Construtora ABB, director técnico da obra e responsável da segurança vão responder pela queda da parede que matou cinco trabalhadores em 2012. Câmara Municipal, dona da obra, foi ilibada
O Ministério Público (MP) deduziu acusação a dois técnicos e à empresa de construção Alexandre Barbosa Borges (ABB) pelo acidente no Mercado do Livramento, em Setúbal, que provocou a morte a cinco trabalhadores.
A empresa era o empreiteiro da obra de requalificação do mercado, adjudicada pela Câmara Municipal de Setúbal, e os técnicos são o director técnico da obra, Carlos Gonçalves da Rocha e o director de segurança, Pedro Gonçalves.
O encarregado da obra, Carlos Vale, faleceu entretanto, um ano depois do acidente.
O MP acusa os arguidos de terem violado as regras de construção a fazerem a escavação junto à parede sem os devidos cuidados, tendo escavado 80 centímetros abaixo da fundação da parede ao longo de 25 metros.
“A morte dos cinco trabalhadores era perfeitamente evitável se fossem cumpridas as exigências legais para a realização dos trabalhos”, refere o despacho de acusação, citado pelo jornal “O Setubalense”.
A acusação sustenta que a escavação do talude devia ter sido entivada, para suportar a parede, que o trabalho foi feito com ligeireza, sem conhecimento da quota da fundação da parede, apesar das recomendações de cuidado por parte do arquitecto autor do projecto. Além disso não terá havido cuidado com a drenagem da água no local da escavação.
Câmara de Setúbal ilibada
A Câmara Municipal de Setúbal, que era a dona da obra, não foi culpada nem responsabilizada pelo Ministério Público.
A autarquia recebeu na semana passada o despacho do MP, informando que o caso foi arquivado no que diz respeito ao município, confirmou o vereador Carlos Rabaçal ao DIÁRIO DA REGIÃO.
Segundo o autarca, o despacho “diz que não há qualquer matéria em que a autarquia possa ser acusada”. Carlos Rabaçal acrescenta que o processo integrou uma denúncia anónima, de um técnico, entretanto identificado pela Policias Judiciária (PJ) que apontava responsabilidades à autarquia, mas que a investigação concluiu “ser improcedente, não haver matéria” de responsabilidade municipal.
Ainda de acordo com o vereador, a responsabilidade neste género de casos, de acidentes em empreitadas, está “bem definida” e não passa muito pelo dono da obra, que tem de garantir somente as condições financeiras e administrativas.
“As responsabilidades de uma obra de empreitadas estão bem definidas na lei, são do director técnico, da segurança e da fiscalização da obra e, neste caso [do Mercado do Livramento] todas estas áreas eram contratadas [pela câmara] a terceiros”, diz Carlos Rabaçal acrescentando que por parte do município foram ouvidos apenas alguns técnicos. “Nem eu, que era na altura vereador das Obras Municipais, fui ouvido”, afirma.
Na altura do acidente, a Câmara Municipal chamou o LNEC para fazer peritagem. Carlos Rabaçal diz que o resultado dessa peritagem “seguiu de imediato para a PJ, ficou em segredo de justiça e nunca tivemos acesso ao relatório e não conhecemos sequer as causas do acidente”.
Parede de 100 metros soterrou trabalhadores
Passavam oito minutos das 17h00 da primeira terça-feira (dia 7) do mês de Fevereiro de 2012, quando a tragédia ocorreu em Setúbal, num dos mais emblemáticos equipamentos da cidade, localizado na Avenida Luísa Todi. Uma das paredes, a traseira, com cerca de cem metros de comprimento e oito de altura, do Mercado do Livramento desabava, no decurso das obras de requalificação e ampliação do espaço.
A derrocada da parede (centenária) acabaria por provocar a morte de cinco pessoas e ferimentos ligeiros numa outra. Cinco dos seis funcionários da empresa ABB – Alexandre Barbosa Borges, que tinha a seu cargo as obras de requalificação e ampliação do Mercado do Livramento, ficaram debaixo dos escombros, morrendo soterrados. Apenas com algumas escoriações, acabaria por escapar um desses funcionários da empresa, que, na altura, se encontrava a operar dentro de uma retroescavadora.
Junto à parede que viria a ruir – afamada por contemplar um histórico painel de azulejos – decorriam trabalhos de escavação, para ampliação do equipamento, numa empreitada orçada, no total, em mais de 3,8 milhões de euros. As vítimas mortais participavam nos trabalhos da nova “zona técnica do mercado, que tinha a ver com cargas e descargas, rede de frio e tratamento de lixos”, viria a confirmar Maria das Dores Meira, presidente da Câmara Municipal de Setúbal, que, logo na altura, anunciou que iria propor um dia de luto do município.
Pedro Passos Coelho, então primeiro-ministro, dizia-se “consternado” e endereçava condolências às famílias enlutadas, em nota difundida pelo seu gabinete. A tragédia havia sido sentida à escala nacional.
No dia seguinte à tragédia, a Câmara Municipal de Setúbal solicitava uma peritagem ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC). O Mercado do Livramento, entretanto encerrado na sequência da tragédia, reabriria portas quatro dias depois, a 11 de Fevereiro. A 24 de Abril de 2013 teve lugar a cerimónia de apresentação da conclusão da requalificação e ampliação do equipamento.
Edificado em 1876, o Mercado do Livramento foi e é tido como um dos ‘ex-libris’ da cidade de Setúbal. O equipamento só havia sido intervencionado por uma única vez, em 1930, sujeito então a obras de requalificação.