Os candidatos à presidência da Câmara Municipal estiveram em confronto perante uma sala lotada no Cinema Charlot, num debate marcado por propostas concretas e divergências claras
O debate autárquico em Setúbal, realizado nesta quinta-feira, reuniu todos os candidatos à presidência da Câmara Municipal, num encontro marcado por propostas, críticas e confrontos diretos sobre os principais desafios do concelho. Numa sala completamente lotada, no Cinema Charlot, os temas centrais nesta discussão foram habitação, mobilidade, segurança e saúde, com intervenções de todos os candidatos que refletiram as diferenças políticas significativas, mas também pontos de consenso quanto às necessidades do território setubalense.
Habitação como prioridade
A crise habitacional em Setúbal foi o tema que abriu o debate, com todos a reconhecerem a gravidade da situação e a necessidade de respostas urgentes, embora com soluções distintas entre si.
Flávio Lança, da Iniciativa Liberal (IL), defendeu o aumento da oferta como forma de reduzir os preços, tanto na compra como no arrendamento. Para o candidato, “é preciso mais licenciamento” e rever regulamentos municipais que dificultam a construção. Flávio Lança criticou a quebra de 69,5% nos licenciamentos em Setúbal face ao aumento nacional e sublinhou a importância de colocar património devoluto no mercado, admitindo que “os custos de construção não vão desaparecer” e que limitar excessivamente a atividade privada “afasta quem quer construir”.
André Dias, do Livre, considerou a habitação “a grande prioridade do concelho” e propôs que uma em cada dez casas seja a preços acessíveis. Para o candidato, a habitação pública é “a principal chave” para enfrentar a crise, criticando o “desinteresse” do Governo Central e defendendo o apoio ao cooperativismo e às associações de moradores. “Preocupa-me mais afastar quem quer viver em Setúbal do que quem quer construir”, afirmou.
Cláudio Fonseca, do ADN, defendeu a “requalificação de todos os imóveis devolutos e degradados” e a criação de soluções específicas para jovens, profissionais de saúde e vítimas de violência doméstica. O candidato propôs ainda medidas de combate à especulação imobiliária e maior intervenção do município na regulação do mercado.
Para Daniela Rodrigues, do Bloco de Esquerda (BE), a solução passa por “duplicar o parque habitacional público” e garantir que as casas sejam “dignas, sustentáveis e acessíveis”. A bloquista defendeu que a autarquia deve “reservar percentagens de fogos a custos controlados” em novos projetos privados e realizar um “levantamento exaustivo” do edificado devoluto. Alertou ainda para a necessidade de definir zonas de pressão urbanística, de modo a travar o impacto do alojamento local no acesso à habitação.
António Cachaço, do Chega, anunciou a intenção de criar um “levantamento completo do edificado municipal” e disponibilizá-lo publicamente. O candidato defendeu programas de reabilitação em zonas históricas, arrendamento acessível e prioridade no acesso à habitação pública para forças de segurança, professores e médicos. Propôs também uma “bolsa municipal de arrendamento jovem” e incentivos fiscais para atrair investimento privado.
O candidato da CDU, André Martins, sublinhou que “o mercado não resolve o problema das pessoas” e valorizou o papel das cooperativas de habitação. Recordou que a autarquia tem candidaturas aprovadas no âmbito do PRR para requalificar 1.600 habitações e aguarda a construção de mais 1.000 fogos de renda acessível, em parceria com o IHRU.
Já Maria das Dores Meira, candidata independente apoiada pelo PSD e CDS, responsabilizou o Estado Central pelo “desinvestimento de mais de 20 anos” e recordou as restrições financeiras deixadas pela “bancarrota do PS”. Criticou a ausência de novas construções por parte do IHRU e defendeu a requalificação do parque habitacional existente, garantindo rendas acessíveis para jovens e trabalhadores. Rejeitou a criação de uma empresa municipal, proposta pelo PS, classificando-a como “Jobs for the Boys”.
Por sua vez, Fernando José, do Partido Socialista (PS), afirmou que a última grande intervenção municipal na habitação data dos tempos em que o PS liderava o executivo, e acusou a atual gestão de má utilização de recursos. Propôs a criação de uma empresa municipal para gerir a construção e reabilitação, sublinhando que seria composta por “quadros da casa” e não serviria para “empregos partidários”.
Por fim, Mariana Crespo, do PAN, defendeu uma abordagem integrada “a curto, médio e longo prazo” e o aproveitamento dos fundos disponíveis. A candidata defendeu prioridade às cerca de duas mil famílias que aguardam habitação social, um inventário rigoroso do edificado devoluto e investimento em habitação pública, alertando que “o mercado privado não vai equilibrar os preços”.
