Governo quer abrir torneira a outros operadores para que os preços possam descer. 2,6 milhões de consumidores gastam gás de botija e pagam o dobro do preço do canalizado. Sigás, em Sines, e Pargás, dos gigantes Galp, Repsol e Rubis, têm monopólio de armazenagem
O Conselho Nacional dos Combustíveis deu parecer favorável à proposta de declaração de interesse público das instalações de armazenagem de gás de petróleo liquefeito (GPL) da Sigás e Pergás, medida que o Governo considera essencial para a descida de preços.
“O Conselho Nacional dos Combustíveis, após consultados os seus membros, […] emite parecer favorável à proposta de declaração de interesse público das grandes instalações de armazenamento de gás de petróleo liquefeito da Sigás e Pergás, localizadas em Sines e Perafita”, lê-se no parecer, que não é vinculativo.
Segundo o documento a que a Lusa teve acesso, a maioria dos membros que integram o Conselho Nacional dos Combustíveis pronunciou-se acerca da proposta, que teve votos favoráveis da Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (Anarec), da Associação Portuguesa de Defesa do Consumidor (Deco), do Automóvel Club de Portugal e da Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias.
Já a Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro) e a CIP – Confederação da Indústria Portuguesa votaram contra e houve duas abstenções – Associação Portuguesa de Produtores de Biocombustíveis e Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP).
Por seu lado, a Associação de Empresas Distribuidoras de Produtos Petrolíferos, a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição e a Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros – que também integram este órgão da Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC) – não se pronunciaram.
Em Março, o Governo anunciou a intenção de declarar de interesse público as instalações de armazenagem de gás, com vista à entrada de operadores no mercado e à descida dos preços do gás de garrafa, seguindo uma recomendação da Autoridade da Concorrência (AdC), que, numa comparação do preço retalhista do gás de botija, alertou para a falta de concorrência neste mercado, que prejudica os consumidores.
Agora, a AdC tem que emitir novo parecer sobre esta proposta e as duas empresas – Sigás e Pergás -, em Sines e Perafita (Matosinhos), em que a Galp detém a maioria do capital, tendo a Rubis e a Repsol participações minoritárias, têm que se pronunciar.
O Governo anterior (PSD/CDS-PP) tomou uma decisão semelhante ao declarar de interesse público o oleoduto que liga o Porto de Sines ao parque de armazenagem em Aveiras da Companhia Logística de Combustíveis (CLC), com o objectivo de aumentar a concorrência no mercado de combustíveis.
Mas a CLC avançou para a Justiça para contestar esta obrigatoriedade de abrir o oleoduto à concorrência, argumentando que “a nova lei de bases cria significativas limitações à actividade da CLC que a empresa pretende que sejam declaradas ilegais”.
No estudo divulgado em Março, a Concorrência identificou “barreiras à entrada e à expansão no mercado da distribuição do GPL engarrafado, passíveis de reduzir a intensidade concorrencial no mercado, no âmbito do Relatório sobre a Indústria do Gás de Petróleo Liquefeito Engarrafado em Portugal Continental, solicitado pelo Secretário de Estado da Energia”.
“A indústria do fornecimento de GPL em garrafa é concentrada num número reduzido de operadores (Galp, Rubis, Repsol e OZ, sendo que no propano está ainda activa a Prio), com uma estabilidade de quotas de mercado ao longo do tempo que é consistente com uma ausência de dinâmica concorrencial. Desde a liberalização do sector, em Setembro de 1990, registaram-se apenas duas entradas: a Repsol, em meados da década de 90, e a Prio, nos últimos cinco anos”, nota o organismo liderado Margarida Matos Rosa.
A Galp é a empresa com maior quota de mercado e é também o operador que detém as duas únicas refinarias que existem em Portugal e a maior parte da capacidade de armazenagem nacional.
Para a AdC, “o regime de acesso às instalações de armazenamento de GPL é um dos elementos centrais para a concorrência no sector”, uma vez que “o acesso às importações por via marítima é um factor de competitividade do custo de aprovisionamento”.
Acontece que “os três maiores operadores – Galp, Repsol e Rubis – são os detentores da totalidade do capital da armazenagem em Sines (Sigás) e Perafita (Pergás)”, alerta.
É neste contexto que “a AdC recomenda ao Governo que seja conferido o estatuto de interesse público às instalações de armazenamento de Perafita e Sines, de modo a garantir o acesso negociado a essas instalações de armazenamento”.
Margens de lucro mostram poder de mercado
O relatório da AdC revela ainda que, a partir de 2014, se registou uma descida gradual dos custos de importação de GPL, mas a queda dos preços no retalho foi mais lenta, “resultando em crescimento das margens brutas”.
“As margens de lucro na formação dos preços pelos principais operadores do mercado mostram algum exercício de poder de mercado, que deverá estar associado à elevada concentração do mercado e à rigidez da procura de gás em garrafa em relação ao preço”, destaca.
A AdC identificou ainda outras possíveis barreiras à entrada de novos operadores, nomeadamente os redutores de gás não estandardizados – que dificultam a um consumidor a mudança de operador para outro com preços mais competitivos – e a logística das garrafas vazias, já que um novo operador, com um parque de garrafas mais pequeno, dependerá dos concorrentes para receber as garrafas vazias que permitirão a continuidade do reenchimento e comercialização de novas garrafas.
De acordo com a Deco, 2,6 milhões de portugueses utilizam gás de botija e pagam “o dobro” da factura que um utilizador de gás natural.