Abolir o conceito de turma e dar apoio mais personalizado a cada aluno é uma das propostas que a candidata considera prioritárias. Defende investimento em recursos humanos e equipamentos na área da saúde e no melhoramento dos transportes públicos. Aeroporto no Montijo? “Não e ponto”
A jovem médica explica a diferença entre o Livre e os restantes partidos. “Não deixar ninguém para trás” é um dos lemas do partido que pretende “integrar todos sem excluir ninguém”.
Um bom resultado nas Legislativas de 6 de Outubro próximo seria eleger, pelo menos, um deputado, mas a cabeça-de-lista por Setúbal admite que o cenário “é um bocadinho difícil”.
A falta de médicos, enfermeiros e psicólogos é identificada como principal lacuna no sector da saúde, na região, tal como o serviço prestado pela rede de “transportes públicos” existentes e a articulação entre estes, aponta.
Dispensa a construção de um novo aeroporto, considerando logo à partida que não vale a pena aumentar o tráfego aéreo. “Não podemos querer aumentar o turismo a qualquer custo”, justifica, indicando, a título pessoal, que a melhor solução é Beja, o que permitiria aliviar a Área Metropolitana de Lisboa e ao mesmo tempo desenvolver a região alentejana.
O que a leva a ser cabeça-de-lista por Setúbal?
Não aceitei o desafio de ser cabeça-de-lista. No Livre escolhemos os candidatos por primárias. Aceitei o desafio de me colocar a votos dentro e fora do partido, porque tanto membros como apoiantes como pessoas que se inscrevam podem votar nos vários candidatos. Calhou ser eu, as pessoas assim o decidiram. Votei em mim, em primeiro lugar, tinha essa vontade também, que se juntou à vontade das restantes pessoas que votaram. E aceito o desafio com enorme sentido de responsabilidade, vontade de levar as coisas para a frente e ajudar a mostrar o que é o Livre.
O que é que o Livre pode trazer de diferente, relativamente aos outros partidos, tendo em conta o distrito de Setúbal?
A nossa visão é diferente da dos outros partidos, principalmente por termos uma visão integrada das coisas. A parte da ecologia é muito importante, como a parte da saúde, da educação e da economia, também. Penso que integramos bem estas visões no sentido de encontrar um equilíbrio entre a vida das pessoas, do planeta, a qualidade de vida dos animais, tanto aqueles que temos em casa como os que se usam na indústria alimentar. Não se pode separar umas coisas das outras. Não podemos tratar só do planeta e dizer às pessoas que agora têm de andar todas a pé ou de bicicleta, isso não é viável, nem é o que queremos. O que queremos é, ajudando o planeta e as pessoas, melhorar a rede de transportes públicos. Dar bem-estar às pessoas e ao mesmo tempo reduzir a pegada ecológica das deslocações diárias…
O Livre é um partido mais vocacionado do que os outros para defender os excluídos, os “oprimidos”?…
… Não o colocaria assim. É um partido que pensa em todos. Um dos nossos lemas é ‘não deixar ninguém para trás’. Não pensamos mais nos ricos ou nos pobres, nos mais ou menos desfavorecidos, nos que nasceram cá ou não… A nossa ideia é que todos têm o mesmo direito de estar vivos, presentes e de participar, nomeadamente na vida política. Portanto, não separamos as coisas assim. Queremos, sim, integrar todos sem excluir ninguém.
Nas últimas Legislativas, em 2015, o partido registou pouco mais de 39 mil votos, dos quais cerca de 4.300 foram apurados no distrito. Nas Autárquicas de 2017 o resultado foi bem mais baixo, mas nas Europeias deste ano conseguiu crescer bastante, ultrapassando os 60.500 votos, apesar de subir pouco neste círculo (4.919 votos). Até onde pode chegar o Livre nestas Legislativas?
Depende dos eleitores. A perspectiva é a de aumentar, pelo menos, a base de confiança, ou seja termos mais pessoas que nos conheçam e que gostem das nossas propostas. Gostaríamos sempre de eleger [deputados], mas sabemos que é um bocadinho difícil. Somos um partido ainda recente, gostamos de dizer que estamos ainda na infância, temos cinco anos, não temos funcionários, somos todos voluntários, e acaba por ser muito difícil passar a mensagem. Os órgãos de Comunicação Social, geralmente, não nos ligam nenhuma e agradeço, desde já, esta entrevista pela oportunidade de podermos espalhar palavra. O Livre acaba assim por passar a mensagem pessoa a pessoa, entre círculos de amigos e nas redes sociais.
O que seria então um bom resultado?
