Efeitos dramáticos nas contas levam empresas a ponderarem recorrer ao lay-off
Muitos empresários da restauração de Setúbal estão preocupados com a insustentabilidade económica causada pelo encerramento imposto pelo Governo, como medida de combate ao surto de Covid-19. Sem clientes e com salários e despesas fixas para pagar, fazem as contas aos prejuízos e confessam-se desnorteados em relação à falta de informação das ajudas que estarão disponíveis por parte do Governo e da banca.
A empresa Grão de Bico Catering, que trabalha na área do catering e organização de eventos, foi uma das primeiras a sentir este efeito. “Assim que houve a primeira medida [de limitação dos eventos a 100, e depois, 50 pessoas] houve uma retracção completa. Só conseguimos operar na primeira semana de Março e a partir daí a nossa facturação teve uma quebra de 90%”, contou Patrícia Veiga a O SETUBALENSE.
Com casamentos, conferências, coffee-breaks e outros eventos cancelados, a empresa viu-se forçada a enviar os seus 10 funcionários para casa, de férias. “Nós temos uma almofada, mas não dura três ou quatro meses. Dura um mês ou dois, se as empresas que trabalham para nós pagarem a tempo e horas”, desabafou. Neste momento, a Grão de Bico Catering não tem “nenhuma perspectiva de trabalho até Junho”.
Quem também fechou a porta, há já duas semanas, dando ordem para os seus oito funcionários ficarem em casa, foi Octaviano Martins, dono do muito conhecido restaurante A Escola, em Alcácer do Sal. “Achei que não valia a pena [continuar a trabalhar com a lotação reduzida a um terço dos lugares]. Estávamos a trabalhar com medo e não íamos pôr ninguém em risco”, explicou, salvaguardando que apesar de os trabalhadores estarem em casa, estão a ser pagos, tendo margem de manobra para aguentar até “um mês e meio”.
O empresário mostra-se consternado e não hesita em descrever a situação da restauração em Alcácer como uma “balsa à deriva no alto mar”. “Sentimo-nos abandonados, está tudo aflito. Já devíamos ter uma linha de apoio para sabermos o que fazer e as câmaras municipais não deviam cobrar taxas durante uns meses”.
Em Setúbal, Ricardo Albino confessa-se apanhado de surpresa. Tinha acabado de reabrir o restaurante japonês, renovado, e só conseguiu trabalhar uma semana, ao passo que o La Picanha só tinha aberto em Fevereiro e estava a facturar bem. Ambos estão fechados há 11 dias, obrigando 12 funcionários a ficar em casa.
Também Renato Velez – dono do restaurantes luso-japonês Carvão Ryöri – se viu obrigado a fechar a porta, porque trabalhar apenas para seis pessoas não compensava (o restaurante tem apenas 18 lugares). “Em Março facturámos apenas 30%”, contou a O SETUBALENSE. Dos quatro funcionários, dois foram para casa em regime de lay-off e outros dois ficarão na cozinha a dar resposta a pedidos de take-away e entregas de comida em casa.
O mesmo deverá acontecer no Carnes do Convento, onde António Assembleia antecipou duas semanas de férias para a equipa de sete pessoas. “Vamos fazer lay-off a partir de início do mês de Abril e na cozinha vão manter-se um ou dois funcionários”, contou. Para já, o empresário não se mostra muito preocupado: “Como somos uma empresa com 18 anos no mercado e temos espaço próprio, temos alguma solidez a nível financeiro e estamos numa situação mais tranquila”.
A situação de possível recurso ao lay-off é semelhante no restaurante Taberna 490, de Sérgio Coelho, onde trabalham nove pessoas. Para começar, anteciparam férias de três semanas e estão a “reajustar tudo para daqui a seis meses”. “E embora a situação aí esteja mais estável, creio que as pessoas vão ter receio”, diz o empresário. “Estarmos a contrair mais créditos agora parece-me imprudente. O lay-off parece a solução menos má”.
A maioria dos empresários que O SETUBALENSE entrevistou pondera recorrer ao lay-off, um mecanismo que permite a redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho de uma empresa durante um determinado tempo. A hipótese de recurso dos patrões a esta medida simplificada já foi anunciada pelo Governo, apesar de a versão final do decreto-lei ainda não ter sido aprovada. Ao ser abrangido pelo lay-off, o funcionário fica em casa sem trabalhar, recebendo a totalidade do salário, que é paga em 30% pelo patrão e em 70% com o apoio da Segurança Social (Estado).
“Era importante que o decreto de lay-off saísse e fosse de aplicação imediata”, concorda Patrícia Veiga, da Grão de Bico Catering. “Temos estado em contacto com a Associação de Hotelaria, Restaurantes e Similares de Portugal (AHRESP) e com a Associação Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos (APECATE), que têm sido bastante interventivas junto das entidades competentes, mas o que é certo é que as medidas saem e não têm sido muito objectivas, que é o que todo este sector necessitava”.
Restaurantes apostam no take-away e entregas em casa
Tendo em conta a situação de isolamento social imposta pelas medidas de combate ao coronavírus, são cada vez mais os restaurantes que estão a redireccionar a sua oferta para o take-away e entregas em casa (delivery), através de plataformas de encomendas como a Uber Eats e a Globo (disponíveis para dispositivos móveis). O Carvão Ryöri já tem pronto um menu com pratos portugueses e japoneses, como sushi, sashimi, temakis e outros. Também a Carnes do Convento deverá entrar nas plataformas de encomendas, à semelhança do Taberna 490, do Sushima e do La Picanha. Já a Grão de Bico Catering aposta nas entregas de comida encomendada através do seu site. Entretanto, a Câmara Municipal de Setúbal lançou a campanha “O Que é de Setúbal Vai Parar à Sua Mesa” como forma de ajudar os negócios tradicionais, sobretudo alimentares, que apostem nas entregas ao domicílio.