Igreja do Convento de Jesus voltou a encher, o que vem acontecendo nos recitais do Ateliê de Ópera de Setúbal
A Igreja do Convento de Jesus voltou a encher este sábado para uma actuação clássica, desta vez com o concerto da soprano sadina Marisa Rodrigues. A cabeça de cartaz foi acompanhada ao piano por João Malha. O momento finalizou com a participação dos membros masculinos do grupo Flamenquitos de Santiago, alunos de etnia cigana do Agrupamento de Escolas Ordem de Sant’iago em Setúbal.
A afluência de público a este espaço da cidade sadina vem acontecendo repetidamente nos recitais do Ateliê de Ópera de Setúbal. Numa forma de arte que é tradicionalmente para minorias é um facto que merece atenção. Além da formação de públicos é de superior importância a capacidade que o Ateliê de Ópera de Setúbal tem demonstrado em preparar as vozes e a presença dos recitalistas.
Marisa Rodrigues escolheu um repertório com enorme adequação à sua voz: uma voz com timbre redondo, muito bem empostada, com volume, e de um belíssimo aveludado. A primeira peça foi ‘O Del Mio Dolce Ardor’ da ópera ‘Paride ed Elena’ de Gluck.
Desde início se compreendeu que Marisa transportava uma dramaturgia na corporalidade de enorme beleza e contenção levando o público numa atmosfera onírica que não se interrompia no final de cada ária. ‘Io Son L’umile Ancella’ da ópera ‘Adriana Lecouvreur’ de Cilea foi a segunda ária do recital e onde Marisa mostrou o equilíbrio dos registos grave, médio e agudo.
Seguiu-se a ária ‘Deh Vieni Non Tardar’ da ópera ‘Le nozze di Figaro’ de Mozart e um dos momentos mais belos na dramaturgia do recital em que se compreendeu o sentido dos gestos anteriores de Marisa ao rasgar uma espécie de véu invisível, a libertação para o amor, tema de várias peças interpretadas. ‘Chi Vuol Comprar La Bella Calandrina’ uma canção do compositor setecentista Niccolò Jommelli, texto singelo, mas que no contexto do recital adquiriu um significado de mudança, uma peça muito bem interpretada por Marisa, com humor e expressão.
O momento da manhã foi a ária ‘Mon Coeur Souvre A Ta Voix’ da ópera ‘Samson et Dalila’ de Saint-Saëns, de uma profundidade expressiva que levou grande parte do auditório às lágrimas, a mulher que se tinha conseguido libertar para expressar o seu amor e a vontade de mudança via-se agora na contingência de implorar ao amado que lhe respondesse à sua ternura. A voz, a expressão e a figura bela e romântica do figurino e penteado de Marisa, tudo junto, tornou este o momento mais emocionante do recital.
No fim da ária, quando Dalila evoca Sansão, Marisa, dirigiu-se a um dos membros dos Flamenquitos, que se levantou; nesse momento todos os meninos se levantaram personificando as mil faces de Sansão. O momento foi seguido por uma canção dos Flamenquitos composto pelos meninos do grupo a que se seguiu a Seguidilla da ópera Carmen e o segundo tema dos Flamenquitos. O concerto terminou com ‘Hallelujah’ de Leonard Cohen cantado pela Marisa e pelos Flamenquitos num final emocionante pela simbologia das mãos dadas entre todos.