Há muito que os pombos proliferam na baixa da cidade. É impossível caminhar da Praça do Bocage ao Largo de Santa Maria sem ver a miséria destes animais, a morte e a sujidade que deixam pelas ruas
Milhares de pombos proliferam no espaço urbano da cidade de Setúbal. Doentes, alimentados de restos dos cafés e restaurantes e até com milho e pão, por algumas pessoas, estes animais são já uma praga em Setúbal, sem cuidados ou controlo sanitário.
A mortandade é elevada. Todos os dias vêm-se animais esmagados por automóveis no estacionamento envolvente à Praça do Quebedo, ao longo da Avenida 5 de Outubro e na Avenida Luísa Todi. Aqueles que não morrem nestes “acidentes de trânsito” perecem, moribundos, pelas ruas envolventes à Igreja de Santa Maria. A Sé de Setúbal, e noutras partes da baixa antiga.
Edifícios devolutos são usados como destino final para os restos destes animais, acumulados sobre lixo. Frente ao Jardim do Quebedo, o grande edifício amarelo abandonado, tantas vezes utilizado por sem-abrigo para pernoitar, guarda carcaças, que se vêm da rua, e serve de pombal.
Entre milhares de dejectos e restos a higiene urbana começa a apresentar falhas gritantes nesta zona da cidade. Os comerciantes locais queixam-se de “falta de fiscalização por parte da Câmara Municipal que não consegue apanhar quem alimenta os pombos indevidamente”.
Mas o maior receio é, “sem dúvida os perigos para a saúde pública e o facto de serem prejudiciais aos negócios, porque os clientes estão na esplanada e os pombos vêm atacar os seus pratos. Espalhar pó e bactérias”.
Contactada pelo jornal O SETUBALENSE, até ao fecho desta edição a Câmara Municipal de Setúbal, não respondeu sobre potenciais riscos para a saúde pública, bem como medidas de controlo em vigor.
Do mesmo modo o Centro Hospitalar de Setúbal não avançou riscos para a saúde pública e remeteu resposta para o ACES Arrábida. Este, por sua vez, indica a autarquia como a entidade mais apta a responder.
Columbófilos temem riscos elevados para saúde pública
Vítor Costa, presidente da direcção da Associação Columbófila do Distrito de Setúbal, refere os riscos para a saúde pública como principal preocupação. “Estes animais são portadores de várias doenças. Estamos a falar da contaminação por salmonelas, e.coli, e criptococcus”, refere o columbófilo e professor. Entre as doenças resultantes da contaminação por estas bactérias constam infecções respiratórias e intestinais.
O risco de infecções cerebrais é igualmente elevado devido à toxoplasmose, transmitida pelas fezes que, “ao secarem transformam-se em pó. Por sua vez este pó, quando levantado pelo vento, entra no nosso sistema respiratório por inalação e depois na circulação sanguínea”.
Nestes casos surgem a meningite e toxoplasmose. Esta última causa aumento dos gânglios linfáticos do pescoço e das axilas, sensação de mal-estar, dores musculares e febre, tendo associada a forte possibilidade de lesões cerebrais.
“Pulgas e piolhos são também pragas comuns associadas”.
Para que as pessoas tenham consciência do que a proximidade aos pombos urbanos pode causar e dos riscos de saúde que correm, Vítor Costa dá um único exemplo. “Se passar pela Praça do Bocage não entro com os sapatos calçados nem na minha casa, nem no meu pombal. Primeiro porque corro risco de levar as bactérias transmitidas pelas fezes para dentro de casa e gerar potenciais riscos de infecções. No pombal corro o risco de infectar os meus pombos-correios e dar origem a grande mortandade”.
Dos 400 aos 60 mil pombos num ano
Na região, Vítor Costa diz não conhecer outra cidade, para além de Setúbal, “com uma quantidade de pombos urbanos tão elevada”.
Entre as principais causas para a proliferação de pombos em Setúbal e em outros centros urbanos, o professor aponta “o facto de as pessoas alimentarem estes animais e o facto de estes não estarem esterilizados”.
