Para o antigo ministro a solução imediata é o PRR, que não está sujeito ao FEDER e pode atenuar a discriminação de que região tem sido alvo
O tema está estafado e a injustiça é reconhecida por todos, mas nunca é demais sublinhá-la. Sobretudo, quando a Península de Setúbal se mostra como um dos principais motores económicos do País e apresenta um potencial único.
É que os apoios comunitários continuam a ser uma “miragem”, qual deserto um dia apregoado, para uma região que contribui para costurar vestes de riqueza para uma outra margem sem ter com que se agasalhar.
“Por estar integrada na região de Lisboa, a Península de Setúbal sai prejudicada no acesso aos quadros de apoio à economia portuguesa, porque está a ser considerada como região rica”.
A afirmação de Luís Mira Amaral, que foi por duas vezes ministro da Indústria e Energia depois de ter sido responsável pela pasta ministerial do Trabalho e Segurança Social, é apenas mais um testemunho a engrossar um coro que, finalmente nos últimos tempos, se fez também ouvir em tom maior a toda a largura do espectro político, da esquerda à direita.
“Existem empresas aqui da região que merecem um apoio idêntico ao que outras empresas recebem noutras zonas do País”, frisou ainda o engenheiro e gestor a O SETUBALENSE, à margem de um encontro – para debater o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e o próximo Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia – promovido pela AISET e pela DFK, na última quinta-feira, no auditório do Mercado do Livramento.
Dias antes, o primeiro-ministro António Costa anunciara pela primeira vez a intenção de o Governo pedir já no arranque do novo ano a Bruxelas a constituição da NUTS II (Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos de nível 2) Península de Setúbal. Mecanismo impreterível para garantir o justo acesso desta região a fundos europeus e pelo qual a Associação da Indústria da Península de Setúbal (AISET) se tem batido até à exaustão.
“Espero que se concretize, porque a região precisa de ser destacada da de Lisboa. Infelizmente, não é um problema que dê para resolver a curto prazo, mas espero que se efective e se resolva no médio-longo prazo”, completou Mira Amaral. Tudo continua a depender da vontade política.
Mas, para já, apontou, há forma de atenuar essa falta de investimento na região. “O PRR tem a vantagem de não fazer discriminações regionais, porque não está sujeito ao FEDER, portanto pode financiar a região de Setúbal da mesma maneira que financia as outras regiões. E isso é uma boa notícia para a região de Setúbal”, lembrou.
Estrutura empresarial a contas com dívida excessiva
O antigo governante indicou, durante uma apresentação detalhada sobre o PRR e o quadro “Portugal 2030”, o caminho a prosseguir.
“O investimento na descarbonização e transição energética da indústria é importante e vem reforçar algo que as empresas portuguesas têm vindo a aplicar há já algum tempo”, salientou, sem deixar de destacar como exemplos a aquisição de painéis solares e a adopção de outras energias alternativas pelo sector empresarial.
E em matéria de exemplos apontou ainda – no que toca a estruturação e forte investimento nas empresas – algumas acções importantes, que chegou a presenciar no Banco de Fomento. Acções que confessou esperar ver replicadas no futuro, no entanto com um alerta de permeio: “É sempre importante reestruturar a empresa e torná-la viável.”
Já sobre a capacidade de a banca comum apoiar alguns investimentos, foi peremptório. “O problema dos bancos em Portugal não é músculo financeiro, é um problema de riscos”, considerou, para justificar de seguida: “Temos é uma estrutura empresarial excessivamente endividada e a banca comercial não consegue ir buscar garantias para emprestar [verba] às empresas”.
Depois vieram avisos e reparos. “O Governo tem sido pouco explícito sobre o investimento na indústria”, atirou o antigo governante. “Temos de ter atenção à distinção da componente dívida e a componente a fundo perdido. O Governo está preocupado em gastar a componente a fundo perdido, como é natural”, juntou Mira Amaral, em relação à forma de capitalizar as empresas ao abrigo do PRR.
“Temos de nos lembrar que para a elaboração destes fundos a União Europeia endividou-se. Não é dinheiro de borla para Portugal. Todos nós vamos ter de pagar, até uma certa percentagem, esta dívida”, avisou o antigo ministro, a finalizar.
Fundos europeus “Preocupa-me a qualidade da execução dos projectos”
Sobre a aplicabilidade e controlo dos fundos europeus a atribuir às empresas, Mira Amaral não antevê que possam vir a ocorrer situações comprometedoras ou “escandalosas”, apesar de reconhecer a existência de problemas recentes.
“Não há nenhum sistema perfeito, em qualquer país. Mas confio nos sistemas e nas instituições em Portugal”, defendeu o economista, em declarações a O SETUBALENSE. Porém, não esconde inquietação noutro domínio.
“Estou mais preocupado com outra coisa. Estou preocupado com a qualidade da execução dos projectos. Acredito que devia haver sistemas de controlo de acompanhamento da qualidade de execução dos projectos”, concluiu.