Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines faz um balanço a 2022 e deixa um alerta: “No futuro, teremos de adquirir alguma margem orçamental para sermos mais autónomos”
Nuno Mascarenhas analisa o primeiro ano do seu último mandato e projecta o futuro. Do investimento público ao privado, passando pela educação, pelo turismo e pela cultura, o presidente da Câmara Municipal realça a obra feita. E sublinha a gestão financeira. “Em 2022 já realizámos cerca de 5,5 M€ de investimento e registámos uma redução do endividamento de 1,4 M€”, revela.
Como classifica o primeiro ano deste mandato?
Foi um ano especialmente desafiante. Por um lado, correspondeu à saída das restrições mais duras da pandemia, regressando a autarquia e a sociedade a um quotidiano mais aproximado àquilo a que estávamos habituados. Foi possível, por exemplo, regressar à programação cultural e desportiva, aos eventos e, nesse contexto, à realização do Festival Músicas do Mundo. Contudo, em termos de empreitadas e de execução de obras, ficou evidente que as empresas do sector continuam em grandes dificuldades. A pandemia afectou muito a produção de materiais e causou grandes aumentos de preços. Por outro lado, veio agravar a falta de mão-de-obra. Essa dificuldade tem atrasado muitos projectos e tem impactos orçamentais significativos. Ainda assim, e por muito que custe a alguns, executámos ou temos em execução 17 milhões de euros de investimento com fundos comunitários.
O facto de ser o seu último mandato faz alguma diferença?
Por princípio, sou favorável à limitação de mandatos. Faz parte do nosso legado republicano e é um mecanismo de estímulo à vivacidade democrática. O que se pensa ao fim de dois mandatos e tendo este terceiro em curso e planeado é: “podíamos ter feito mais e melhor?”. A resposta é “talvez”, mas a convicção é a de que se fez tudo o que estava ao nosso alcance em cada momento, porque cada momento é esse momento e as circunstâncias que o caracterizaram. Por isso, não creio que o último mandato, por ser o último, faça grande diferença.
Em 2021, segundo a prestação de contas, o município realizou obra e reduziu a divida em 1 milhão de euros, para um total de 10,5 milhões. E este ano o que espera, quanto às contas e à actividade municipal?
Posso adiantar que em 2022 já realizámos, até ao momento, cerca de 5,5 milhões de euros de investimento e registámos uma redução do endividamento de 1,4 milhões de euros. É expectável que fechemos o ano com um valor de endividamento de cerca de 9 milhões de euros. Este esforço de equilíbrio financeiro permite-nos fazer investimento. E temos de ter a noção de que no futuro as políticas públicas e o investimento têm de estar menos dependentes de financiamento comunitário, ou seja, teremos de adquirir alguma margem orçamental para sermos mais autónomos.
Tem dito que está a concluir um ciclo de investimento de 20 milhões de euros, do Portugal 2020. Está completamente executado? E para o Portugal 2030 haverá algo igual em Sines?
O Portugal 2020 foi um período de financiamento comunitário muito particular. Primeiro, foi planeado na fase pós-troika e isso marcou profundamente as suas regras, os regulamentos, o que podia ou não ser elegível. É inadmissível que o Centro de Dia de Porto Covo, que é uma obra social e que vem colmatar uma necessidade de uma resposta tipificada na lei, que é o apoio aos mais vulneráveis sem os institucionalizar, tenha limites para os custos de construção, muito inferiores ao custo de mercado. Uma obra que custou ao município mais de 1 milhão de euros tem um financiamento de menos de 400 mil euros. Como este exemplo existem outros e isso resultou de alguma contaminação da agenda do período da troika para os regulamentos. Por outro lado, as empresas de construção tiveram dificuldade em corresponder aos concursos. Por exemplo o Mercado Municipal, que foi a concurso quatro vezes, ficou sem propostas e dificilmente será executado neste quadro comunitário. A nossa perspectiva é que o Portugal 2030 seja, de facto, um quadro comunitário mais direccionado para a coesão económica e social, menos condicionado ideologicamente e que se baseie mais fortemente nas necessidades do território. Estamos já a trabalhar nisso.
Sobre a transferência de competências para os municípios, designadamente na Educação, que é a de maior vulto, que conclusões pode já retirar? Há ganhos para o funcionamento das escolas e para os alunos e professores?
