Os anti-regionalização estiveram ontem debaixo de fogo em Setúbal, e o Governo também levou pela tabela por não olear este processo de revolução de administração
A regionalização tem sido um tema opaco para alguns políticos e bem claro para os autarcas que a defendem, e alguns eleitos locais estiveram ontem presentes na Conferência “Que Regionalização Queremos?” que decorreu no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal, no debate sobre esta matéria, reunindo eleitos municipais, deputados e público. O sim à regionalização venceu entre as intervenções, que não se encolheram em críticas aos cépticos desta ‘revolução’ administrativa e acusaram o Governo de disfarçar a regionalização com a descentralização de competências para as autarquias.
Entre as vozes em defesa da regionalização estiveram João Cravinho e Rui Moreira, para além da presidente da Câmara de Setúbal, e os presidentes das câmaras de Oeiras, Loures e Vila Nova de Gaia.
A Comissão independente para a Descentralização, convocada pela Assembleia da República, produziu um relatório que aponta para o “avanço imediato de regiões administrativas”, relembrou João Cravinho, ex-presidente desta comissão, na Conferência “Que Regionalização queremos?”.
Para o ex-presidente desta comissão, apesar da legitimidade das opiniões, a favor e contra, a defesa da regionalização tem agora “novos argumentos”, e mostra “mais vantagens para o interesse nacional”, e aprofundamento democrático que envolve os cidadãos”. Este um muito breve resumo do documento de três volumes que foi entregue a 31 de Julho ao Presidente da Assembleia da República sobre a reforma administrativa do território.
Acrescentava o ministro da Administração do Território do governo socialista de António Guterres, que a regionalização é “uma oportunidade imperdível para fazer a grande reforma da administração central”, e “garantir aos portugueses”, em qualquer parte do todo nacional, “mais prosperidade”.
Bastante duro com os engulhos que têm sido colocados no caminho da regionalização foi o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, um indefectível defensor da administração regional, que abriu o primeiro painel de debates, lembrando que a regionalização tem sido uma promessa das várias repúblicas nacionais, desde 1910, mas nunca avançou, e com este impasse, “o País não está melhor”, “nem existe melhor distribuição de riqueza”, disse.
Afirmando-se crítico sobre o modelo do actual Governo de promover a descentralização de competências, Rui Moreira acusou que esta “não aproxima o poder dos cidadãos”, e não é mais do que o executivo de António Costa a querer que “sejam as autarquias a tratar daquilo que é uma maçada para o Estado”. Uma opinião também reflectida pelo presidente da Câmara da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, e pelo presidente da Câmara de Loures, Bernardino Soares. Aliás, todos os autarcas que intervieram na conferência defendera a regionalização e apontaram que o Governo está a misturar delegação de competências com regionalização.
“Querem que os municípios sejam meros executores de tarefas administrativas” de transferência de competências, sempre, “cuidadosamente vigiados pelo Estado centralizador que não abdica do seu poder”, afirmava Isaltino Morais que dava o exemplo da descentralização na Educação; “um presentão envenenado”, classificava.
Para acabar com reticências que ainda existem entre os que contestam a regionalização, Rui Moreira foi bem claro a dar como exemplo a pandemia. “Foram os autarcas que deram ‘rodas’ para resolver as questões”, enquanto “o poder centralizado em Lisboa só apresentou questões numéricas sobre a pandemia e não resolveu”.
Sobre a questão da regionalização estar agarrada ao referendo, os autarcas consideram que só assim é porque o poder político, e os partidos, estão ‘preso’ a uma armadilha que “eles próprios criaram”. Como dizia Rui Moreira, a regionalização é um processo mais “ágil de actuação”, trata-se de “substituir o elefante pelo antílope”. A isto acrescentava o presidente da Câmara da Câmara de Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, que os partidos “querem a regionalização, mas falta-lhes coragem para a fazer”.
Para a presidente da Câmara de Setúbal, Maria das Dores Meira, a regionalização, “é um desígnio constitucional prometido e adiado sistematicamente”, sendo já tempo de “abandonar” a “visão centralista do poder que tantos problemas causa às populações”. E acrescentou: “o País precisa de ter novos níveis de poder que estejam mais próximos daquilo que as pessoas precisam; níveis que possam ser governados por aqueles que lá estão para lá do Marão” no caso de Setúbal, a norte do Sado. Comenta maria da Dores Meira a regionalização “é tão importante que há até quem prefira que não falássemos dela”.
“Que Regionalização Queremos?” integra o ciclo de conferências Praça da Liberdade, de âmbito nacional, dinamizadas ao longo do ano pelo Jornal de Notícias em vários pontos do país.