Um pombo fêmea, em ambiente urbano, pode colocar ovos a cada 18 dias. De cada deposição dois eclodem. “Estamos a falar de cerca de quatro crias por mês, talvez 48 por ano se sobreviverem”. Se tivermos em conta uma população em que 100 pombos sejam fêmeas, por ano é possível ter 4.800 pombos novos.
“E, estes novos animais que vão nascendo, por sua vez, ao fim de cinco meses já são adultos e começam a reproduzir-se também. É completamente incontrolável”, refere Vítor Costa.
Tendo em conta que, depois de cinco meses, as novas gerações já podem reproduzir-se, é possível chegar a uma nova população superior a 100 mil pombos. E apenas no espaço de um ano. “Claro que devido ao facto destes animais não terem vacinação, nem alimentação correcta e estarem sujeitos a riscos em ambiente urbano, a mortandade é elevada”, assume Vítor Costa.
Esterilizar. Fiscalizar. Informar
Como medidas possíveis para conter esta proliferação Vítor Costa aponta “a esterilização, a vistoria a casas abandonadas e abertas ao exterior por falta de portas e janelas. Fazer campanhas de sensibilização também é sempre bem-vindo, para que não haja alimentação indevida destes animais”.
Entre todas as medidas possíveis, o columbófilo rejeita apenas uma. “A utilização de aves de rapina para caçar os pombos-urbanos. Para além do acto violento, corre-se o risco de trocar um problema por outro maior”. Por outro lado, “as aves de rapina não sabem distinguir os pombos-correios dos urbanos”.
Seja qual for, a resolução do problema precisará sempre de “mais informação e formação para melhores acções”. Sobretudo, “esclarecimentos para que pombos-correios não sejam confundidos com pombos urbanos”.
Os pombos-correios são animais que respondem a um programa de vacinação obrigatório, “imposto pela Federação Portuguesa de Columbofilia”, explica Vítor Costa. “Estão num local único, do qual saem somente para as suas viagens e competições”.
À volta do mundo estes animais podem percorrer entre 100 a 400 quilómetros por dia. “E chegam facilmente a destinos até mil quilómetros de distância do seu ponto de partida”.
Já os pombos urbanos “voam pouco e a baixa altitude”. E também vivem menos. “Em média três anos. Enquanto os pombos-correios podem viver até 16 anos”.
Regulamento Municipal proíbe mas não impede
Em 2005, a Câmara Municipal de Setúbal capturou cerca de 400 pombos que entregou ao Jardim Zoológico, para alimentação.
À época esta foi a medida encontrada pela autarquia para conter a proliferação dos animais na cidade. Davam-se igualmente os primeiros passos para incluir em regulamento municipal a proibição de alimentar estes animais, sob pena de coima. Mas, apenas a 24 de Maio de 2017 o documento seria publicado em Diário da República e, ainda assim, sem referir claramente a aplicação das planeadas coimas.
Hoje, o Regulamento de Saúde e Bem-Estar Animal do Município de Setúbal determina no Artigo 6º que, compete ao Serviços Veterinários do Município “assegurar o controlo da população animal, nomeadamente, cães, gatos e pombos e promover acções inerentes à profilaxia [medidas de prevenção] da raiva e outras doenças transmissíveis ao homem”.
Quanto à esperada proibição de alimentação dos pombos urbanos ela surge no Artigo 8º, ao abrigo da “protecção da higiene e saúde pública”. Contexto em que que fica “proibida a alimentação de animais vadios ou errantes em quaisquer espaços públicos ou privados confinantes com a via pública”. Mas quanto a coimas e sanções para este acto, o mesmo regulamento não indica uma referência clara às medidas específicas para a alimentação de pombos urbanos.
O Artigo 64º, refere ainda que, será “promovido o controlo da população de pombos urbanos mediante recurso aos métodos mais adequados”. E, no Artigo 65º, são apresentadas possíveis soluções, como “sistemas anti-pombos, físicos e químicos, devem evitar o poiso e nidificação de pombos”. Sistemas que devem ser sempre “colocados por forma a não provocar danos à integridade física de pessoas ou animais, incluindo os próprios pombos”.