do cumprimento das normas aprovadas pelo presente decreto-lei compete:
a) Ao INR, I. P., quanto aos deveres impostos às entidades da administração pública central e dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados e de fundos públicos;
b) À Inspeção-Geral de Finanças (IGF) quanto aos deveres impostos às entidades da administração local;
c) Às câmaras municipais quanto aos deveres impostos aos particulares.

Não pretendendo neste artigo enunciar o que poderá ser a materialização de uma campanha que abrace efetivamente os e as munícipes com deficiência, há, no entanto, medidas que são indispensáveis:

– Repensar o apoio domiciliário, ou criar programas de promoção de assistência pessoal locais, que permita aos utilizadores destes serviços, em combinação com o uso de produtos de apoio, a adaptação do ambiente onde vivem e trabalham, terem as mesmas opções e oportunidades que teriam se não fossem dependentes de terceiros.

– Ter tolerância zero para a aquisição de transportes públicos que não sejam acessíveis a todas as pessoas.

– Cumprir a Lei n.º 163/2006 de 8 de Agosto e fiscalizar o seu cumprimento em edificado já existente, salvaguardando também quota de habitação social para pessoas com deficiência.

– Englobar as pessoas com deficiência nas mesmas medidas sociais concedidas a outros grupos considerados vulneráveis.

Inúmeros estudos demonstram que locais pensados para todos não só aumenta substancialmente a qualidade de vida das pessoas com deficiência, como é encarada como uma medida de apoio ao desenvolvimento económico.

Não sendo um argumento decisivo, dado que direitos humanos não se discutem, é, no entanto, a demonstração de que não desculpas, a não ser o preconceito e a menorização das pessoas com deficiência enquanto cidadãos e cidadãs, para não implementar aquilo com que Portugal se comprometeu ao subscrever a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Nesta campanha autárquica lanço o desafio para que se possa fazer mais e melhor por todas as pessoas. O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda já há muito transformou esse desafio em compromisso!

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