18 Abril 2024, Quinta-feira
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Obrigado, UNESCO: os munícipes de Palmela agradecem

Obrigado, UNESCO: os munícipes de Palmela agradecem
Manuel Henrique Figueira - Munícipe de Palmela
Manuel Henrique Figueira – Munícipe de Palmela

Os munícipes de Palmela agradecem o chumbo da candidatura a Cidade Criativa da Música: porque − neste delírio − a Câmara propunha-se gastar 1 milhão de euros nos próximos 4 anos.

Quanto gastou na candidatura? Com a assessora Celina da Piedade, 17 mil euros; com 2 consultores/investigadores da Universidade de Aveiro mais de 8 mil (li na imprensa, não vi desmentido); além do resto. O chumbo pouparia centenas de milhares de euros, mas consta que se vai repetir a candidatura. Os autarcas que gastem o dinheiro nas graves carências do concelho, que só eles não vêem, por isso o gastam no acessório em vez de no essencial.

Nem este segundo fiasco os faz desistir, o primeiro, em 2014, foi a candidatura da Arrábida a Património Mundial e Cultural da Humanidade (patrocinada por Palmela, Sesimbra e Setúbal, que tutelam a serra), retirada para evitar o chumbo. O parecer da União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN) e do Conselho Intermunicipal dos Monumentos e Sítios (Icomos) foi negativo: a serra não tem «características de relevância internacional», tem «cicatrizes irreparáveis a longo prazo» da Secil e das pedreiras, «casas de férias (algumas ilegais) e a pressão do turismo». Nada disto viram os técnicos da candidatura e os autarcas.

Como agora não viram que, meia dúzia de sociedades recreativas, com pequenas bandas e escolas de música, o Museu da Música Mecânica e alguns concertos, não ganhavam o galardão. A rede mundial de Cidades Criativas tem 246, dessas nós temos 7: Barcelos, Braga, Caldas da Rainha, Óbidos e, da música, Idanha-a-Nova (2015), Amarante (2017) e Leiria (2019). Ganhou Leiria porque «surge no panorama nacional e internacional na vanguarda dos projetos sociais e artísticos baseados na música, que promovem a equidade social, a dignidade humana e a inclusão social» (do Site da UNESCO).

Ainda pior é o fundamento da candidatura: «trabalhar a música como um dos elementos estratégicos para o desenvolvimento sustentável do território». Mas o concelho não é desenvolvido? Sustentado na indústria, na vitivinicultura e no turismo?

− É o mais industrializado do distrito, com 91 empresas e 15.254 trabalhadores (só do Ranking das 500 maiores do distrito, 2018). Isto num concelho com 34.975 habitantes entre 25 e 64 anos, faixa etária dos trabalhadores activos (último Censos, 2011). Só a Autoeuropa vale 1,7% do PIB e emprega 5884 trabalhadores. Muito atrás vêm Almada, Setúbal e Seixal.

− É enorme o êxito das empresas vitivinícolas, com inúmeros prémios e distinções mundiais ganhos.

− O turismo está em expansão depois da inclusão da região na ERT-RL (Entidade Regional de Turismo da Região de Lisboa).

Estas são as 3 «jazidas de lítio, ou de petróleo» do concelho: não é a música. Para que a «extracção» seja sustentável e estas «jazidas» produzam ainda mais, não se distraia a Câmara em fantasias musicais e faça o que deve:

− Garanta à indústria as condições para operar, sem que a Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa se queixe em público para ser reparada a estrada municipal que a serve.

− Promova a criação de um grande Museu da Vinha e do Vinho, com as empresas vitivinícolas, que integre os espólios dos seus núcleos museológicos. E também a criação de uma Feira Internacional do Vinho da Península de Setúbal (em conjunto com Setúbal e Montijo, rotativa pelos 3 concelhos). Seriam óptimos meios de divulgação e promoção deste produto de excelência e novos motivos de atracção turística.

− Melhore a rede de transporte público para que os turistas, os munícipes e o tecido económico tenham meios de mobilidade: fazendo a sua parte e exigindo ao Governo a dele. Dou só 2 exemplos:

1 − Conclua 250 metros da Av. J. Lino dos Reis, em Aires (espera há 20 anos), para que as actuais carreiras de autocarros, e outras a criar, circulem pela Estação Ferroviária e pelos núcleos urbanos da zona, com 4 mil pessoas e sem um autocarro que as sirva. E para que os turistas que chegam à Estação Ferroviária não olhem para o castelo sem meios de lá chegar.

2 − Exija a conclusão da Estação do Pinhal Novo, para ser uma importante interface rodoferroviária, que interligue o tecido económico regional e inter-regional, melhore o transporte para turistas e munícipes (com mais comboios para Lisboa) e honre o papel da ferrovia na vila desde que a linha chegou a Setúbal (1861). Em vez da Estação inacabada há 15 anos e de autarcas envergonhados e silenciosos pelos obstáculos que puseram à sua conclusão.

São condições essenciais para que os operadores económicos e turísticos desenvolvam mais o concelho.

O concelho não se desenvolveu devido a estes delírios «culturais» desde há 20 anos: Festival Internacional de Artes de Rua; Festival Internacional de Gigantones; Festival Internacional de Saxofones de Palmela; Palmela Wine Jazz; Palmela White Party e Feira Medieval. Senão, para quê a Cidade Criativa da Música? Quanto custaram, quantas pessoas assistiram, quantos postos de trabalho criaram? Compare-se com as Correntes d’Escritas (Póvoa de Varzim), Festival Internacional de Música (Óbidos) e Escritaria (Penafiel), na dinamização cultural e económica e na projecção internacional dos concelhos. Hoje, nas sociedades urbanizadas e, predominantemente, de serviços, a Cultura é importante na literacia e fruição das pessoas, é reprodutiva e contribui para o desenvolvimento económico: desde que tenha valor intrínseco.

Talvez a indústria, a produção vitivinícola e o turismo não sejam importantes e seja a Cidade Criativa da Música que nos desenvolva. Diz o slogan da candidatura: «Palmela é música». Para nos entreter e gastar dinheiro inutilmente.