Investigação sobre assassinato de Fernando Pedro Gil e morte de José Manuel Alves dos Reis está disponível em brochuras apresentadas este sábado
Dois dos episódios da faceta violenta do Estado Novo relativamente a Setúbal estão agora mais claros com a publicação da investigação do historiador setubalense Diogo Ferreira em duas brochuras que foram apresentadas este sábado no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Setúbal.
‘O 17 de fevereiro: O assassinato do operário setubalense Fernando Pedro Gil’ e ‘José Manuel Alves dos Reis (1894-1943): O setubalense que perdeu a vida no Campo de Concentração do Tarrafal’ são os títulos dos dois opúsculos em que o autor apresenta a investigação sobre a história destes dois casos.
Em ambos, 17 de Fevereiro de 2024 é data redonda de efeméride. Faz 90 anos que Fernando Pedro Gil foi assassinado, na Avenida Luísa Todi, e 130 anos que nasceu José Manuel Alves dos Reis.
Fernando Pedro Gil era um jovem operário conserveiro, então com 19 anos de idade, que foi atingido a tiro pela PSP quando integrava um grupo de trabalhadores, sobretudo mulheres, que se manifestavam, pela falta de pagamento do subsídio de defeso, junto à sede do Consórcio de Conservas, junto ao local onde funciona hoje a Taberna Londrina. A polícia, na altura comandada por Moreira de Carvalho, acorreu ao local, efectuou disparos, alegadamente para o ar, e o jovem acabou morto. A fotografia existente, de autoria de Américo Ribeiro, mostra um ferimento fatal na cabeça e o corpo espojado no local.
Esta foto já tinha sido referida, anteriormente, pelos historiadores Albérico Afonso Costa e Carlos Mouro como sendo da morte de outra pessoa – António Mendes, que foi assassinado no Largo do Carmo em 1912 – mas os novos elementos recolhidos por Diogo Ferreira mostram que se trata de Fernando Pedro Gil.
A “nova” conclusão é consensual mesmo entre os historiadores. Albérico Afonso Costa, que esteve presente na apresentação das duas brochuras, confirma. “O Diogo traz novos elementos, o que nos permite ter maior certeza e há clareza sobre o local”, disse. Os novos elementos são os registos pessoais do fotógrafo Américo Ribeiro, o registo do óbito de Fernando Gil e a própria fotografia que deixa claro que o ferimento não é o que matou António Mendes.
A investigação de Diogo Ferreira expõe também a forma como o regime, através da actuação das autoridades locais – PSP, Governador Civil Mário Caes Esteves e Capitão do Porto de Setúbal, José Vicente Lopes – diligenciaram para abafar o assassinato e para impedir que o funeral tivesse a participação da classe operária e percorresse a cidade. O corpo foi sepultado de madrugada.
A investigação relativa a José Manuel Alves dos Reis confirma que se trata de um setubalense, que nasceu e viveu na zona do Miradouro, que casou em 1919 no Montijo onde se estabeleceu. Tinha uma taberna na rua que é hoje a Estrada Nova. Próximo da esquerda anarquista, foi preso pelo regime sob a acusação de distribuir imprensa clandestina e de transportar uma mala com explosivos.
Preso no Campo de Concentração do Tarrafal, veio a falecer em 1943.
E se José Manuel Alves dos Reis já consta na toponímia de Setúbal, numa praceta com o seu nome, a Fernando Pedro Gil falta a considerada, pelo historiador e não só, a devida homenagem.
A vice-presidente da Câmara de Setúbal revelou que a Comissão de Toponímia acha “interessante” a ideia de perpetuar o nome do jovem operário conserveiro e Diogo Ferreira acrescentou que “está prevista uma homenagem com a colocação ainda este ano, no local onde [Fernando Pedro Gil] foi assassinado”.
Estas duas publicações são edições da Câmara Municipal de Setúbal, nomeadamente do pelouro da Cultura, tutelado pelo vereador Pedro Pina, e coordenadas pelo Gabinete de Promoção e Divulgação do Património Histórico e Cultural, dirigido por José Luís Catalão. As edições inserem-se no programa de comemorações dos 50 anos do 25 de Abril que o município está a promover.