Administração Regional de Saúde cancelou contratos com unidade de cuidados continuados
Os utentes da Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) do lar Clube da Amizade, no Alto da Guerra, em Setúbal, que estavam internados em regime de longa duração, foram retirados hoje de manhã da instituição por ordem da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS-LVT).
A medida surge na sequência da insolvência da empresa proprietária do lar, a sociedade Sollar SA, e depois de, em final de Dezembro do ano passado, a ARS-LVT ter recusado a renovação dos contractos de financiamento para internamentos em UCCI que mantinha há mais de dez anos com esta instituição.
Desde Novembro que as autoridades de saúde não autorizavam novos internamentos e agora avançaram com a retirada dos utentes que ainda se encontravam na unidade.
Esta manhã foram retirados os cinco que estavam em regime prolongado, alguns dos quais acamados, e a partir de amanhã começam a sair também os restantes nove utentes, que são casos prestes a terem alta.
Além da Unidade de Cuidados Continuados, o Clube da Amizade tem lar, com licença para 45 utentes, e centro de dia. Estas duas últimas valências vão continuar a funcionar, para já, uma vez que foi nomeado um administrador de insolvência e a actividade da empresa deve continuar pelo menos mais algum tempo. A administração recorreu da declaração de insolvência pelo que a sentença ainda não transitou em julgado.
A administração da empresa queixa-se que a relação com a ARS, no quadro da Rede Nacional de Cuidados Continuados (RNCC), foi mal desenhada desde o início, em 2008. “A distribuição, logo nessa altura, não foi bem concebida. Ficámos com 38 camas de longa duração e 22 de média duração. Logo em 2010 a empresa pediu, à ARS, uma equiparação das camas, para 30/30, porque havia já uma consciência dos valores em causa e nessa altura, então sim, a coisa equilibrar-se-ia com um equilíbrio de custos. Isso foi sempre negado.”, diz Jaime Rolão, fundador do Clube da Amizade e ex-administrador.
Jaime Rolão deixou, entretanto, de estar nos órgãos sociais da empresa, que é liderada pela filha, Rita, e pelo genro, Miguel Cristóvão.
“Se o contrato [com a ARS-LVT] terminou a 31 de Dezembro, seria digno tirarem as pessoas todas no dia 1 de Janeiro, o que não aconteceu. Têm sido tiradas uma a uma, a conseguir que ficasse um encargo para a empresa das pessoas que temos aqui a trabalhar, que não podemos dispensar por terem muitos anos de casa, porque teriam de ir para o desemprego, como provavelmente irão agora, com indemnizações que a empresa não conseguia pagar.”, acrescenta.
Quase 50 postos de trabalho em causa
A insolvência da empresa coloca em risco dezenas de postos de trabalho dos funcionários das diversas valências do lar.
“Os funcionários ainda estão todos ao serviço e os salários em dia até hoje. Irão certamente entrar no desemprego, por nós ou por outras pessoas.”, disse Jaime Rolão.
O antigo administrador destaca o que considera o bom desempenho da instituição durante os 14 anos de funcionamento. “Passaram por aqui 1100 pessoas e tivemos 87% de sucesso, em que as pessoas saíram daqui para as suas casas”, sublinha.
Jaime Rolão reconhece que o futuro do lar, a curto prazo, será o encerramento, embora admita que possa ser reactivado por quem vier a ficar com os activos.
A insolvência da Sollar SA foi requerida em Agosto de 2021, por um fundo internacional que comprou a divida ao banco.
Litígio com representante de utente
A administração da empresa proprietária do lar considera que na origem da actuação da ARS-LVT está uma denuncia feita por um cuidador de uma utente da unidade de cuidados continuados com quem a instituição teve um litígio judicial.
“Esse senhor fez várias denuncias, a primeira em 2019, de que havia maus-tratos. Essa queixa foi arquivada, dois anos depois, porque não havia provas. Foi quando este senhor foi à ARS, em Novembro, perguntar se não sabiam que a empresa está insolvente, que, a partir daí, começou o descalabro da retirada das pessoas.”, refere Jaime Rolão.
A pessoa em causa é o médico setubalense Henrique Soudo, que é cuidador da ex-mulher, que se encontra tetraplégica e estava internada no Clube da Amizade.
“Há uns 3 anos fiz uma queixa de queixa de violência doméstica. A acção esteve parada por causa da pandemia e depois foi arquivada por inexistência de provas. E eu fiquei por aí. Não fiz mais queixa nenhuma, nem à ARS nem a ninguém.”, garante Henrique Soudo, ouvido por O SETUBALENSE. E acrescenta não ficar “nada contente” com o encerramento da unidade.
Sobre a queixa, explica o que aconteceu.
“É evidente que ninguém batia na João [ex-mulher]. Os advogados classificaram como violência doméstica porque ela não era devidamente cuidada. Havia ordens para não lhe serem prestados certos cuidados. É uma doente da RNCC, pelo que só podia sair do lar a seu pedido. Eles tentaram que a João saísse, porque é uma doente pesada, que exige muitas pessoas a cuidar dela, pelo que dá sempre prejuízo. A forma que tinham para que ela fosse embora era tratarem-na menos bem. Deixá-la demasiado tempo sentada, não a mudarem de posição no tempo certo, ou não a mudarem, etc. O que não se conseguiu provar em tribunal é que havia ordens para isso. A acção visava alterar a situação e não encerrar o lar. Alterar a situação era que não houvesse ordens da administração no sentido de não ser prestada assistência.”, conclui Henrique Soudo.
Mudanças: Cinco utentes transferidos
Os doentes retirados foram transferidos para outras unidades de cuidados continuados na Área metropolitana de Lisboa, um dos quais para a Liga dos Amigos da Terceira Idade (LATI), em Setúbal. As pessoas foram transportadas pelos bombeiros mas a quantidade de pertences tornou necessária uma carrinha de mudanças.
Os dois utentes retirados que O SETUBALENSE teve oportunidade de ouvir dizem gostar de estar no Clube na Amizade e falam bem dos cuidados prestados.