19 Abril 2024, Sexta-feira
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Eugénio da Fonseca: “O padre José Lobato foi pronto a abrir os arquivos da diocese à comissão, alguns resistiram”

O actual presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado e ex-responsável pela Cáritas Diocesana de Setúbal disseca o caso dos abusos sexuais na Igreja

 

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Eugénio da Fonseca, 65 anos, presidiu à Cáritas Diocesana de Setúbal e à Cáritas Portuguesa. Hoje lidera a Confederação Portuguesa do Voluntariado. Em entrevista, sem filtros, à Popular FM e a O SETUBALENSE, passa “a pente fino” aquele que considera ser um “período negro da Igreja” e defende a criação de um memorial simbólico num local público para o assinalar. “Não nos envergonharia nada”, justifica.

Classifica de “monstruosos” os actos cometidos sobre as vítimas, por “gente que não devia estar na Igreja” e comenta a ausência de resposta da administração da Diocese de Setúbal às chamadas da comissão independente. Isenta o padre José Lobato de qualquer responsabilidade, mas não em igual medida D. José Ornelas.

Ao todo são 512 testemunhos recolhidos pela Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa. Como vê toda esta situação? Reflete de alguma forma uma “hipocrisia” latente em parte da Igreja e também da nossa sociedade?

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É, para nós católicos, uma situação muito vergonhosa que nos lança um desafio enorme, o de uma mudança estrutural daquilo que não só acontece em Portugal, porque é um problema que vem já a atingir muitas igrejas em vários países. É uma questão com a qual o Papa Bento XVI sofreu bastante e com a qual o Papa Francisco tem tido tolerância zero.

Irlanda registou 15 mil casos, Estados Unidos da América teve mais de 11 mil queixas e [a Igreja gastou] milhões em acordos extra-judiciais com vítimas, França 330 mil crianças, Inglaterra teve 390 membros do clero condenados, Alemanha 3.677 casos, sem contar Espanha, Austrália, Itália. Portugal no final de 1990 tinha o caso do padre Frederico. Isto não fez soar os alarmes?

Não me admira que os números agora identificados pela comissão independente venham a subir. Embora isto nos responsabilize a todos, católicos, e que tenhamos todos de repensar que caminho havemos de seguir daqui para a frente, o que peço é que digamos que isto foi praticado por gente que não deveria estar na Igreja Católica.

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Todos temos os nossos erros, as nossas contradições, mas a este nível tão horrível, tão escabroso… Isto não foi só praticado por padres, também foi praticado por leigos, por pessoas que animavam grupos de jovens, por professores da disciplina de Moral. É horrendo. Sem desculpar aqueles que deviam ter trazido isto à luz do dia, que foram colocando para debaixo do tapete e fizeram mal. Desejo muito que isto não volte a acontecer. Isto é um mau período da história da Igreja, não só em Portugal. A melhor reparação que se pode fazer àqueles que foram vítimas destes monstruosos actos é que, tanto quanto possível, se previna para que isto não volte mesmo a acontecer.

Que explicação podemos encontrar para tudo isto, quando falamos de uma instituição que deve ser o último reduto, a última fronteira na defesa dos mais vulneráveis?

A explicação tenho de entregar às ciências psiquiátricas, porque cada caso é um caso. Mas isto tem muito a ver com o facto de como a Igreja lida às vezes com as questões da dimensão da sexualidade. Muitas vezes não temos sido capazes de integrar a sexualidade na dimensão global da formação da pessoa e isso depois também se reflecte na formação dos próprios padres e até na formação que se faz dos próprios católicos. Há um grande trabalho a fazer na educação para os afectos. Por outro lado, no que diz respeito aos padres, há que fazer uma boa escolha, se isto é possível. Há aqui uma dimensão em que têm de entrar as ciências da psiquiatria, da psicologia, para o estudo da personalidade das pessoas, porque grande parte dos abusadores já foram abusados. Tudo parte de uma educação, tudo parte da própria Igreja situar os seus valores éticos e morais no que diz respeito ao sector da sexualidade, com toda a sua normalidade, e não se fixar muitas vezes a sua moral apenas no que toca a esse sector.

Significa isso que defende que deva ser discutido o celibato na Igreja?

Acho que não há uma relação de causa-efeito. Acho que a solidão é um problema muito difícil de gerir para os celibatários, defendo que é urgente resolver esse problema e colocá-lo opcional. Quem quisesse casar, casaria, quem não quisesse casar, continuaria celibatário. Pior do que o celibato é às vezes a relação de poder que se criou, a Igreja tem um problema muito grande para resolver que é o poder que se concentrou dentro de uma determinada faixa da Igreja, que é o próprio clero. Concentrou-se muito poder dentro da Igreja, nos clérigos.

