A presidente da Câmara de Setúbal Maria das Dores Meira assinalou a reabertura do Museu de Setúbal/Convento de Jesus como a “concretização de um extraordinário feito”, só possível graças aos setubalenses e azeitonenses
O Museu de Setúbal/Convento de Jesus, no Largo de Jesus, em Setúbal, reabriu ao público no dia 10 de outubro naquilo que a presidente da Câmara Municipal de Setúbal afirmou ser “a concretização de um extraordinário feito” e a celebração da “coragem e arrojo de todos os que meteram as mãos na realidade”. “Hoje edificamos um pouco mais da longa história deste momento nacional, mas que é, mais do que tudo, fonte do orgulho de ser setubalense e ser sadino”, disse.
Discursando perante 500 pessoas sentadas com a devida distância ao longo do novo jardim do Largo de Jesus, Maria das Dores Meira frisou que “depois de mais de duas décadas de encerramento forçado, de dezenas de anos de desleixo, degradação e tentativas de valorização falhadas”, o Convento de Jesus foi finalmente devolvido “a Setúbal e ao mundo”, permitindo recuperar um “património arquitectónico e histórico incomparável e insubstituível”.
O Convento de Jesus, fundado no final do século XV e de estilo manuelino, é monumento nacional desde 1910 e o mais importante monumento setubalense, o que, nas palavras da edil, o tornam “um elemento central da cultura e identidade” da cidade a par do rio Sado, da Serra da Arrábida, de Bocage e Luísa Todi. O facto de ter sido ali que Portugal e Espanha ratificaram a assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494, torna-o ainda mais importante.
“Foi aqui que foi ratificado o tratado que dividiu entre o reino de Portugal e a Coroa de Castela as terras descobertas e por descobrir fora da Europa”, contextualizou a presidente. Já o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa havia reforçado essa “união estratégica indelével” entre os dois países. Na mensagem que deixou por não ter estado presente, agradeceu por fim “o compromisso do município para com todos os portugueses ao investir num património que é de todos e ao permitir a fruição cultural e pedagógica” do espaço e “a preservação da memória colectiva e histórica de Portugal”.
Ainda que também não tenha podido estar presente, o rei Filipe VI de Espanha endereçou congratulações a todos. Já Sneska Mihailovic, secretária-geral da Europa Nostra, foi mais longe na sua mensagem e disse que o monumento passou a ser “uma das maravilhas da Europa a visitar e a descobrir”.
Obras de mais de 8 milhões de euros
Anteriormente na lista dos sete monumentos em maior risco de ameaça na Europa, o Convento de Jesus entrou, na verdade, em avançado estado de degradação depois de ter funcionado como hospital até 1959. A partir de 1961 passou a albergar o Museu de Setúbal e o respectivo acervo, até que no pós-25 de Abril foi palco de inúmeros espectáculos de música e teatro, festivais e até como casa de instituições culturais, enquanto se degradava ainda mais. Por razões de segurança, o museu encerrou ao público em 1991.
Em 2002, a requalificação do monumento “foi assumida como objectivo central da gestão do município”, ainda que não fosse da competência da autarquia fazê-lo, uma vez que se trata de um monumento nacional, frisou Maria das Dores Meira. Já em 2012, foi cedido à autarquia o projecto de execução da empreitada de recuperação do Convento de Jesus, e em 2015 terminada a primeira fase das obras.
Os resultados da segunda fase estão agora à vista, tendo o Museu de Setúbal/Convento de Jesus “mais espaços de visita ao público com grande interesse patrimonial”, como a Sala do Capítulo, os claustros e a Sala do Coro Alto. Os trabalhos envolveram também intervenções na fachada exterior do convento, no deambulatório, na luminotecnia dos elementos arquitectónicos e decorativos da Igreja de Jesus, nas salas expositivas, na requalificação da envolvente urbanística e a construção de um estacionamento com 200 lugares nas traseiras.
Na terceira fase serão ultimados os trabalhos nas salas expositivas das alas norte e nascente e os projectos de conservação e restauro, museografia e iluminação. “O empreiteiro já está escolhido e a obra já foi adjudicada, [pelo que] penso que [em] mais um mês a dois meses vamos dar início a mais dois milhões e meio de obra. Na quarta fase será feito o depósito do convento para albergar a colecção de escultura e pintura, nunca vista, do nosso museu”, acrescentou a presidente a O SETUBALENSE. O projecto vai custar à autarquia 8 milhões e 750 mil euros, metade deles financiados pelo PORLisboa 2020.
