Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa diz que não se sente bem com cinzentismos
O Bispo de Setúbal, eleito novo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), diz que a Igreja Católica tem uma posição de princípio bem clara e promete não pactuar com eventuais casos de abusos sexuais.
“A nossa posição de princípio é bem clara. É uma situação com a qual não há possibilidade de pactuar”, porém admite que não pode prometer o fim destes crimes dentro da mesma.
“Gostaria muito de dizer que vamos cortar e acabar. Não o garanto, porque isso ninguém pode garantir”, reflecte D. José Ornelas que considera que a melhor prevenção passa pela criação de condições que permitam evitar este tipo de situações o mais possível, e pela “criação de uma cultura que não tolera coisas destas”.
“Em segundo lugar, é preciso saber como agir com coerência. Temos orientações da Igreja muito claras nesse sentido, e procuramos aplicá-las, no sentido de uma transparência que torne claro para todos que isto não são comportamentos toleráveis. E se acontecem, temos de tirar as devidas consequências e não podem continuar”.
D. José Ornelas falava em entrevista à Lusa, onde revelou que não ficaria incomodado se lhe chamassem “bispo vermelho”, epíteto que foi atribuído ao primeiro responsável da diocese, D. Manuel Martins, já falecido.
“Eu não sou daltónico e gosto de todas as cores. Só com os tons de cinzento é que não me sinto bem. Não me preocupa isso. D. Manuel Martins, que foi ordenado bispo de Setúbal em 1975, foi alguém que marcou o caminho da Igreja de Setúbal no Portugal novo democrático”.
D. José Ornelas respondeu desta forma ao ser confrontado com o percurso de D. Manuel Martins, que muitas vezes se juntou à luta de trabalhadores ameaçados de despedimento e na defesa dos direitos dos mais desfavorecidos no período pós-revolucionário do 25 de Abril de 1974.
Bispo de Setúbal desde 2015, D. José Ornelas também já fez ouvir a sua voz em defesa dos estivadores de Setúbal contratados à jorna e, mais recentemente, para mostrar a sua indignação pelas condições de vida de dezenas de famílias que vivem no bairro da Jamaica, no Seixal, e que considerou “uma vergonha”.
Assim, não só diz não estar nada incomodado com a possibilidade de o apelidarem de “bispo vermelho”, como elogia o percurso do primeiro bispo de Setúbal que “não se guiava por cores mas pelo Evangelho”, e tinha a ideia de que “o mundo deve ser de cuidadores e não de predadores”.
A crise da igreja, de que alguns falam, foi também abordada pelo bispo, que considera ser esta uma oportunidade de “reavaliação e reequacionamento das próprias questões, das perguntas que se fazem para poder encontrar caminhos”.
Referindo que é preciso equacionar e não ser “fiel ao passado”, afirma que “não se sentiria bem numa Igreja que vestisse toda a mesma camisa e que fosse toda direitinha. É natural que haja opiniões diferentes dentro da Igreja. Sempre houve e isso é salutar. Muitas vezes há vozes incómodas, mas, mais perigosa do que o incómodo das vozes dissidentes, é a unanimidade acrítica”.
O Bispo de Setúbal referiu ainda a responsabilidade e apoiar famílias mais carenciadas – muitas surgiram com esta crise pandémica -, e apontou que houve um aumento de 25% de pessoas nesta situação em todas as paróquias.
“Há três semanas estávamos a assistir 17 mil pessoas – cinco mil famílias. Não somos só nós, porque nesta península, graças a Deus, há muitas outras instituições que ajudam pessoas. E são pessoas que, de um momento para o outro, se viram privadas de uma vida que tinham bem organizada”, sublinhou.
Lusa