Pode conferir de certa forma o sentimento de impunidade?

É isso. Estive na divulgação do estudo [da comissão independente]. O que me impressionou muito foi a narrativa daquilo que era dito às vítimas para se praticar os actos. [Haviam] cedências por parte das vítimas porque viam uma figura que encarnava um poder e depois até se calavam porque tinham receio das represálias daquele poder. Como até se invocava o poder Divino. Isto é altamente ultrajante. Este poder na Igreja tem de ser mais partilhado, porque ela não nasceu assim.

Mas é um poder também respaldado pelas próprias comunidades onde a Igreja está inserida.

É isso que tem de ser repensado. Acho que o grande problema da reestruturação da Igreja vai estar aí. Costumo dizer, quando me refiro às questões da pobreza e das igualdades, que o problema não está na distribuição do dinheiro, está na distribuição do poder. É muito mais fácil distribuir dinheiro do que poder e esse vai ser o grande problema nos tempos futuros, porque na Igreja o poder tem de existir. O poder tem de ser entendido como serviço e isso na Igreja, ao longo dos séculos, veio a transformar-se numa coisa às vezes até medieval, imperial e chegamos aqui. Temos um património ético que nos traz responsabilidades acrescidas.

Voltando ao relatório, a Diocese de Setúbal identificou entre 11 e 25 testemunhos à comissão independente. O que acha destes números? Dizia estar convencido de que iriam crescer. Na nossa região também?

Não conheço a situação. Ela está ainda na posse da comissão independente, ouvi dizer que no fim do mês essa lista será apresentada à Conferência Episcopal. Dos 100 casos que serão apresentados, 25 serão também apresentados ao Ministério Público [MP]. E desses não quer dizer que todos venham a ser arguidos. Esta foi apenas uma comissão de estudo, não foi uma comissão que tivesse de encarnar o papel do MP. Ela não tinha nada de ouvir os abusadores, tinha de dar voz ao silêncio. Foi isso que a Conferência Episcopal lhe pediu. Agora, estão a querer denegrir o relatório, dizendo que ele não é válido porque não ouviram o contraditório. Ora, isso não é possível, porque não era a missão da comissão. O dia 3 de Março vai ser muito importante. Todos os bispos de Portugal vão reunir-se para com o conhecimento das propostas apresentadas pela comissão independente tomarem as primeiras decisões.

O relatório aponta que um administrador diocesano de Setúbal nunca respondeu às chamadas feitas pela comissão. Mas a Diocese de Setúbal garante que o padre em questão nunca recebeu qualquer contacto. Isto encerra uma grande contradição.

Isso está explicado. O padre José Lobato é uma pessoa que era incapaz de não responder a esse inquérito. Tanto mais que foi logo pronto, enquanto alguns resistiram, a abrir os arquivos da diocese para que a comissão pudesse investigar o que quisesse. O administrador abordado foi o Bispo D. José Ornelas que, na altura, estava na diocese como administrador. Ele foi nomeado para Leiria-Fátima e foi naquele período curtinho, entre a desvinculação de Setúbal e a tomada de posse da sua nova Diocese de Leiria-Fátima. A carta que vem a pedir a tal entrevista é anterior à tomada de posse do administrador apostólico padre José Lobato. D. José Ornelas, com esta perturbação da mudança, não se negou a responder, adiou a resposta, porque depois veio a responder como Bispo de Leiria-Fátima.

E por que não respondeu logo, em vez de adiar?

Porque andava ocupado com a mudança, havia prazos canónicos para tomar conta da outra diocese. Não foi obstrução, porque ele respondeu depois.

Não acha que a prioridade deveria ser responder?

Também fiquei surpreso. Mas quando sai o comunicado da Diocese de Setúbal e se vê as datas, quem não tem responsabilidade é o padre José Lobato. E D. José Ornelas também não tem uma responsabilidade de negação de resposta. Foi apenas um descuido de datas, adveniente do facto de de andar também com outra preocupação. Não quer dizer que esta não fosse importante, mas havia um prazo que estava delimitado.

Mas também não se pode dizer que tenha havido uma preocupação maior para com este caso em detrimento da mudança para a Diocese de Leiria.

Mas o objectivo da comissão foi atingido na mesma, porque a pessoa em causa respondeu. Já não como Bispo de Setúbal, mas como Bispo de Leiria-Fátima.