O que se vê no museu
Quem visitar a partir de agora o Museu de Setúbal/Convento de Jesus encontrará novos espaços museológicos, em que se expõem factos e objectos da história da cidade. No Coro Alto, por exemplo, descobre-se a ocupação humana do convento ao longo dos séculos em que viveram, ali, as freiras. Já noutra sala estão expostos artefactos arqueológicos, obras de ilustres pintores setubalenses e interessantes objectos como um móvel com funções de cómoda, oratório, toucador e escrivaninha que pertenceu à cantora lírica Luísa Todi.
Numa visita guiada pelo museu na presença da maioria das entidades oficiais convidadas, o historiador de arte e museólogo Fernando António Baptista Pereira – que durante mais de 30 anos foi director do Museu de Setúbal – referiu que o acervo municipal tem “uma das melhores colecções de arte em Portugal”, constituída por peças que retratam a relação de Setúbal com Espanha e com o mundo. As peças que, por agora, estão guardadas no Banco de Portugal serão expostas no museu após a última fase da obra, como é o caso de 18 mil moedas romanas.
Já a sala Marion Buehler Brockhaus e Hans-Peter Buehler vai receber, por sua vez, uma peça doada pelo casal de alemães radicado em Setúbal e que doou 120 mil euros para a recuperação do Convento de Jesus ao abrigo de um protocolo de mecenato com a autarquia através da Fundação Buehler- Brockaus. No edifício renovado passam também a funcionar a cafetaria/restaurante Barrigas de Freira, com abertura prevista para breve, e casas-de-banho públicas.
Paredes com seis séculos de história
O Convento de Jesus, monumento nacional de estilo manuelino, foi fundado em 1490 graças a um voto de Justa Rodrigues Pereira, ama do rei D. Manuel I, para recolher um grupo de freiras franciscanas da Ordem de Santa Clara. O projecto foi encomendado ao arquitecto do reino Diogo Boitaca em 1484, serviu inclusive de experiência e inspiração para o desenho do Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, mas só foi terminado no reinado de D. João II, que ordenou a sua ampliação. Em 1494, o rei escolheu-o como palco da ratificação da assinatura do Tratado de Tordesilhas, que dividiu as terras descobertas e por descobrir entre o reino de Portugal e a Coroa de Castela, facto que para sempre ficará associado a Setúbal. “A assinatura do tratado é um dos actos importantes pelos quais se reconhece Setúbal em Espanha”, diz o alcaide de Tordesilhas Miguel Rodriguez a O SETUBALENSE.
Com o avançar dos séculos, o Convento de Jesus resistiu a três sismos, o que permitiu trazer à luz de hoje muitos dos seus elementos originais manuelinos, como a fachada, o portal, as colunas torsas em brecha da pedra da Arrábida da Igreja de Jesus e os grandes janelões. A igreja tem três naves e um coro-alto e abóbadas de cruzaria em ogivas, típicas do estilo manuelino, e está revestida a azulejos do século XVII. Já o Largo de Jesus, hoje transformado em jardim no âmbito do projecto do arquitecto Carrilho da Graça, chegou a ser usado como estacionamento em terra batida até 1990, tendo sido depois apropriado por muitos jovens como parque de skate. Agora “poderá finalmente ser entendido como espaço de fruição público que valoriza o convento e o centro da cidade”, diz a presidente.
Dois dias de festa
A reabertura do Convento de Jesus teve direito a uma programação festiva aberta ao público que incluiu, no sábado à noite, um espectáculo de videomapping na fachada do edifício e um concerto de Rodrigo Leão com a participação do Coro Feminino TuttiEncantus, a que assistiram 1100 pessoas no estrito cumprimento das leis da DGS, segundo a autarquia. Ontem, teve lugar na igreja uma missa pelo bispo de Setúbal D. José Ornelas Carvalho com a participação do Coral Luísa Todi e, à tarde, o espectáculo “Uma Alegria sem Fim que chega a ser Dor (coros de Dor e Amor)” do Coro Setúbal Voz. Houve também visitas guiadas e comentadas com as participações do GATEM – Espelho Mágico, Teatro Estúdio Fontenova, Teatro Animação de Setúbal e TOMA – Teatro Oficina Multi Artes. A programação encerrou com a peça “Quadro Vivos de Caravaggio”, encenada por Ricardo Barceló, com actores a representarem pinturas ao vivo.