João dos Santos, director do Instituto de Medicina Legal de Setúbal, descreveu em tribunal que “parece que jogaram à bola com a cabeça da menina”
O perito de Medicina Legal que realizou a autópsia ao corpo de Jéssica Biscaia está hoje a testemunhar em tribunal e disse que, da sua experiência de mais de 20 anos, não teve dúvidas de que se tratasse de homicídio.
João dos Santos, director do Instituto de Medicina Legal de Setúbal foi logo questionado pelo juiz. “O que matou a Jéssica?”.
A resposta fez com que a avó paterna de Jéssica saísse em lágrimas da sala de audiências. “Alguém, de forma selvática, agarrou na criança e abanou-a fortemente durante cinco a 20 segundos, duas a quatro vezes por segundo, o que lhe provocou a morte, e depois jogou a cabeça da menina contra uma superfície dura várias vezes”, disse João dos Santos, fazendo alusão ao shaken baby syndrome [síndrome do bebé sacudido].
O director do Instituto de Medicina Legal de Setúbal foi confrontado com as imagens da menina, fotografias retiradas quando esta faleceu no hospital e antes da autópsia.
O perito disse que “não mostram a extensão das lesões”. “Por dentro eram muitas mais e retirando o couro cabeludo ficaram evidentes. A partes do corpo mais molestada foi a cabeça”, disse, acrescentando que “parece que andaram a jogar à bola com a cabeça da criança”.
João dos Santos deitou por terra a tese de que a criança caiu de uma cadeira, a primeira estória contada por Inês, a mãe da menina, às autoridades. “Quando a criança foi abanada de forma violenta, os olhos bateram na parede das órbitas, provocando hemorragias. Alguém descreveu que a criança caiu de um banco, mas não era possível porque a acontecer a hemorragia seria de um olho, não dos dois”.
Além disso, o director do Instituto de Medicina Legal de Setúbal disse ainda em tribunal que Jéssica estava já moribunda quando o cabelo foi arrancado, daí a ausência de vermelhidão na zona.
“O organismo já não tinha capacidade de se regenerar, daí a ausência do vermelhidão. Há ainda evidência de uma unhada no couro cabeludo. Parece que alguém cravou a unha naquela zona”.
A menina exibia uma queimadura de segundo grau na face. “Dá a sensação de que foi água ou leite a ferver que foi entornado junto da sua boca, mas não havia queimadura na língua, o que leva a crer que foi entornada no lábio e face”.
A menina tinha muitas outras lesões, sendo que uma das que mais dor provocou foi nos pés. “A menina foi agredida com um objecto contundente nos pés e, apesar de não haver marcas visíveis, posso dizer que dói bastante”, afirmou João dos Santos.
O perito tem várias certezas sobre a gravidade, a extensão e a dor que a menina sentiu. “É preciso tempo para provocar este tipo de lesões numa criança e não só num dia, uns quatro a cinco dias. A menina levou puxões de orelhas, mas não de qualquer maneira, de forma energética e várias vezes”.
Questionado sobre se podem ter sido feitas com alicate e tesoura, admitiu que sim. “A escala de dor é medida de 0 a 7 e a dor que a menina sofreu foi claramente um 7”, afirmou João dos Santos, que acrescentou que a menina apresentava uma lesão traumática que atingiu a zona perianal e rectal com um objecto contundente.
Ainda assim, afastou a possibilidade das lesões que a menina apresentava no esfíncter serem traumáticas. “O alargamento do canal anal e as cicatrizes nessa zona podem ser de origem patológica, não são recentes e não há vestígios de feridas. Se fosse uma lesão provocada de fora para dentro teria hemorragias”.