Adilo Costa conta como foi preso pela PIDE por falar sobre a Guerra Colonial e partilha como viveu o momento da liberdade
Em 1968 Portugal estava mergulhado “na ditadura, no medo e na censura e era um país cinzento”.
Porém, no antigo Liceu de Setúbal, actual Escola Secundária du Bocage, andava um aluno que, com 16 anos, abriu os horizontes do pensamento. Com a influência de colegas, amigos e alguns professores, veio a tornar-se o candidato mais novo às eleições de Outubro de 1973 com apenas 20 anos.
Adilo Costa residia em Setúbal, mais concretamente no Bairro Dias Ferrão, na actual União das Freguesias de Setúbal, e, nesta terra banhada pelo Rio Sado, começou a dar os primeiros passos na luta pela liberdade e pelo fim da Guerra Colonial.
Com 17 anos de idade passou a frequentar o Círculo Cultural de Setúbal, na Avenida 5 de Outubro, onde, com Zeca Afonso, dava aulas e falava sobre política. “Comecei a despertar e foi aí que vi. O Portugal que me diziam que existia não correspondia à realidade. Era um Portugal pobre, com muitas desigualdades sociais e falta de liberdade de expressão”, contou Adilo Costa a O SETUBALENSE.
‘Embebido’ nos ideais da oposição partidária antifascista, Adilo Costa começou a discursar em vários comícios políticos. Nestes, falava em último lugar, pois abordava o fim da Guerra Colonial, tema que dentro da censura “era o mais grave” de ser contestado.
“Quando mostro as fotografias dos comícios toda a gente pensa que é depois do 25 de Abril, mas não é. Havia muita adesão, principalmente por parte dos jovens trabalhadores e estudantes. Todas estas reuniões eram seguidas pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). Eles sabiam o que nós dizíamos e sabiam quem nós eramos”, explicou.
Estas acções “realizavam-se por todo o distrito”, sendo que Adilo Costa refere-se à linha da Comboios de Portugal (CP), que vai das Praias do Sado até ao Barreiro, como o “comboio da liberdade”, já que este transporte permitiu levar “montes de jovens pensadores” até aos locais onde eram realizadas discussões com outros grupos de oposição, nomeadamente no ginásio da Baixa da Banheira.
Com o aproximar das eleições de Outubro de 1973, Adilo Costa acabou por ser indicado, num plenário realizado num armazém na Estação Ferroviária de Palmela, para encabeçar a candidatura da Comissão Democrática Eleitoral (CDE).
Neste ano também trabalhou nas teses e inquéritos apresentados no 3.º Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro. “O regime queria demonstrar ao estrangeiro que estavam a fazer eleições livres, mas de facto não foram. Existe um relatório elaborado pela PIDE onde o agente admite ter votado 23 vezes e que não votou mais porque o carro avariou”, desabafou, antes de partilhar um dos períodos mais negros que vivenciou.
“Fui espancado até ficar anestesiado”
Mesmo com a derrota nas eleições, Adilo Costa, actualmente com 69 anos, continuou a frequentar comícios de oposição ao regime, mas, desta vez, um aviso tinha-lhe sido dirigido pela PIDE para não falar nem incentivar o fim da Guerra Colonial.
“Já tinham acabado todos os discursos, eu sabia que eles não queriam que eu falasse, mas perguntei ao auditório se queriam ouvir as minhas palavras, todos disseram que sim, então não tive escolha se não falar sobre o tema da guerra”.
Como consequência, a PIDE deteve Adilo Costa em casa dos pais com recurso a armas de fogo. Foi levado para a prisão de Caxias e foi espancado e interrogado. “Tive a tortura do sono durante nove dias, cinco mais quatro. Enfim, fui espancado, nada de diferente do que aconteceu com outros companheiros, estive sempre isolado”, desabafou.
Por falta de fundamento e depois de uma grande pressão exercida por parte de grupos anti-regime e pelo próprio Zeca Afonso, Adilo Costa acabou por ser libertado.
“Quando o regime caiu nós saímos à rua, era o nosso momento”
Em seguida, explicou que “quando estava na Avenida Luísa Todi, perto das 09 horas para ir trabalhar, o chefe de oficina parou o carro” perto de si e disse “Adilo houve um golpe em Lisboa!”.
“Eu parei e pensei que tinha sido feito pelo general Kaulza, um movimento mais extremista, e ainda fiquei com mais temor, mas então o chefe de oficina acrescenta “eu ouvi o Zeca [Afonso] na rádio”. Respirei fundo e fiquei incrédulo”, disse Adilo Costa, sem deixar que o tempo lhe leve a memória e a sensação do momento.
Os militares pediram à população para ficar em casa até ordem em contrário. A mensagem “difundiu-se rapidamente e acompanhava-se tudo na rádio”. Já no período da tarde, a Baixa de Setúbal “estava cheia de pessoas”. Era o momento da liberdade.
“O que mais mudou desde o 25 de Abril foi a liberdade de expressão. Às vezes até falamos demais e dizemos algumas parvoíces, mas podemos fazê-lo e dizemos o que sentimos”, termina, com orgulho.