26 Junho 2024, Quarta-feira

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José Lobato: “Só com os dados da comissão independente seria uma injustiça suspendermos padres”

José Lobato: “Só com os dados da comissão independente seria uma injustiça suspendermos padres”

José Lobato: “Só com os dados da comissão independente seria uma injustiça suspendermos padres”

O responsável pela Diocese de Setúbal diz que a lista recebida apenas continha nomes. E já pediu mais informações para que possa actuar 

 

Administrador da Diocese de Setúbal desde que D. José Ornelas assumiu funções em Leiria-Fátima, o padre José Lobato explica ponto a ponto as situações inerentes aos cinco párocos referenciados pela comissão independente, por suspeitas de abusos sexuais.

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Em entrevista concedida à rádio Popular FM e a O SETUBALENSE, garante que um dos casos não envolve menores. E adianta que só acredita em indemnizações da Igreja às vítimas, se os valores pedidos não forem “à americana”. 

Só 11 dias depois de ter recebido a lista da comissão independente com os nomes de cinco padres suspeitos de abusos sexuais a menores é que a Diocese de Setúbal revelou essa informação. Porquê tantos dias depois? 

O que os bispos e administradores diocesanos receberam foi uma lista de nomes, sem mais nenhuma informação. Pedi imediatamente a uma das pessoas da comissão algumas informações mais, porque para aplicarmos qualquer medida, fosse suspensão ou abrir um inquérito, deveríamos ter mais informações para que aquele que é acusado possa fazer o contraditório. 

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Mas porquê deixar passar tantos dias para revelar essa informação? 

Porque fiquei à espera das respostas que, entretanto, não chegaram. Agora abriram um novo período para colocarmos questões. Agora vou pedir novamente, porque fomos informados pelo secretariado permanente da Conferência [Episcopal] que duas das pessoas da comissão se dispuseram a receber as nossas dúvidas. Até porque há outros bispos que estão nesta mesma situação, para poderem avançar [com medidas]. É o respeito pela presunção de inocência. Tal como aconteceu há 20 anos no caso da Casa Pia, as pessoas foram informadas e tiveram possibilidade de ter advogado e defenderem-se. 

Eugénio da Fonseca disse, também em entrevista à POPULAR FM / O SETUBALENSE, que o padre José Lobato foi pronto a abrir os arquivos da Diocese de Setúbal, mas que houve quem resistisse. De quem vieram essas resistências? 

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Houve quem resistisse? Não. Em Setúbal só eu é que poderia abrir, só eu é que tenho a chave. 

O que acha então que Eugénio da Fonseca poderia querer dizer com essa afirmação? 

Sinceramente, não sei. Alguns poderão ter manifestado desacordo, mas não influenciaram absolutamente nada. 

Vamos ao comunicado que publicou a dar conta da existência de cinco padres suspeitos. Um deles já havia sido anteriormente afastado preventivamente por suspeitas de práticas de abusos sexuais. Retornou às funções após conclusão de um processo canónico. Esse caso chegou a ser comunicado ao Ministério Público? 

Não. Porque não havia nessa altura a indicação que passou a haver, depois da intervenção e acção dos últimos três Papas, muito especialmente do Papa Francisco, no sentido destes assuntos serem tratados de maneira a que, além do processo canónico – a Igreja tem as suas leis próprias – a autoridade judicial fosse informada. Foi seguida apenas a decisão do tribunal eclesiástico. A proposta de sentença, após investigação, apontou no sentido da inocência dele. Não voltou para a paróquia em que estava, por não ser nada agradável depois para o próprio e para as outras pessoas que ele estivesse ali. Então foi para outra paróquia. 

Mas isto dá a ideia de a justiça dentro da Igreja passar por cima da justiça civil. Tendo em conta a gravidade deste tipo de casos, não deveriam serem reportados e ser o Ministério Público a decidir? 

Passou a ser assim, mas na altura deste caso não era. Actualmente, deve ser sempre feita acusação ao Ministério Público. 

