Terceiro romance da autora setubalense, passado no tempo da ditadura salazarista, reforça “o direito à memória” colectiva sobre o passado, para melhor se responder ao presente e preparar o futuro
O livro “A Noite Passada” – romance de Alice Brito sobre uma jovem respeitada que se apaixona por um agente da PIDE e põe em causa a honra da família – foi apresentado com sala cheia na Casa da Cultura, sexta-feira à noite, em mais uma sessão do ciclo literário “Muito Cá de Casa”, organizado pela Câmara Municipal de Setúbal e pelo atelier DDLX.
A autora parte de uma história particular – cujos protagonistas são Amélia, uma jovem oriunda de uma família respeitada, e um agente da PIDE por quem se apaixona – para retratar Portugal nos anos 50, 60 e 70 do século XX, em pleno regime de Salazar. Setúbal e Lisboa são os principais palcos da acção, recheada de factos históricos e episódios ficcionados.
“Eu nasci em 1954, portanto estas décadas são-me contemporâneas. É um período histórico sobre o qual gosto muito de ler e acho que há poucas coisas escritas [sobre ele] em termos romanceados. Gosto de saber os meandros destes anos que todos vivemos, e precisamente por isso interessei-me pelo assunto e fui escrevendo”, contou Alice Brito a O SETUBALENSE – DIÁRIO DA REGIÃO.
A investigação que levou a cabo sobre Setúbal naquela época deixou-a “impressionada” com a “rebeldia” da cidade “e a sua capacidade de resistência”, revelou ainda. “A sua capacidade de, apesar de muitas vezes estar em baixo – estou a referir-me as crises económicas que sofreu – ter conseguido levantar a cabeça e ressurgir com dignidade. Se isso é admirável nas pessoas, numa cidade é apaixonante”, justificou.
O papel das mulheres no regime ditatorial de Salazar foi um dos pontos mais focados na apresentação. “As mulheres deste romance são exemplares, são arquétipos da libertação feminina que Abril acelerou. Tudo isto dá especial prazer a quem nesta cidade lê Alice Brito”. “Alice Brito conta-nos, acima de tudo, o que era ser mulher num tempo de fascismo de regime e de mentalidades”, elogiou Maria das Dores Meira num discurso lido pela vereadora Carla Guerreiro, presente em sua representação.
Para a presidente da Câmara Municipal de Setúbal o romance “A Noite Passada” vem colocar Setúbal “num lugar privilegiado da literatura portuguesa” com uma “extraordinária história setubalense”, composta de “muitas histórias sobre uma noite longa de quase meio século, em que um país inteiro se fez triste, escuro e cinzento”.
Presentes no lançamento ao lado de Alice Brito estiveram também a escritora Cristina Carvalho e Ferreira Fernandes. O jornalista e director do Diário de Notícias fez questão de reforçar a memória como elemento essencial para compreender, e sobretudo “não esquecer” o que se passou. “O livro é um motivo para reflectir e para conhecer. Uma geração sem memória é uma geração que terá dificuldades não só em lidar com o presente mas também em preparar o futuro”, concluiu a autora.
Alice Brito – advogada, escritora e cronista – tem agora o seu terceiro romance à venda nas principais livrarias, por todo o país e inclusivamente espaços independentes em Setúbal. “As Mulheres da Fonte Nova”, publicado em 2012, e “O Dia em que Estaline Encontrou Picasso na Biblioteca”, publicado em 2015, foram as suas obras anteriores, também editadas pela Planeta.