O socialista faz o balanço aos dez anos na liderança da concelhia e afirma: “Se as eleições fossem agora, o PS teria tudo a seu favor para conquistar a Câmara”. Realça a união que conseguiu no seio do partido e revela quem poderá ser o seu sucessor
A concelhia de Setúbal do PS vai a votos no próximo dia 7. Ao fim de dez anos à frente dos destinos da estrutura local do partido, Paulo Lopes prepara-se para passar a pasta, impedido que está de se recandidatar por ter atingido o limite máximo de mandatos consecutivos. Em entrevista de despedida, o socialista destaca os principais marcos alcançados pelo PS e mostra-se confiante no futuro: “Fomos a força política que mais cresceu (+5,89%) e retirámos a maioria absoluta ao PCP. O melhor, estou certo, ainda está por vir”. Ao mesmo tempo, não esconde o nome de quem considera ter todas as condições para lhe suceder no cargo.
Que legado deixa como líder do PS Setúbal?
Quando me envolvo num projecto entrego-me por inteiro, dando sempre o melhor de mim e tento potenciar – com solidariedade e humanismo – o melhor das pessoas que me acompanham. Enquanto responsável do PS em Setúbal tive sempre como principal preocupação a dignificação do cargo em si e da política no seu todo. Em cada momento, coloquei os interesses do concelho e dos setubalenses acima de quaisquer outros interesses ou ambições pessoais, foram estes os princípios que me transmitiram e que procurei aplicar ao longo de uma década de muitas vitórias.
Qual acha que é a sua marca?
Do ponto de vista interno, a conciliação entre diferentes posições e protagonistas partidários que, como é sabido, durante anos se opuseram entre si. A união do PS foi um desafio imenso e é hoje uma realidade. Acredito que esta é a semente que nos trará frutos tremendos. Do ponto de vista externo, o diálogo e abertura à sociedade civil setubalense, construindo pontes com diferentes sectores e quadrantes locais, a presença de muitos independentes nas listas do PS são prova disso, a confiança e credibilidade são na política, como em quase tudo na vida, fundamentais. Recuperámos a confiança dos cidadãos no PS Setúbal e essa é, também, uma marca profunda.
A concelhia de Setúbal foi, em muitos momentos, menos alinhada com a federação distrital. Isso foi bom ou mau para o concelho e para a cidade?
Amo a minha terra e isso influenciou sempre as decisões e opções estratégicas tomadas, fosse como dirigente ou no cumprimento dos mandatos como autarca, a minha principal preocupação foi e continuará a ser com a minha gente, as pessoas de Setúbal e de Azeitão. Convergimos e divergimos porque entendemos que, em cada momento, tal se justificava na defesa da nossa terra. Aliás, numa altura em que nenhuma das propostas que iam a votos cumpriam este princípio eu próprio assumi uma candidatura à federação. Estar na política também é isto: assumirmos posição e ter acção e iniciativa, mesmo que isso nos tire da nossa zona de conforto. Penso, no entanto, que o trabalho realizado deu bons frutos, a concelhia de Setúbal tem hoje dois deputados no Parlamento e conseguimos os melhores resultados em eleições legislativas, europeias e autárquicas dos últimos 20 anos.
O que faltou para o PS ganhar as últimas autárquicas?
Fomos a força política que mais cresceu (+5,89%) e retirámos a maioria absoluta ao PCP que vigora há mais de uma década, porém partíamos de um fosso demasiado grande. Para irmos ainda mais longe, faltou conquistar a confiança dos abstencionistas. A vontade do povo é sempre soberana, mas quando a maioria decide não participar entramos num terreno de pouca saúde da nossa democracia local, que aliás tem sido evidente no descontrolo de gestão e até emocional de um executivo desorientado, esgotado e nervoso. A abstenção em Setúbal continua a ser das mais elevadas do País (cerca de 60%) e isto significa que a esmagadora maioria dos setubalenses não se revê em quem governa o concelho, mas que ainda não se decidiu pela mudança. Falta apenas um passo e acredito que será dado pelos eleitores nas autárquicas de 2025.
Como avalia a prestação do partido, liderado por Fernando José, na Câmara Municipal?
As avaliações, para serem justas, devem ser feitas no final dos mandatos. Não obstante, em apenas um ano de mandato sem maioria absoluta comunista, o PS já conseguiu várias conquistas para as populações setubalenses e azeitonenses e que correspondem à palavra dada no seu programa eleitoral. Vale a pena recordar que já forçámos a redução do IMI, aumentámos a devolução da taxa variável de IRS e, assim, pelo 2.º ano consecutivo os nossos cidadãos pagaram menos impostos. Assumimos o compromisso de criar o Conselho Municipal da Juventude e cumprimos. Assumimos o compromisso de lutar por maior transparência e escrutínio da acção dos eleitos e estamos a fazê-lo. Se as reuniões de câmara são hoje gravadas, transmitidas e acessíveis livremente e “on-line” a todos, tal deve-se a uma proposta do PS. Apesar de ainda ser cedo estamos no bom caminho. Se na oposição conseguimos tanto em tão pouco tempo, imagine-se o que poderíamos fazer na liderança de um dos territórios com maior potencial do País. O melhor, estou certo, ainda está para vir. Os autarcas do PS na vereação, na Assembleia Municipal e nas assembleias de freguesia merecem a minha total confiança. O seu trabalho é indispensável para operar uma mudança que é inevitável.