Se vier agora a comprovar-se que este padre praticou abusos, isso acaba por levantar a suspeição sobre o processo que o deu como ilibado. Com este histórico e apesar de ilibado, por que não foi suspenso preventivamente como no caso anterior? 

Seria afastado, ou será, não sei, se aquilo de que é agora acusado tiver fundamento. Foi pedido à comissão independente que fornecesse mais elementos. Não gostaria que me fizessem um julgamento em que nem sei do que sou acusado. 

Mas no caso anterior foi afastado preventivamente. Isto não lhe parece uma contradição? 

Foi suspenso preventivamente mas enquanto durou o processo, não por castigo. Não podemos suspender uma pessoa com base em algo que é dito, mas que não sabemos bem o que é. 

E podemos estar a falar do mesmo caso em que ele foi ilibado ou estaremos de certeza a falar de outros casos diferentes? 

É essa a questão. Se da parte da comissão vier uma informação clara e que o nosso tribunal possa chamar a pessoa e verificar que há fundamento para fazer uma acção, então aí tudo vai começar com suspensão e a comunicação ao Ministério Público. 

Outro dos cinco padres já havia sido alvo de dois processos canónicos, que resultaram no seu actual afastamento de funções. Diz que esses processos não se enquadram na natureza de abusos sexuais. Enquadram-se em quê? 

Só posso dizer isto: não se tratou de um abuso de menor. 

Pode tratar-se de abusos a adultos? 

Entenda como quiser. Aquilo que digo é que a pessoa em causa não pode ser acusada de abuso de menor, portanto não entra dentro desta natureza. 

Mas está referenciado pela comissão independente, que parte desse pressuposto ou não? 

Nesse caso temos de ouvir a vítima. Se houvesse casos destes nessa pessoa, ainda podíamos pensar que era mais um. Mas não há. 

Outro dos casos é o de um pároco que já não está na Diocese de Setúbal. Afirma que nunca existiu sobre ele qualquer denúncia de abusos sexuais no reinado do bispo de Setúbal. Refere-se ao reinado de um bispo em particular? 

Enquanto ele esteve em Setúbal não houve nenhuma indicação, queixa ou denúncia. 

O mesmo é dizer que não existia nada nos arquivos da diocese relativamente a esse padre? 

Sim. 

Sobre os restantes dois outros padres diz não existir quaisquer informações nos arquivos que possam levar à averiguação interna, com base naquilo que é relatado pela comissão independente. É assim? 

Sim, sim. Não há uma queixa sequer, uma denúncia, desde que eles estão em Setúbal ainda como seminaristas. 

Para que fique devidamente clarificado, por que razão a Diocese de Setúbal não suspendeu preventivamente nenhum destes padres? 

Não digo que não possam vir a ser suspensos, mas com os dados recebidos da comissão independente seria uma injustiça estar a suspendê-los. 

Mas houve já quem [noutras dioceses] suspendesse. 

Sim, mas cada bispo responde por si. 

Acredita que a outras dioceses a informação da comissão independente tenha chegado de uma forma mais detalhada que permitisse tomar essa medida? 

Vejo que alguns suspenderam, posso imaginar que já tinham esses casos sinalizados. Sem dificuldade viram que ali tinham de mandar o nome para o Ministério Público. Penso eu que eles teriam já a certeza que eu não tenho em relação aos de Setúbal, a estes ou aqualquer outro, de que havia alguma coisa. Então avançaram. O que digo é que continuo a aguardar da comissão independente informações que caso os testemunhos por esta recolhida configurem novos factos serão devidamente tratados. 

Daniel Sampaio, psiquiatra que integra a comissão independente, afirma ao jornal Expresso que existe uma “Igreja velha” que rejeita mudanças e que apenas 13 padres da lista de suspeitos foram investigados. Como comenta? 

Terá as suas razões, com certeza. Até é uma prova de que a comissão é mesmo independente, não está de acordo com aquilo que a Igreja está a fazer. Fizeram naturalmente o seu trabalho e um trabalho meritório, porque lendo o relatório obtém-se muita informação. Mas não pessoalizada. 

Acha que se pudesse voltar atrás, a Igreja optaria por seguir este caminho com a comissão independente ou optaria por outro? 

