A “situação de alerta” decretada pela autarquia vigora até 1 de Maio de 2025, podendo ser renovada. Famílias começaram hoje a sair dos edifícios, algumas recusam
Paulo Santos sempre viveu no Ginjal, garante que esta é morada da família há três gerações e, perante a ordem de saída decretada pela protecção civil por razões de segurança, foi uma das vozes a afirmar “daqui não saio”.
“Há 31 anos que vivo aqui. Já aqui vivia o meu pai e os meus avós. Esta é a minha casa. Não saio para ir para um pavilhão, só saio se for para uma casa que possa pagar”, disse à agência Lusa.
Paulo – filho do “espanta-lobos” do Ginjal, como era conhecido o seu pai Álvaro – e Sara vivem no Cais do Ginjal com dois filhos, e são algumas das pessoas que hoje deveriam sair da zona que ficará vedada à circulação por decisão da Proteção Civil face ao risco de abatimento do pavimento e de derrocadas na arriba.
Na quinta-feira, dia 3 de Abril, a Câmara Municipal de Almada (CMA), decidiu interditar a circulação de pessoas no Cais do Ginjal, em Cacilhas, desde as proximidades do terminal fluvial de Cacilhas até aos estabelecimentos de restauração existentes no Olho de Boi, devido ao estado de degradação extremo da zona, instalando estruturas metálicas com portões nas duas extremidades.
A “situação de alerta” decretada pela autarquia vigora até ao dia 01 de Maio de 2025, podendo ser renovada e, segundo a presidente da Câmara de Almada, Inês de Medeiros, as cerca de 50 pessoas que vivem nos edificados degradados terão mesmo de sair por razões de segurança.
Além disso, a autarquia decidiu cativar uma Zona de Concentração e Apoio à População (ZCAP), localizada na Escola Secundária Anselmo de Andrade, para acolher, durante cerca de duas semanas, as pessoas até serem encontradas alternativas que serão estudadas pelos serviços sociais.
Inês de Medeiros disse hoje em conferência de imprensa que o estado de degradação extrema desta zona do domínio público hídrico, e tendo em conta as avaliações técnicas do Serviço Municipal de Protecção Civil da Almada, não deixou outra opção que não a interdição de circulação no espaço de forma a garantir a segurança de pessoas e bens naquela zona.
“Estamos a tentar encontrar uma solução que permita reabrir aquele acesso o mais rapidamente possível, desde que estejam garantidas as condições de segurança”, frisou.
A operação de retirada das pessoas estava prevista para hoje, algumas já terão aceitado deslocar-se para essa zona, mas outras dizem recear que ao sair fiquem na terra de ninguém.
Paulo Santos é uma dessas pessoas. “Só saio para uma casa. Eu trabalho, desconto, tenho contrato de trabalho, estou efectivo numa empresa. Posso pagar renda, nunca disse que não pagava, mas com os nossos ordenados precisamos de uma casa com renda justa”, disse, adiantando que as suas memórias de sempre “vivem” naquele local e que ir para um ginásio de uma escola com os dois filhos “não é opção”.
Também Isabel Ramos, do Movimento Vida Justa, manifestou preocupação com as soluções que possam ser dadas às pessoas que são alvo de despejo.
“Temos aqui residentes que no espaço de uma semana ficam sem casa. Independentemente do estado dos armazéns era aqui que tinham a sua casa. A Vida Justa está com as pessoas e preocupa-nos não haver respostas. O que será feito com estas pessoas? Ficam duas semanas abrigadas na escola e depois?”, questionou.
Isabel Ramos disse, ainda em declarações à agência Lusa, que o movimento “tem plena consciência do estado degradado do passeio e dos armazéns”, mas considera ainda mais problemático “o processo tão acelerado com que as pessoas estão a ser despejadas”.
Mais à frente, numa outra casa, funciona o colectivo Gira Ginjal, um local de Encontro e Partilha Cultural e Social que nasceu naquela zona e que também terá de sair.
Teresa, do colectivo Gira Ginjal, chamou a atenção para a particularidade deste espaço e para a importância de ser preservado, porque, salienta, é nesta zona que tem a sua essência.
A necessidade de intervenção na zona do Ginjal, visível há já algum tempo, está actualmente envolta numa contenda entre a autarquia e a Administração do Porto de Lisboa.
A presidente da Câmara Municipal de Almada disse hoje que tem já agendada uma reunião com a Administração do Porto de Lisboa (APL) para o dia 14 de Abril, entidade que tem a jurisdição daquele território e que, numa resposta enviada à agência Lusa, disse não ser da sua competência intervir no Cais do Ginjal, considerando que essa é uma responsabilidade da autarquia e dos proprietários privados.
A resposta da APL causou estranheza e estupefacção à autarca de Almada que, em reunião de câmara, realizada na segunda-feira, acusou a administração central (Estado) de “ter o mau hábito de querer as melhores zonas do concelho e de impedir o desenvolvimento e a reabilitação”.
“Conto com todos os senhores vereadores e as forças políticas que representam para, solidariamente, dizer ao Estado que já chega de quererem o poder, mas quando são chamados à responsabilidade lavam as mãos como Pilates e dizem que quem paga é o município”, disse a presidente da Câmara Municipal de Almada.
Construído em 1860, o Cais do Ginjal, enclausurado entre a falésia e o rio Tejo, foi em tempos ponto estratégico de forte actividade industrial e comercial, onde além de ser permitido pescar, atracavam bastantes embarcações, fossem elas de pesca ou de transporte de mercadorias.
Segundo uma nota histórica divulgada na página da União de Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas, os edifícios hoje em ruínas eram armazéns, principalmente de vinhos, e oficinas ou fábricas, nomeadamente de tanoaria, têxteis, cortiça, construção naval, destilaria e conservas.
A construção da Ponte sobre o Tejo entre Lisboa e Almada desviou grande parte do tráfego de mercadorias, de fluvial para rodoviário, conduzindo à decadência e ao abandono da maioria dos armazéns e das indústrias ali instaladas.
Reportagem de Gabriela Chagas, da agência Lusa