Seria eleger. Independentemente do número de deputados. A probabilidade aponta para que seja muito mais fácil eleger em Lisboa, porque disputa-se um lugar em 50. No Porto e em Setúbal não é impossível, mas obviamente é mais difícil. Pessoalmente gostaria que conseguíssemos eleger [por Lisboa] a Joacine [Moreira], que é muito forte na luta anti-racismo e é feminista, e o Carlos [Teixeira], que é biólogo. Acho que fazem uma dupla fantástica. Mas também o Jorge Pinto pelo Porto e ficaria muito feliz se pudesse contribuir com os meus conhecimentos ao nível da saúde, se fosse eleita.
Uma das propostas do Livre é o aumento do salário mínimo para 900 euros. Uma proposta global. E para o distrito, que propostas considera prioritárias para a região enquanto cabeça-de-lista por este círculo?
Este distrito tem muita coisa prioritária. Desde logo ao nível da saúde. Vejo todos os dias, em termos dos pedidos de consulta que faço aos diversos hospitais, Garcia de Orta, hospitais de Barreiro, Montijo e Setúbal, que estes estão com muita dificuldade em gerir todos os pedidos.
Quais são as maiores lacunas?
Recursos humanos. Falta de médicos, enfermeiros e psicólogos. Temos duas psicólogas, por exemplo, no ACES Arrábida, que engloba os centros de saúde de Setúbal, Sesimbra e Palmela, com cerca de 250 mil pessoas, quando a Ordem dos Psicólogos recomenda um psicólogo para cada cinco mil habitantes. Ora, duas psicólogas para 250 mil pessoas fica um “bocadinho” longe desse objectivo.
E equipamentos?
Também, mas dependendo da resposta que depois há ao nível do convencionado. Não é a solução perfeita, mas poderá ser uma solução temporária. É mais difícil encontrar respostas para consultas.
Além da área da saúde, que outras entende como prioritárias?
Os transportes públicos. Não é normal que pessoas que vivam dentro de um mesmo distrito tenham tanta dificuldade em sair de um concelho para ir para outro. Resido no Montijo e trabalho em Setúbal. Se fosse de autocarro, uma vez que não existe comboio, teria de apanhar três autocarros para chegar ao meu local de trabalho. Em 2015, aquando das últimas Legislativas, fizemos um teste: irmos de Alcochete até Almada de transportes públicos. Foi uma aventura, demorámos duas horas e tal, tivemos de apanhar vários autocarros e outros transportes que não estão articulados entre si. É muito importante articular os transportes já existentes e melhorar as respostas dentro do distrito. Por outro lado, também seria importante travar a construção do novo aeroporto no Montijo. Depois defendemos outras medidas mais de âmbito nacional.
Como por exemplo?
A aposta num novo tipo de educação. Chamo-lhe a revolução da educação. A ideia passa por abolir um pouco o conceito de turma e conseguir dar um apoio mais personalizado a cada aluno. Para isso teríamos de colocar mais professores e depois envolver mais a comunidade e os encarregados de educação. Não seria fácil, mas julgamos que vale a pena, porque a educação é uma das bases do bem-estar da nossa sociedade.
Como é que se consegue executar quer esta proposta para a educação quer a do aumento do salário mínimo para os 900 euros, conhecendo-se as finanças, as contas, do Governo?
Não conhecemos totalmente, porque não há transparência total. Mas, o que sabemos é que quando há alguma urgência acaba por haver sempre dinheiro disponibilizado de algum lado. Infelizmente, a urgência nunca é o Serviço Nacional de Saúde (SNS), não é a educação… Acaba por ser sempre a mesma história de salvar um banco, que tem obviamente o seu valor, mas temos de pensar o que é que vale mesmo a pena e em que é que temos de apostar. Nós acreditamos que temos de apostar nas pessoas e no futuro do País. Há sempre dinheiro e formas de ir buscar o dinheiro. Podemos mexer nas tabelas de IRS, tornando a coisa mais progressiva, não taxar só o rendimento, taxar, por exemplo, a riqueza que a pessoa tem. Não é justo que pessoas milionárias contribuam menos, percentualmente, para o bolo do Orçamento do Estado do que pessoas que têm apenas o salário e que ganham muito menos. Portanto, tornar o IRS mais justo.
Já disse atrás que o Livre é contra o aeroporto no Montijo. Porquê? O que é que o partido defende?
Não somos apenas contra o aeroporto no Montijo. Antes disso, questionamos se queremos mais um aeroporto. Defendemos que vale a pena pensar se vale a pena aumentar o tráfego aéreo. Se debatêssemos isso com tempo, iríamos achar que não, que não queríamos aumentar o tráfego aéreo. Porque não podemos querer aumentar o turismo a qualquer custo. Temos de pensar na saúde e na ecologia.
O facto de a capacidade do aeroporto de Lisboa estar esgotada ou praticamente esgotada é pouco relevante?