Qual entende que deve ser o próximo passo a dar pela igreja católica portuguesa?

Ver uma estratégia, muito discreta, de aproximação às vítimas. Perceber até que ponto precisam de um apoio psicológico ou até psiquiátrico, qual o esforço financeiro que estão a fazer para tê-lo e se estão a fazer esforços financeiros a Igreja tem de aliviar esse esforço. Em primeiro lugar atenuar a dor interior que tem dilacerado as pessoas. O perdão já se pediu publicamente mais do que uma vez, mas acho que o perdão tem de ser intencional, tem de ter uma intenção objectiva. E também acho que devia haver o gesto da Igreja, simbólico, de [criar] um pequenino memorial – não nos envergonharia nada – num sítio público, que marcasse este período negro da Igreja.

“D. Manuel António está livre e pode ser Bispo de Setúbal”

O antigo responsável pela Cáritas Diocesana de Setúbal reconhece que o processo já deveria estar resolvido. “Corremos o risco de cada paróquia entrar em autogestão”, alerta.

A Diocese de Setúbal está há cerca de um ano sem bispo. Não lhe parece demasiado tempo?

Não somos só nós, também Bragança-Miranda. Isto nunca acontecia. Se estivermos tanto tempo à espera e depois o Papa Francisco nos nomeie um bispo que venha servir esta esta porção de igreja que está aqui em Setúbal e que entenda bem a realidade desta região, já vale a pena a espera. Mas realmente é já demasiado. Quase que já se esqueceu que existe bispo. Corremos o risco de cada paróquia entrar em autogestão e de o bispo ter depois muito mais dificuldade para voltar a reunir todos.

Quem seria um bom bispo na sua opinião para Setúbal?

Um bispo que tivesse muita objectividade nas suas decisões, capaz de ouvir a todos na diversidade do pensamento, mas que depois dissesse ‘é por aqui que vamos’.

D. Manuel António dos Santos e D. Armando Esteves foram dois nomes falados.

Um [D. Armando Esteves] já está na sua outra diocese. O outro [D. Manuel António dos Santos] foi Bispo de São Tomé, por sua vontade renunciou à Igreja de São Tomé, e é um bispo que está livre. Pode ser.

Presidiu à Cáritas Diocesana de Setúbal. Que leitura faz hoje dos consulados que lhe seguiram?

Têm feito uma coisa boa: não têm tido aquilo que geralmente têm os sucessores, a que D. Manuel Martins chamava o “síndrome do sucessor”, que é matar a memória do antecessor. Mas, não me compete fazer essa avaliação. A avaliação é feita pelos frutos e quem colhe esses frutos é a sociedade de Setúbal. Eu, a fazer essa avaliação, estaria a condicionar a avaliação dos colaboradores da Cáritas, da própria diocese. Se eles me perguntarem pessoalmente, sou capaz de lhes dizer. Em termos públicos, acho que não devo fazer.

“Testemunho uma gestão séria no Vitória, toda a gente está com salários em dia”

Eugénio da Fonseca faz um balanço positivo à gestão do clube e apela à união da massa associativa. Admite que há que repensar questões técnicas, mas essas, lembra, são do foro da SAD.

Assumiu a liderança do Conselho Consultivo Vitoriano, para o triénio 2021-2023. Que balanço faz ao clube quando se aproximam eleições?

Independentemente dos resultados futebolísticos é um resultado positivo. Estou a falar de uma gestão séria, de gente que eu testemunho que teve muitas vezes de pagar para poder exercer o seu trabalho. Estamos a falar de um Vitória em que, salvo uma ou outra excepção incluída no PER, toda a gente está neste momento com salários em ordem. Neste campo da gestão, digo que o Vitória está bem. Não se conseguiram aqueles resultados que sobretudo os adeptos do Vitória desejariam.

Não sou muito entendido nas questões do futebol, vou ouvindo os conselheiros e acho que há que repensar algumas coisas em termos técnicos. Mas isso pertence à SAD. Gostava era de ver uma massa associativa mais coesa. Se fossemos mais coesos, mais unidos, se calhar não abusavam tanto das fraquezas que o Vitória tem face a outros clubes. Não nos castigavam tanto, não nos multavam tanto. Se calhar o processo que está agora no tribunal administrativo para nos libertar da condição da liga em que estamos, corria mais célere.

Esta entrevista pode ser ouvida na íntegra no canal YouTube da PopularFM 90.9.

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