Aquilo que se está a sentir é que faltou, no acordo que foi feito, ficar mais claro como é que era feita a denúncia de nomes. Que ao fazerem as suas investigações recolhessem mais alguns dados só destinados os bispos. A comissão de investigação dos dossiers dos arquivos foram encontrar aquilo que os bispos já sabiam. O conhecimento mais acrescentado, que essas comissões, quer a independente quer a dos arquivos poderiam dar aos bispos, era fundamental para os bispos agirem. Eles estão com boa vontade, porque a intenção e a preocupação objectiva é erradicar esta situação. 

Em termos de apoio psicológico às vítimas, já foram feitas algumas démarches pela Diocese de Setúbal? 

É um dos tais pontos que devia estar em carta de intenções, um protocolo que devia ter sido discutido logo de princípio. Nós, por exemplo, em Setúbal temos um caso de uma pessoa adulta, que não entra aqui neste processo, que estamos a pagar despesas de tratamento psicológico. 

O que pensa sobre eventuais indemnizações a pagar pela Igreja às vítimas? 

As pessoas estão a pensar, quando falam em indemnizações, em indemnizações milionárias como aconteceu nos Estados Unidos. Só que a situação da Igreja nos Estados Unidos é muito folgada do ponto de vista económico, que nós não temos. E esta crise que se aproxima… Acho que vai ser quase impossível, se a pessoa for para indemnizações “à americana”, digamos assim. Agora se forem viáveis, acho que sim. É um sinal também de que a Igreja se revê também como culpada, ainda que indirectamente. 

Desejo “Nuno Almeida pode ser bispo de Setúbal” 

O administrador diocesano descarta a hipótese de D. Manuel António dos Santos – que foi bispo em São Tomé – poder suceder a D. José Ornelas. E aponta Nuno Almeida como “um homem bom”, capaz de fazer “união”. 

A Diocese de Setúbal continua sem bispo. Fez agora um ano. Não lhe parece tempo demasiado? 

Sim. Portugal está neste momento com falta de bispos, porque alguns estão a terminar o seu tempo, aos 75 anos. Neste momento há um grande movimento de audição, de pareceres, não só dos bispos, também de padres, de leigos… Imagino o núncio apostólico, que é o encarregado de organizar esses processos. Não tem mãos a medir. 

Assim a Diocese de Setúbal arrrisca-se a chegar à Jornada Mundial da Juventude sem bispo, quando é uma das principais em torno da organização do evento. 

Tem toda a razão e nós estamos a fazer alguma pressão, sobretudo através do presidente da Conferência [Episcopal] que foi o [nosso] último bispo. Ele próprio diz que, se soubesse que isto ia dar este atraso, não teria saído de Setúbal sem que houvesse um bispo nomeado. 

Que nomes acha que poderiam suceder a D. José Ornelas como bispo de Setúbal?

Nuno Almeida, que é auxiliar em Braga, um homem muito bom, muito sensato, capaz de fazer união, porque a Igreja de Setúbal tem gente que veio de todo o lado e tem menos padres. Tem de ser alguém, penso que será alguém, que tenha esse condão, essa capacidade, que é psicológica mas que é sobretudo espiritual, de fazer a união.

Entre Nuno Almeida e D. Manuel António dos Santos, que foi bispo em São Tomé, quem acha que pode levar vantagem? 

Aí era complicado, porque ele [D. Manuel António] deixou S. Tomé por cansaço, por doença… Pegar na Diocese de Setúbal, o melhor era marcar uma cama no hospital. Se ele renuncia a São Tomé por motivos de saúde… seria uma tarefa muito pesada. 

Nuno Almeida pode ser o senhor que se segue. 

A opinião é minha. 

E tem pernas para andar essa nomeação? 

Não sei. Depende também muito do arcebispo de Braga, onde ele está, porque também pode precisar dele e querer mantê-lo. O bispo do Porto também quer um auxiliar, porque o que estava no Porto está agora nos Açores. Depois, ninguém vai obrigado. E não sabemos se já houve convites que não foram aceites. 

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