DataRede e mobilidade divergem opiniões
A mobilidade foi outro tema central do debate entre os candidatos à Câmara Municipal de Setúbal, tendo o contrato com a DataRede sido dos principais assuntos a serem falados. André Dias defendeu a redução da dependência do automóvel e a melhoria da ligação entre Setúbal e Azeitão, propondo transporte público mais frequente, com horários noturnos e maior frequência aos fins-de-semana, bem como a expansão de vias cicláveis e pedonais, com ligações seguras aos concelhos vizinhos.
Já o candidato do ADN propôs o reforço dos transportes públicos, com utilização de energias renováveis e tarifas reduzidas, a ampliação do transporte para Troia e incentivos a bicicletas elétricas. Destacou ainda a necessidade de requalificação de espaços verdes e melhoria da limpeza urbana, apontando problemas de degradação e pragas.
Quanto a Daniela Rodrigues, defendeu a mobilidade suave como prioridade, com transporte público gratuito, expansão da rede ciclável e criação de um sistema de bicicletas partilhadas. Sublinhou a importância de segurança pedonal, com o objetivo de zero atropelamentos, e apresentou exemplos de negociação direta do município com a Carris Metropolitana para horários noturnos.
O candidato do Chega propôs a construção de uma circular exterior para redistribuir o trânsito, requalificação da rede viária, revisão do plano de circulação automóvel e criação de bolsas de estacionamento gratuito nas zonas residenciais. Defendeu ainda zonas de estacionamento de curta duração para apoiar o comércio local.
André Martins destacou a necessidade de estacionamento tarifado e criticou o contrato da DataRede, afirmando que a câmara deve criar estacionamento gratuito e simultaneamente manter procura significativa pelo transporte público, sendo necessária a intervenção de especialistas para gerir o processo. Assegurou ainda que caso cesse o contrato com a DataRede, irá concessionar o estacionamento a outra empresa.
A candidata independente, apoiada pelo PSD e pelo CDS, priorizou a criação de uma circular interna, eliminação de buracos e reforço dos transportes públicos. Considerou que os custos da mobilidade são suportáveis pela câmara e defendeu a gestão direta do estacionamento, garantindo que com a sua eleição o estacionamento tarifado ficará sob a alçada da Câmara Municipal de Setúbal.
Fernando José avaliou negativamente o contrato da DataRede, responsabilizando a anterior gestão, e defendeu estacionamento tarifado apenas em áreas de pressão. Propôs ainda a implementação do passe navegante municipal gratuito e a expansão da rede ciclável.
Já Mariana Crespo defendeu a elaboração de um plano de mobilidade urbana sustentável, com alternativas ao carro como prioridade, seguida pela melhoria das infraestruturas, só depois aplicando estacionamento tarifado. Sublinhou a necessidade de transporte público eficiente e de aposta em energias limpas na frota de autocarros.
Quanto ao candidato da IL, destacou o elevado trânsito e a insegurança das ruas, criticando o contrato de estacionamento da DataRede e a litigância subsequente. Prometeu, em caso de eleição, resolver o problema do estacionamento, garantindo ausência de estacionamento pago nos bairros.
Segurança no concelho
A segurança em Setúbal foi abordada pelos candidatos como uma prioridade, com muitos a defenderem a criação da polícia municipal e a videovigilância, enquanto outros apontavam com maior alarmismo para a situação da violência doméstica no concelho.
Sobre a questão da segurança, Cláudio Fonseca defendeu a criação de uma polícia municipal de proximidade, com funções complementares à PSP e GNR, incluindo fiscalização de leis municipais, estacionamento e rondas na Serra da Arrábida. Propôs ainda a instalação de videovigilância em zonas de elevado risco, como entradas e saídas da cidade e áreas de bares.
A candidata do BE considerou a segurança um direito humano essencial e defendeu medidas integradas, incluindo iluminação adequada, transporte público noturno gratuito e reforço do policiamento de proximidade. Destacou a violência doméstica como “o crime que mais mata no país” e propôs gabinetes municipais de apoio e mais casas abrigo.
Já António Cachaço propôs videovigilância em áreas de maior risco e a criação de uma polícia municipal como força complementar à PSP e GNR. Sublinhou ainda a importância de mais iluminação urbana para apoiar a segurança, o turismo e o desenvolvimento económico.
Quanto ao candidato da CDU, destacou a prevenção como pilar central da segurança, defendendo mais efetivos na PSP e GNR e melhores condições de trabalho. Referiu a construção de 26 fogos para vítimas de violência doméstica e a cedência de instalações à GNR para aproximar a força policial das populações.
