Designer alentejana cria jóias, terços e bouquets de noiva exclusivos. O objectivo é manter vivas as tradições da cidade, que se estão a perder com o passar do tempo
Natural do Alentejo e licenciada em Marketing, é a criar peças únicas e personalizadas que Zaida Piteira se sente realizada e feliz, embora tudo tenha começado como um hobbie. “Como gosto muito de cozinhar, comecei por fazer doces em casa para os amigos e a enfeitar as mesas com flores para pôr os doces lá dentro”.
Das decorações florais aos bouquets e depois aos terços foi um pequeno passo. “Comecei pelos bouquets, depois os terços por achar que são todos iguais e sem muita graça. Achava que deviam existir terços mais bonitos, com mais brilho. E foi isso que me levou a criar terços, que podiam ser usados pelas noivas, mas que também as pessoas mais velhas gostassem e as mulheres em geral”.
Para Zaida Piteira, a transição do marketing para a joalharia foi fácil de concretizar. “Nunca pensei em fazer jóias, gosto muito de marketing e não consigo separar as duas coisas, tanto que trabalho num gabinete de marketing. As estratégias e tudo o que faço de marketing está virado para o mercado de luxo (luxury marketing), e acabo por fazer uma fusão das duas coisas. O luxury marketing ajuda-me no luxury decor, porque as estratégias acabam por ser as mesmas”, explicou.
O seu processo criativo baseia-se no estudo pormenorizado da cliente, para que o resultado final seja um sucesso. “Quando tenho uma encomenda para alguém, procuro saber ao máximo como é essa pessoa, o que faz, gosta e usa. No fundo, qual é o seu percurso. Vou o mais atrás possível para que no fim, a pessoa fique surpreendida com a minha peça”, confidenciou ao DIÁRIO DA REGIÃO.
No caso dos bouquets de casamento, logo no primeiro contacto, a noiva preenche um formulário, onde responde a várias perguntas sobre os gostos, as cores do casamento, o local do copo de água e os elementos que gostaria de colocar no bouquet. Só depois dessa entrevista prévia é que Zaida desenha os primeiros esboços, até chegar ao modelo final. “Eu utilizo muito a filigrana portuguesa e a filigrana pode-se sempre adaptar no processo de fabrico, se a cliente quiser e ela vai sempre acompanhando o processo até ao fim”.
Ao contrário dos terços, os bouquets não se vendem todo o ano, mas o que Zaida pretende é que se crie uma mudança de mentalidade. “Estamos habituados aos bouquets de flores naturais. E aqui, os bouquets podem ser pretos, brancos, cor-de-rosa, mas são para ficar. Eu adoraria ter um bouquet meu, que pudesse emprestar à minha sobrinha, por exemplo, uma vez que só tenho filhos rapazes. São peças que ficam de geração em geração e que qualquer mulher gostaria de passar a alguém que goste”.
Apesar de ter nascido em Odemira, no Baixo Alentejo, foi Setúbal que acolheu a designer há cerca de 23 anos, daí a sua forte ligação com a cidade do Sado. “Setúbal tem muitas coisas bonitas, que são mal aproveitadas e que as pessoas desconhecem também. Eu tento ir buscar o máximo possível as tradições que já se estão a perder e fazer com que as pessoas passem a conhecê-las”, afirmou.
E foi precisamente imbuída por esse desejo de avivar tradições já adormecidas, que criou o Terço de Setúbal, uma peça única, em prata de filigrana portuguesa artesanal, brecha da Arrábida, uma medalha de Nossa Senhora do Cais e a flor da Arrábida. “O terço não podia deixar de conter a pedra da Arrábida, porque é aquilo que nos liga também. Em relação à medalha, alterei-a, não é a Nossa Senhora do Cais original, que está no jardim da beira-mar, ela tem a inscrição de Setúbal, a Nossa Senhora do Cais e a minha assinatura por detrás. A flor não é única na nossa serra, mas achei que era muito bonita e que se podia adaptar perfeitamente ao terço, assim como a flor que está na cruz”, acrescentou.
Já as pedras são transparentes, “porque Setúbal tem muita luz, é uma cidade com muito sol todo o ano e achei que as pedras se podiam identificar como a luz da cidade”. O terço traz consigo um livro, que conta a história de todas as peças e a lenda de Nossa Senhora do Cais.
Reza a história que o nobre fidalgo D. Manuel Vaz de Castro tinha como esposa Ester, a mais bela mulher de Setúbal. Um pobre pescador chamado Valentim de Jesus vivia apaixonado pela jovem, de origem judaica. Apesar das advertências do pai, Tio Augusto, o pescador não deteve os seus instintos e foi ao palácio ter com a mulher. Ela aconselhou-o a fugir para terras distantes, mas o rapaz insistiu em ficar e acabou por ser assassinado pelo fidalgo, que atirou o seu corpo ao mar. No dia seguinte, ao ver o corpo do filho na água, o pai rogou pragas aos que o mataram e encheu o seu coração de ódio contra Ester. Tolhida pelos remorsos, a mulher foi para o convento, levando uma vida de sacrifício e oração. Ao saber que o velho Tio Augusto a culpava pela morte do filho, Ester pediu-lhe para ir ao convento. O homem disse que nem um milagre o faria mudar de ideias a seu respeito e foi-se embora. Porém, depois desta conversa, o milagre deu-se. No cais de Setúbal, havia uma Nossa Senhora venerada pelos pescadores. Certo dia, a imagem foi atirada ao mar e só um pescador corajoso se atreveu a ir buscá-la. Esse velho era o Tio Augusto, que ficou sem palavras ao ver a imagem. De facto, era a Nossa Senhora do Cascais, mas com o rosto de Ester. O homem beijou a imagem e acreditou em Ester. Desde essa altura, a imagem de Nossa Senhora do Cais está num nicho novo no jardim da beira-mar e mantém o rosto daquela que dedicou a sua vida ao serviço de Deus para apagar o pecado de amar um homem do mar.
Desde que foi criado, o Terço de Setúbal tem sido o mais procurado. “Têm vindo pessoas que nem sabiam onde ele estava, iam procurar à Casa da Baía, à câmara municipal. Neste momento, já existe um folheto na Casa da Baía para as pessoas ficarem informadas”, afirmou.
À semelhança do Terço de Setúbal, Zaida Piteira fez nascer um bouquet de escamas de peixe, lançado oficialmente na Setúbal Fashion Weekend.
Quando pensou fazer o bouquet, Zaida tentou encontrar os artesãos que faziam quadros com flores feitas de escamas de peixe, mas não conseguiu. “Tive de ser eu própria a fazer o trabalho. Recriei umas flores mais complexas, escama a escama, de modo a fazer rosas. É um trabalho muito demorado, porque é tudo dobrado e colado peça a peça, mas acho que ficou muito bonito e é mais uma homenagem que fiz à cidade de Setúbal”, adiantou.
Quanto a projectos futuros, a designer ainda não pensou no assunto, mas não exclui a hipótese de fazer uma peça dedicada ao Alentejo. “Não sei o que vem a seguir, ainda não pensei, mas certamente não vou parar por aqui e não deve demorar muito a surgir por aí uma peça da minha zona, de Odemira”.