Cristina Gaboleiro pôs a ideia em prática no mês de Maio, com o objectivo de dedicar o seu tempo a quem dele precisa e ao mesmo tempo assegurar o sustento da sua família
Licenciada em animação sociocultural, Cristina Gaboleiro tem, desde a juventude, experiência com a terceira idade. Estudou na Escola Profissional de Setúbal e no Instituto Piaget, em Almada.
Estagiou e trabalhou na Associação de Socorros Mútuos Setubalense e na Associação Unitária dos Reformados, Pensionistas e Idosos de Azeitão, com uma breve passagem pela Escola EB1/JI de Brejoeira.
“Nunca deixei de trabalhar. Mantive-me sempre no activo, mesmo a receber pouco, mas, ao fim de oito anos, em trabalhos pequenos, numa área onde nunca consegui ganhar muito, por ser uma área muito precária, resolvi mudar o âmbito do meu trabalho e dediquei-me então a cuidar de idosos nas suas residências particulares”, começa por contar a O SETUBALENSE.
Esta nova actividade de cuidadora durou três anos. “Tenho muita vida, sou muito nova e comecei a sentir necessidade de engravidar. Nessa altura saí para cumprir esse meu desejo e dedicar-me à maternidade”, acrescenta.
Cristina Gaboleiro foi mãe e quando o seu filho tinha 22 meses começou a sentir necessidade de voltar a trabalhar. Encontrou então um part-time e recorda que “quando estava tudo mais ou menos orientado, com o meu filho na escola e eu a trabalhar, o meu marido adoeceu com uma leucemia. Às vezes a vida põe-nos à prova”.
Com o marido internado, Cristina Gaboleiro abandonou o seu trabalho para se dedicar à família. “Tentei manter a rotina, zelar pelos três. Andámos nessa luta dois anos e felizmente hoje o meu marido está bem”, diz.
“Num casal, um trabalha para as despesas e outro para a comida. Nessa altura, expus a minha situação à Segurança Social e deram-me ajuda para comer, através da AURPIA”, conta.
“Quando tudo estabilizou, o meu filho voltou para a escola e o meu marido para o trabalho. Eu estava num part-time numa empresa de animação de lares, que abrangia desde Lisboa a Setúbal, e dá-se o Covid. Não tive direito a receber nenhum apoio e foi aí que comecei a pensar no que podia fazer por mim”, continua.
O marido, informático, deu-lhe sempre todo o apoio, criou-lhe um site, onde dá a conhecer as suas competências e o trabalho desenvolvido até hoje, na área da animação e não só.
“Não passo recibos, não trabalho para nenhuma entidade, não sou empresa”
Com a pandemia, Cristina contactou várias empresas no sentido de poderem entregar bens alimentares a pessoas conhecidas que queria ajudar por estarem sozinhas nesta fase. “Comecei então a pensar: por que não faço eu isto?”, partilha, para logo a seguir se questionar, “Mas como vou receber? O que vou pedir?”.
Encontrou a resposta num cartão recarregável da cadeia de hipermercados Continente. “Não passo recibos, não trabalho para nenhuma entidade, também não sou empresa. Fui a entrevistas, no período de desconfinamento, mas de nada me valia aceitar mais precariedade. Além do que sei fazer, na animação, acompanho pessoas ao médico, faço recados, compras e companhia a crianças e idosos, passeio cães e dou boleias solidárias a pessoas que não têm transporte. Tenho o carro à disposição e, nestes casos, o dinheiro para o gasóleo é também colocado no cartão”, explica.
“Também me disponibilizei para limpar o meu prédio e não tem importância de quanto me dão. Interessa que dedico o meu tempo a prestar este serviço, dou o meu tempo e recebo em troca o que me faz falta”, acrescenta.
Para Cristina, por agora, “não compensa ter actividade aberta, trabalhando por agenda”. “Num dia tenho muito e noutro não tenho nada. Este projecto surge para dar a volta a esta situação que estamos todos a viver, para dar o meu contributo enquanto mãe e esposa, ao mesmo tempo que ajudo alguém e dedico o meu tempo a causas maiores, também numa lógica de regresso à moda antiga, em que se trocava carne por azeite, por exemplo”.
“Dou de mim para me darem. O dinheiro faz-nos falta, mas sem saúde nada temos”. Cristina Gaboleiro tem vindo a receber muitos contactos, alguns deles de curiosidade para perceber como funciona o projecto, e pretende ir ao encontro do maior número de pessoas, explicar o que faz e de que forma o faz “para que mutuamente a pessoa possa beneficiar de alguma companhia ou ajuda para alguma actividade e eu receber pelo serviço que presto bens essenciais de que preciso mesmo, como leite ou massa, ou carregamentos no cartão para que possa depois fazer as compras”.
Quem usufruir do serviço pode fazer directamente o carregamento ou entregar o valor a Cristina, que entrega posteriormente um comprovativo do mesmo. Tem formação de motorista em transporte colectivo de crianças e todas as deslocações deste âmbito, ou de transporte de idosos, são acompanhadas de uma folha de autorização assinada por um familiar ou responsável.
Por querer acompanhar o filho quando este chega da escola, Cristina está disponível de segunda a sexta-feira entre as 10h00 e as 16h30 e aos sábados das 10h00 às 12h00, para serviços em Azeitão, Quinta do Conde e arredores.
No que diz respeito ao feedback recebido, Cristina regista “muita curiosidade” e conta que “conhecendo o projecto consideram que é fantástico”. “Muitas vezes pensam logo que estou a passar mal. Não estou. Esta foi uma forma que encontrei para me defender. O que recebo fica ao critério de cada um, decide-se na conversa com cada um, combinamos conforme for possível e mais benéfico para ambas as partes”.
Com o projecto “Animar é dar e receber”, Cristina Gaboleiro sente-se feliz, dando e recebendo a cada serviço que presta. “Dou de mim para me darem. Animar é dar e receber, é este o objectivo do meu trabalho. O dinheiro faz-nos falta, mas sem saúde nada temos”, remata.