A descentralização era um passo que Portugal tinha de dar. E que pode ainda ser bastante aprofundado, muito embora esse aprofundamento possa ter de ser acompanhado de revisões da lei das finanças locais e, até, da própria orgânica autárquica. No caso da Educação, Sines é um caso particular. Já tínhamos acordos de execução para todas as escolas, à excepção da Escola Secundária Poeta Al Berto. Assumimos essa gestão, numa virtuosa parceria com a direcção da escola e com a direcção regional. Recebemos nos quadros do município 14 assistentes operacionais e nove assistentes técnicos e o ministério financia 1,6 milhões de euros anuais. O melhor exemplo que tenho para mostrar que este processo é benéfico para todos é este: quando o refeitório da Escola Poeta Al Berto era gerido pelo ministério servia menos de uma centena de refeições por dia, neste momento temos dias em que servimos 500 refeições. A gestão de proximidade tem preocupações que a gestão centralizada não alcança.
Investimento privado
Quanto aos grandes investimentos privados falados para Sines. O da Repsol Polímeros já arrancou, com 760 milhões para duas novas fábricas. Sobre a chamada ‘eco-fábrica’ – unidade de reciclagem de resíduos sólidos, que representa mais 600 milhões – sabe se se confirma?
A Repsol está a fazer um investimento muito relevante na sua unidade e, de facto, este investimento é que vem assegurar a continuidade da Repsol em Sines. No fundo são duas novas unidades, uma de polipropileno e outra de polietileno linear, que garantem a autonomia do complexo. Se este investimento continuar a correr bem, como tem corrido, com grande empenho da Repsol, do município, da aicep Global Parques e da aicep Portugal Global, bem como de muitas outras entidades envolvidas, como a APA e a DGEG [Direcção-Geral de Energia e Geologia], acredito que a unidade de reciclagem química de resíduos urbanos, para produção de etanol circular, venha a confirmar-se. Até porque é um investimento completamente em linha com os princípios da economia circular e da transição energética.
Há vários outros projectos, dos tecnológicos aos industriais, falados para Sines. essa dinâmica mantém-se ou está a ser afectada pela conjuntura dos últimos meses?
Mantém-se e, em alguns casos, está a intensificar-se. A invasão à Ucrânia veio acelerar alguns processos ao nível da transição energética e reorganizou a Europa enquanto destino de investimento. Prova disso mesmo é o acordo, entretanto alcançado entre Portugal, Espanha e França para a construção do Corredor de Energia Verde. Neste projecto Sines será determinante, quer como única porta de entrada de gás em Portugal, quer no contexto do desenvolvimento do Plano Nacional do Hidrogénio. Também no sector digital, esta conjuntura pode trazer novas oportunidades a Sines, nomeadamente, no que diz respeito a cabos submarinos e centros de dados.
Turismo
Este ano foram concluídas várias obras em equipamentos relacionados com o turismo, como no Canto Mosquiteiro e na Costa Norte, ou no Parque de Merendas. Que impacto tem tido esse esforço?
Estamos a falar de espaços que necessitavam de qualificação. Por um lado, são espaços com valores paisagísticos muito da náutica, dos desportos de mar, da natureza. Temos neste momento a Estação Náutica de Sines que, no fundo, agrega os agentes e a oferta, e estamos a fazer a sua promoção, mas é preciso que se juntem a este projecto mais operadores para que ganhe mais substância e conteúdo. No turismo o que se vende são produtos turísticos. Nós criamos as condições para que os operadores possam estruturar os seus produtos, mas essa estruturação e a sua comercialização são iniciativa privada.
Cultura
Após dois anos de pandemia, a cultura voltou à rua. Na sua perspectiva como é que o concelho fez e está a fazer esse regresso?
Muitíssimo bem. O Festival Músicas do Mundo foi um sucesso. O Festival Terras Sem Sombra, que decorreu mais recentemente, também. Regressámos à programação das exposições do Centro de Artes de Sines e a exposição de fotografia de Nuno Cera segue agora para o Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), o que mostra bem como entrámos na rota das exposições nacionais de maior relevo. Também voltámos a fazer a Mostra de Artes de Rua (MAR) e correu muito bem. Para o ano voltaremos a ter o Festival Batuta, de música clássica, e a Maré de Fado.
Qual tem sido a preocupação e estratégia do município nesta área da cultura?
Encaramos a cultura e os eventos desportivos como activos capazes de atrair visitantes e turistas. São relevantes para o concelho e para a economia local. Por outro lado, temos em curso obras de valorização do património que virão robustecer a nossa oferta, desde logo com o Observatório do Mar. A empreitada está praticamente terminada e vamos agora iniciar o desenvolvimento dos conteúdos. Acredito, ainda, que a cultura é, de facto, um factor distintivo porque não nos resumimos nem aos concertos de Verão nem à etnografia. Temos uma programação e o concelho tem beneficiado muito dessa ambição de ter uma oferta regular, estruturada e com grande diversidade.