Instituição e Rotary Club uniram forças para criar a cozinha pedagógica, que é também o símbolo da carreira de uma funcionária muito especial
A “Sala da Tina”. É com uma homenagem à sua funcionária mais antiga que a Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Setúbal (APPACDM) reabre as portas da renovada cozinha pedagógica no Centro Sócio Educativo da Quinta da Serralheira.
Um projecto concretizado com o apoio solidário do Rotary Club de Setúbal, que conseguiu reunir materiais no valor de cerca de 900,00 euros, com o objectivo de trazer mais formação e autonomia, aos utentes que utilizam este espaço.
O lugar que Albertina Conde, a Tina, comanda há dezasseis anos, com autoridade de tenente e gestos de mãe. E que, mesmo aos 84 anos, a leva a riscar da sua vida a palavra “reforma”. “Até porque, do início ao fim do dia, a APPACDM faz parte da minha vida e desta cozinha sai, todos os dias, muita alegria”, afirma.
Mas, o caminho de Tina na instituição começou muitos anos antes. “Pelo menos há 47”, afirma José Salazar, presidente da direcção da APPACDM.
“Ela é a memória viva da instituição, que celebra 50 anos de existência em Setúbal. É um paradigma dos nossos funcionários. Alguém que nunca disse que não a nenhum desafio. E não há nenhum utente ou colega que não a respeite”, elogia José Salazar.
O professor recorda ainda o tempo, antes daquilo que apelidou de “grande revolução” (a pandemia), quando toda a gente passava por aquela antiga sala “há procura de qualquer coisa”. Porque nas mãos da Tina havia sempre “qualquer coisa” para todos. Gestos de alguém que considera “insubstituível, enquanto exemplo de vida”.
A ideia da homenagem surgiu à medida que as obras de requalificação da cozinha pedagógica avançaram e a reflexão sobre o potencial do espaço foi aprofundada.
“Entre a instalação de novos equipamentos, das pinturas, da renovação da parte eléctrica, todos começamos a reflectir sobre o quanto estas coisas, muito simples, iam fazer a diferença no dia-a-dia da instituição e naquele que foi e é, o legado da Tina”.
Com o passar dos anos a cozinha transformou-se numa sala mista, “onde utentes e funcionários se juntavam a fazer as suas refeições ou apenas conversar”. Agora, com esta requalificação a sala vai passar a ser utilizada exclusivamente pelos utentes da APPACDM que, com a ajuda da Tina, podem preparar ali as próprias refeições.
“Nesta fase inicial não vai ser possível fazer tudo o que pensávamos devido às contingências impostas pela Direcção-Geral da Saúde, devido à Covid-19”, explica José Salazar.
Ainda assim, mesmo de uma forma mais controlada, passo a passo, grupo a grupo, a cozinha “começará a ganhar um caracter mais formativo, a partir do qual os utentes vão ganhar mais autonomia”.
Do simples nascem as acções mais importantes
Ontem a nova cozinha começou a funcionar. “E embora pareça um espaço muito simples, não podemos esquecer que das coisas simples nascem as acções mais importantes”, defende Carlos Guerreiro, actual presidente do Rotary Club de Setúbal.
Nos últimos anos “esta é, pelo menos, a terceira vez que o club ajuda a APPACDM”. Embora o Rotary Club de Setúbal, “não seja uma organização assistencialista”, promove precisamente projectos como o da nova cozinha pedagógica, “que visam a sustentabilidade das actividades ocupacionais e educativas desenvolvidas pela instituição”, explica Carlos Guerreiro.
Um projecto que “estava na calha desde 2018”, recorda Maria Helena Fragôso Mattos, vice-presidente do Rotary Club de Setúbal, e anterior presidente da organização. “Até ficar concluído pelas mãos do actual presidente. Afinal a roda, símbolo dos rotários, significa a continuidade”.
Na rotina da Tina não há espaço para a palavra “reforma”
Antes das contingências que a Covid-19 veio impor às rotinas da APPACDM, o dia da Tina começava pelas 8h00, “na volta da manhã para ajudar a recolher os utentes”, recorda. Depois, na chegada à Quinta da Serralheira “jogava mãos ao trabalho com os meninos”, para fazer dezenas de lanches com a ajuda da Rosa, da Claúdia, do Tiago e tantos outros que já lhe fizeram companhia na cozinha. Tina gosta que eles estejam sempre presentes e trabalhem consigo. “Porque o mundo deles é especial, tem um sentir puro”.
A partilha com “os meninos e meninas” da APPACDM é sinónimo de “alegria”. Até, porque, afinal é esse sentimento que todos os dias se cozinha na ‘Sala da Tina’. E não são apenas os utentes pedem as suas iguarias. “Também os professores ligam a perguntar: “quando é que vou comer a massinha de peixe, ou as iscas”.
Depois ainda há tempo para bolos de aniversários, sobremesas, biscoitos. Receitas só da Tina, bem guardadas, que nem em tempo de pandemia pararam de sair do forno. Porque desde que o estado de contingência vigora, Tina abraçou o desafio de desempenhar funções nas valências que a APPACDM mantém no Viso.
Esta é a sua “família” e nos últimos meses parar a sua habitual rotina “custou muito”. Agora só espera que tudo regresse ao normal “rapidamente”, porque, “reforma” é uma palavra que não inclui na sua vida.