Não é pouco relevante, mas não queremos necessariamente aumentar a capacidade. Agora, a Portela também não pode ficar ali. Defendemos que o tema, seja ele um novo aeroporto ou retirada do aeroporto da Portela, deve ser alvo de um debate que integre todas as visões. Não queremos apenas um Estudo de Impacte Ambiental, não queremos só um estudo que tenha em conta a parte económico-financeira. Defendemos que seja feito um estudo integrado, que englobe acessibilidades, o desenvolvimento das regiões… Por exemplo, o aeroporto em Beja é uma das soluções que algumas das pessoas do Livre defendem, mas o partido não tem ainda posição oficial. Mas, voltando a Beja, esta poderia por exemplo ser uma oportunidade para aliviar a Área Metropolitana de Lisboa, não trazendo ainda mais pessoas e mais tráfego, seja aéreo ou rodoviário, para Lisboa. Uma oportunidade para desenvolver a região alentejana, eventualmente com um comboio rápido (que não é um TGV) entre Lisboa e Beja. Para o Montijo, não e ponto. Não faz qualquer sentido.
Disse que não pode valer tudo para aumentar o turismo.
Não pode valer tudo e também não sabemos se queremos aumentar o turismo.
Independentemente de este ser um dos sectores que funciona como “mola” para o desenvolvimento económico da região e do País?
Sim, mas não de forma descontrolada. Se falar com pessoas de Lisboa, de certeza que lhe dizem que estão fartas de turistas e que onde só haviam pessoas locais agora só há turistas, que não se ouve falar português e que é uma confusão… Os locais também não querem o aumento de turismo. Podíamos era, por exemplo, distribuir os turistas por vários sítios do País.
E em termos pessoais, aproveitando o facto de ser residente no Montijo, o que decidiria em relação ao processo do aeroporto?
Se tivesse de decidir com a informação que tenho agora, apostaria no [aproveitamento do] aeroporto de Beja e na melhoria da ferrovia, que beneficiaria o transporte de Lisboa para o sul do País.
Que opinião tem em relação a uma terceira travessia sobre o Tejo a ligar ao Barreiro?
Depende. Em vez de quê? Se a ideia for aumentar o tráfego rodoviário, faz sentido fazer mais uma ponte. Se a ideia for melhorar os transportes públicos, com mais barcos ou de outra forma, não sei se precisaremos de outra ponte. Depois também dependeria das condições dessa ponte, se poderia ou não ter comboio. Pode não ser a solução que precisamos.
E quanto ao terminal de contentores também para o Barreiro?
Quando decidimos qualquer coisa devemos saber todas as consequências dessa decisão. Daí a importância de um estudo integrado. É uma matéria sobre a qual ainda não temos informação suficiente.
Sobre as dragagens no Sado já têm uma posição definida.
Sim. Estamos do lado da população, que é contra.
Que análise faz aos partidos do arco do Governo e à oposição?
Acho que a opinião é quase geral: o País melhorou muito com a “geringonça”. Não resolveu muitos dos problemas estruturais. Mas, compreendo que seja difícil agarrar no País como estava e melhorar tudo de uma vez. Contudo houve progressos significativos. Falta, por exemplo, aumentar mais o salário mínimo, melhorar os contratos laborais, a saúde – os profissionais do sector e os utentes sentem que o SNS não está melhor.
Se não pudesse votar no Livre, em quem votaria?
Teria de pensar um bocadinho, mas, embora não concorde com tudo o que defendem, provavelmente votaria no Bloco de Esquerda, por ser ideologicamente mais próximo de nós. Tal como nós o BE tem uma ideologia mais progressista.
Hospital para a margem sul e 30 horas de trabalho semanal
O hospital do Seixal “está prometido há muito tempo”, mas continua por concretizar, lamenta a candidata, ao mesmo tempo que admite que o investimento possa até ter outra localização, desde que a sul do Tejo. “Não é obrigatório que seja no Seixal, mas a margem sul precisa urgentemente de mais respostas”, afirma, justificando de seguida: “Se dotássemos os hospitais que existem [no distrito] de mais recursos humanos, poderíamos não ter toda a resposta suficiente. O edifício do hospital do Montijo, por exemplo, poderia ser dotado de meios materiais e humanos.”
À margem do tema da saúde, reduzir o horário de trabalho semanal e aumentar os dias de férias é uma das propostas do Livre que Ana Raposo Marques explica. “A nossa proposta 30/30 implica um máximo de 30 horas de trabalho semanal e um mínimo de 30 dias úteis de férias por ano. Acreditamos que as pessoas precisam de tempo para viver, estar com os filhos, a família, os amigos, para terem voz activa na política, também. Não pode ser só trabalhar, trabalhar, pagar contas. Até porque isso não aumenta necessariamente a produtividade. Pode valer a pena trabalhar menos horas, mas trabalhar melhor.
FOTO – ARSÉNIO FRANCO