Maria das Dores Meira considerou que a criminalidade em Setúbal não é grave, mas destacou a importância da prevenção e policiamento comunitário, propondo videovigilância, polícia municipal com 30 a 40 efetivos e reforço da iluminação e limpeza urbana.
O candidato socialista afirmou que Setúbal é um concelho seguro e defendeu videovigilância localizada em zonas estratégicas, reforço da polícia de proximidade junto às escolas e medidas para criar percepção de segurança entre os cidadãos.
Mariana Crespo destacou que os dados de 2024 do RASI apontam para uma diminuição da criminalidade, com atenção para tráfico de droga e violência doméstica. Defendeu ainda o reforço do efetivo e melhores condições de trabalho da PSP e GNR, e policiamento de proximidade em bairros e escolas.
Já o candidato liberal defendeu mais policiamento de proximidade e guardas noturnos, maior iluminação urbana e videovigilância estratégica. Flávio Lança sublinhou a importância de articular segurança e mobilidade, evitando becos mal iluminados e garantindo ruas mais seguras em conjunto com as forças de segurança.
André Dias reforçou que Setúbal é uma cidade segura de acordo com dados oficiais, destacando a violência doméstica como prioridade a combater, tendo ainda defendido mais formação, sensibilização e prevenção, além do reforço da iluminação pública para reduzir outras formas de criminalidade.
Saúde
Por fim foi debatido o tema da saúde, com os candidatos a destacarem a necessidade de reforço de profissionais, construção e requalificação de centros de saúde e a aposta em medicina preventiva.
Daniela Rodrigues estacou a importância da gestão eficiente de recursos pelo Estado, mas sublinhou o papel da autarquia em identificar carências locais e apoiar a fixação de profissionais de saúde, inclusive com habitação temporária. Defendeu a criação de novos centros de saúde, incluindo na freguesia de Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra, e a construção urgente do centro de saúde do bairro do Liceu. Propôs também realocar unidades de saúde inacessíveis e promover a saúde mental com apoio a associações especializadas.
António Cachaço propôs a construção de um centro de saúde em Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra, a criação de um posto de emergência médica em Azeitão e a requalificação de todos os centros existentes. Defendeu consultas médicas ao domicílio para idosos e doentes crónicos, apoio à instalação de farmácias em zonas rurais e periféricas, e a fixação de médicos através de critérios de prioridade na habitação social.
André Martins destacou a iniciativa da câmara na saúde, destacando reuniões com o Ministério da Saúde para resolver problemas das urgências. Referiu a entrega de um novo centro de saúde na Bela Vista e a fase final do projeto do bairro do Liceu. Sublinhou a necessidade de colaboração estreita com a administração local de saúde para implementar soluções concretas.
Maria das Dores Meira enfatizou a urgência em resolver problemas do Centro Hospitalar e das urgências de pediatria e obstetrícia, propondo novos centros de saúde e serviços de enfermagem ao domicílio. Defendeu protocolos com farmácias para medicamentos mais acessíveis e reforço da saúde preventiva para melhorar o bem-estar da população.
Fernando José destacou o investimento histórico do PS no Serviço Nacional de Saúde e a construção do novo edifício das urgências no Hospital de São Bernardo. Sublinhou a importância da participação da câmara na administração da ULSA para integrar soluções locais na gestão da saúde.
Mariana Crespo apontou que a competência central é nacional, mas a câmara pode pressionar, atrair e reter profissionais com incentivos à habitação e melhoria das condições de trabalho. Propôs a promoção da medicina preventiva, atividade física e cuidados de saúde mental, com apoio a IPSS e projetos universitários para fixar profissionais na cidade.
Flávio Lança defendeu a nomeação de um representante da câmara na ULSA, uso temporário de habitação pública para fixação de profissionais, reforço da resposta social para pacientes hospitalizados e criação de um cartão municipal de saúde. Anunciou que pretende dedicar 3,7% do orçamento municipal à saúde como medida de choque.
André Dias sublinhou a importância de fixar profissionais de saúde com rendas acessíveis e melhorar as condições de trabalho, destacando saúde mental, incentivos à mobilidade pedonal, apoio ao associativismo e regulação do ruído como ações municipais que contribuem para a saúde pública.
Cláudio Fonseca reconheceu que a saúde é uma competência nacional, mas defendeu que o município pode apoiar a fixação de jovens médicos com habitação, ajudando a colmatar a falta de profissionais e melhorando o funcionamento do sistema local.