Se as eleições fossem agora, Fernando José deveria voltar a ser cabeça-de-lista?
A escolha dos candidatos, nomeadamente dos cabeças-de-lista às eleições autárquicas, sejam elas em que altura forem, não se norteiam por desejo, vontade ou decisão pessoal do presidente da concelhia, da federação ou do secretário-geral, nem mesmo pela mera vontade dos candidatos. O processo de escolha do nome que liderará o combate à capital de distrito é um processo que envolve os órgãos concelhios, federativos e nacionais do partido. Uma vez mais, reitero o meu reconhecimento do trabalho feito por estas equipas e, muito naturalmente, por quem tão bem as tem liderado. Não tenho dúvidas que se as eleições fossem agora o PS teria tudo a seu favor para conquistar a Câmara de Setúbal.
A cabeça-de-lista à Assembleia Municipal, Ana Catarina Mendes, só veio a duas reuniões e desde que é ministra ainda não veio. Acha que está a cumprir?
Ana Catarina Mendes é deputada municipal eleita para o mandato 2021-2025. Como já referi, as avaliações fazem-se no final dos mandatos. É justo recordar que, após as eleições de 2021, a Ana Catarina assumiu a importantíssima pasta governativa de ministra dos Assuntos Parlamentares, Desporto, Igualdade e Migrações. Estas são funções de enorme absorção, mas não tenham a menor das dúvidas que sempre que foi necessário a Ana esteve disponível e ao alcance de um simples telefonema. Esta proximidade e cumplicidade representam um enorme benefício para o concelho e para a região.
Durante os anos que liderou o partido, foi sempre putativo candidato à Câmara. Mas nunca se candidatou. Porquê?
Ser referenciado pelos nossos pares como solução para representar o Partido Socialista em Setúbal – uma das mais importantes capitais de distrito do País e, acima de tudo o mais, a terra que me viu nascer, na qual sempre trabalhei e onde constituí família – é algo que obviamente me enche de orgulho. No entanto, como já referi, a escolha de um candidato à Câmara depende da conjugação de vários factores, nas diferentes eleições autárquicas o PS apresentou os candidatos que os órgãos nacionais, federativos e locais do partido entenderam que devia ter, mediante a vontade e disponibilidade manifestada pelos próprios candidatos. Infelizmente as escolhas do partido não tiveram correspondência nem a confiança maioritária dos setubalenses, como era desejado, mas isso é a democracia a funcionar.
Ainda pode vir a ser candidato a um órgão autárquico?
Tenho a minha vida pessoal e profissional plenamente organizadas e estabilizadas e gosto muito do que faço. Como disse um dia António Costa, a minha vida é um caminho em aberto, e se há coisa que aprendemos é que não podemos dar nada por garantido, nem conjugar a palavra “nunca”. Por tudo isto, embora me sinta amplamente realizado, enquanto arquitecto e nos meus demais projectos profissionais, como diz o povo na sua imensa sabedoria “o futuro a Deus pertence”.
O que vai fazer agora na política?
Sou deputado municipal, onde lidero a bancada do PS e continuarei a cumprir o meu mandato para o qual fui eleito com enorme orgulho. E, tal como até agora, continuarei também a fazer parte dos órgãos locais distritais e nacionais do partido socialista.
Qual foi a sua maior conquista nestes 10 anos?
Termos dois deputados eleitos por Setúbal à Assembleia da República e o maior número de autarcas eleitos dos últimos 20 anos, na Câmara, na Assembleia Municipal e nas assembleias de freguesia, mas, acima de tudo, poder dizer que saio deste cargo com a consciência de termos dignificado o nome de Setúbal e os princípios republicanos e democráticos pelos quais se regue o Partido Socialista. Servir Setúbal, sem nunca me servir de Setúbal, é muito mais do que um lema, é um princípio de que nunca abdicarei.
E a maior frustração?
O PS não ter conseguido ganhar as eleições autárquicas.
Quem devia suceder-lhe à frente do PS Setúbal?
O PS é um partido republicano e não monárquico, como tal não sou eu, nem nenhum outro dirigente, que designa o seu sucessor. São os militantes, no seu conjunto, que decidirão, livremente, quem deverá ser o próximo presidente. Tenho orgulho em registar que temos hoje vários quadros capazes de assumirem essa tremenda responsabilidade e de levarem o PS à vitória nas próximas eleições autárquicas. No entanto, não abdico da minha opinião e frontalidade pelo que entendo que, caso o vereador Fernando José demonstre essa disponibilidade, terá todas as condições para me vir a suceder e para tal contará com todo o meu apoio.