20 Abril 2024, Sábado
- PUB -
Início Opinião A propósito da toponímia de Setúbal

A propósito da toponímia de Setúbal

A propósito da toponímia de Setúbal
Francisco Cantanhede - Professor
Francisco Cantanhede – Professor

Na História mais recente de Portugal, destacaram-se três homens: Álvaro Cunhal, Mário Soares e Sá Carneiro. Os três foram oposicionistas da ditadura; os três participaram na construção do Portugal democrático.

Álvaro Cunhal, homem sem medo, foi perseguido pela polícia política do Estado Novo: sofreu a tortura da estátua, a tortura do sono, foi agredido a pontapé, a murro com cavalo-marinho, com tábuas. Passou 15 anos na prisão, demonstrando uma resistência física e psicológica notável. Apesar da tortura, «nunca falou». No atual regime democrático constitucional, o líder dos comunistas defendeu, durante décadas, «uma maioria de esquerda», ou seja, uma solução política semelhante à que, nos nossos dias, suporta «a geringonça». A ação política de Álvaro Cunhal levou a que o seu nome fosse atribuído, por exemplo, a uma avenida em Lisboa e a uma rua em Santarém, e, mais recentemente, a uma avenida em Setúbal. Resta felicitar os responsáveis por essas decisões e aguardar que outros lhes sigam o exemplo.

Sá Carneiro, homem coragem, enfrentou a ditadura do Estado Novo no seu próprio ninho, a Assembleia Nacional. Criticou a atuação da polícia política, propondo a formação de uma comissão de inquérito «para estudar todas as queixas, reclamações e acusações formuladas e proceder a inquérito à atuação da Direcção Geral de Segurança e ao regime prisional da cadeia de Caxias». Apresentou um projeto de lei de amnistia dos presos políticos, considerando que «os chamados crimes políticos são, quase na totalidade, artificiais» e que a repressão dos mesmos «é a expressão da intransigência de um poder ilimitado que não admite a livre expressão crítica ou a atuação contrária de quem dele diverge.». Após o 25 de abril de 1974, Sá Carneiro conquistou duas maiorias absolutas- as primeiras da democracia portuguesa. A sua morte prematura, impediu-o de continuar a servir Portugal. O seu nome foi atribuído, com inteira justiça, a ruas, avenidas e praças de várias cidades portuguesas, incluindo Setúbal.

Mário Soares, o incansável combatente pela liberdade, tornou-se «irritante» para a ditadura, nomeadamente, ao denunciar a jornalistas estrangeiros o caso Ballet Rose, o qual afetou profundamente o Estado Novo. Foi preso e exilado para S. Tomé e Príncipe. Após o 25 de Abril de 1974, chefiou vários governos, foi Presidente da República durante 10 anos, sendo o primeiro presidente civil a ocupar o cargo, desde a I República. Percorreu as capitais das comunidades europeias, conseguiu a integração de Portugal na C.E.E/U.E. Construíram-se hospitais, centros de saúde, proliferaram centros de formação profissional, criaram-se indústrias. O Portugal que ainda «andava de burro» passou a usar automóvel nas novas autoestradas. Há alguns meses, o atual presidente da República inaugurou a Avenida Mário Soares em Bragança afirmando «Mário Soares foi, é e será sempre uma grande figura da História portuguesa contemporânea, pela sua forma de ver Portugal, a Europa e o mundo». Para quando uma rua, uma avenida com o nome deste ilustre político português na cidade do Sado?

Procurar desenterrar esqueletos para provocar polémicas sobre a atribuição de qualquer um destes três nomes de notáveis portugueses a ruas, avenidas ou praças, em nada contribui para o diálogo democrático, para o fortalecimento da democracia. Se na toponímia apenas constassem nomes de pessoas perfeitas, não teríamos qualquer praça Afonso de Albuquerque, Avenida Infante D. Henrique ou rua Vasco da Gama. O Professor Boaventura Sousa Santos alertou para o facto de os regimes híbridos- leia-se neofascistas- nascerem dentro das democracias; chegando ao poder minam as instituições. A visão maniqueísta da política e dos políticos dá um forte contributo para o aparecimento e fortalecimento dos regimes híbridos.