Decisão reconhece que famílias têm os seus créditos “garantidos” e “reconhecidos” pelos montantes que já pagaram, e que, como “consumidores” e por “tradição”, têm o “direito de retenção” das casas
A justiça reconheceu que 41 famílias de Azeitão têm direito a ficar nas casas onde vivem e que pagaram a uma cooperativa de habitação que faliu, segundo uma decisão do tribunal a que a Lusa teve hoje acesso.
A decisão, datada de 11 de Novembro passado, reconheceu que estas famílias, que não chegaram a fazer a escritura de compra da casa por a Cooperativa de Habitação e Construção Económica Bairro dos Trabalhadores ter falido, têm os seus créditos “garantidos” e “reconhecidos” pelos montantes que já pagaram, e que, como “consumidores” e por “tradição”, têm o “direito de retenção” das casas, ou seja, de não as restituir.
Estas 41 famílias estão desde há oito anos ameaçadas de perder as suas casas por a cooperativa a quem pagaram rendas durante 25 anos não ter cumprido os compromissos de crédito assumidos com o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU, antigo INH).
O IRHU diz terem ficado em dívida mais de 530 mil euros relativos a estas famílias, a quem agora o tribunal reconheceu não serem responsáveis pelos incumprimentos da cooperativa, uma vez que, mesmo tendo estatuto de cooperadores, nunca foram seus administradores.
“(…) A responsabilidade dos cooperadores não é ilimitada, pelo que, ainda que estes credores possam ser considerados sócios da insolvente, não respondem ilimitadamente pelas dívidas da sociedade em função dessa qualidade”, lê-se na decisão da juíza, que invoca, a este propósito, o Código Cooperativo.
“É essa a história das cooperativas e é um artifício invocar que há uma confusão entre a administração de uma cooperativa e os sócios cooperantes. O juiz entendeu que a relação seria equivalente à de um vendedor e um cliente”, sintetizou Diogo Duarte, um dos elementos destas 41 famílias, em declaração à Lusa.
Diogo Duarte congratulou-se com esta decisão judicial, sublinhando que abre novas perspectivas para estas famílias, que já viram as suas casas ameaçadas de irem a leilão público por mais de uma vez nos últimos dez anos.
No entanto, realçou que este “é um caso em que a expectativa é que tenha uma solução política”, além da via judicial, como aconteceu noutros casos semelhantes, envolvendo cooperativas.
A este propósito, lamentou a posição do IRHU, que, segundo disse Diogo Duarte, já apresentou um recurso desta decisão judicial, invocando, mais uma vez, o estatuto de credor privilegiado com o objectivo de assegurar a posse das casas para as arrendar ou vender “por 13 mil euros” às pessoas que lá vivem, um valor que corresponde à dívida da cooperativa dividida pelos moradores.
“O que é manifestamente injusto e indesejado por qualquer pessoa, especialmente depois de terem pagado integralmente as casas com tanto esforço”, disse Diogo Duarte, que reconheceu a legitimidade de o IRHU querer recuperar os valores da dívida da cooperativa.
No entanto, condenou que o instituto público queira “ver a sua dívida ressarcida (…) penalizando os moradores, ou seja, coloca nos moradores o ónus do pagamento dessa dívida pela venda por 13 mil euros ou pelo aluguer das casas”.
A Lusa contactou o IRHU sobre esta situação e o alegado recurso judicial, mas não obteve resposta em tempo útil. A Cooperativa de Habitação e Construção Económica Bairro dos Trabalhadores foi declarada insolvente em 2012.
Depois disso, o IHRU, credor de 5% das dívidas da cooperativa, prometeu tudo fazer para assegurar a permanência dos moradores nas casas que habitam, mas tem sido reiteradamente um alvo preferencial das críticas das 41 famílias, por também nunca as ter alertado para a situação de incumprimento por parte da direcção da cooperativa.
MP