19 Abril 2024, Sexta-feira
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Mário Vale: “A Península de Setúbal perdeu fulgor na última década”

Investigador da Universidade de Lisboa defende medidas excepcionais de investimento público e de acesso ao PRR como forma de reequilibrar os níveis de desenvolvimento na Área Metropolitana de Lisboa

 

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Investigador do Centro de Estudos Geográficos (CEG) do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa, ajuda-nos a olhar para o ordenamento da região e a compreender o problema do acesso aos fundos europeus. Mário vale reconhece que alterações do mapa das NUT apenas por razões financeiras terão pouca adesão em Bruxelas. Explica que a NUT III, por si só, não resolve o acesso aos fundos comunitários, a não ser que a Península de setúbal opte por integrar a região do Alentejo, que é uma NUT II que recebe mais financiamento por ser considerada mais pobre.

Quando olha para o distrito de Setúbal que ordenamento do território vê?

Esta é uma questão muito interessante. O distrito de Setúbal é marcado pela importância da própria cidade e do Porto de Setúbal, a par do Arco Ribeirinho Sul da Área Metropolitana de Lisboa, que se desenvolveu, a partir dos anos 60, com um acentuado processo de suburbanização. No entanto, a formação de um complexo industrial assente em indústria pesada e em unidades de grande dimensão – por exemplo a indústria química, siderurgia, a construção e a reparação naval -, constitui um traço importante da organização da península de Setúbal. Com a crise económica dos anos 70, parte deste complexo industrial ‘fordista’ foi sendo desmantelado, com consequências sociais muito graves. Todos nos lembramos da situação social explosiva, na Península de Setúbal, que daí adveio. Com a integração de Portugal na União Europeia, a Península de Setúbal beneficiou, como de resto todo o País, do acesso a fundos estruturais que apoiaram a atracção de investimento internacional, cujo resultado mais palpável é mesmo a presença da Autoeuropa, no concelho de Palmela. É o grande complexo industrial instalado em Portugal. O próprio Arco Ribeirinho SUL melhora o acesso a Lisboa, com a Ponte Vasco da Gama e a introdução do caminho de ferro na Ponte 25 de Abril. Assim, em vez de termos um arco urbano industrial e a cidade de Setúbal no extremo sul, o modelo espacial passa a ter uma configuração quase como um “y “, articulando-se o Arco Ribeirinho Sul até Setúbal, precisamente através deste eixo do Pinhal Novo – Palmela, reforçando a sua ligação à margem norte da Área Metropolitana de Lisboa. Sobre esta nova configuração do território, seria também interessante referir a importância do Alentejo Litoral, uma vez que o Porto de Sines tem um papel estratégico para o desenvolvimento do próprio País, bem como a actividade agrícola e o turismo, que predominam nestes municípios meridionais do distrito de Setúbal. É inescapável falar da dimensão ambiental e da qualidade dos recursos e património natural da Península de Setúbal (estuários do Tejo e do Sado, parque Natural da Arrábida), que a tornam num território singular.

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Como avalia as políticas de desenvolvimento, que têm sido seguidas desde o 25 de Abril, na região?

Desde a Revolução de Abril que as políticas para o desenvolvimento da região se orientaram para a modernização económica e para internacionalização da sua base económica. É preciso referir que a Península de Setúbal sofreu uma forte crise económica em finais dos anos 70, que se prolongou para os anos 80, e que a grande Operação Integrada de Desenvolvimento (OID) da Península de Setúbal formatou um conjunto de intervenções que que culminaram, como já referi na questão anterior, na instalação de um cluster automóvel. Se olharmos para todo este processo, vemos que foi criado muito emprego, mas nem sempre estes processos de reestruturação industrial conduziram à criação de emprego estável, qualificado e bem remunerado, designadamente nas reestruturações do complexo químico. Hoje falamos, controversamente, num novo aeroporto de Lisboa na margem sul do Tejo. Discutimos novas travessias no Tejo e a ligação de alta velocidade a Madrid. Desde este ponto de vista, a Península de Setúbal tem uma localização estratégica que a pode beneficiar. Mas o desenvolvimento não se resume apenas a ganhos e os trade-offs ambientais ou sociais devem ser bem equacionados e minimizados. É por isso que creio que as políticas futuras devem ser mais orientadas numa lógica assente na valorização dos lugares e das comunidades. Esta orientação de políticas placebased tem vindo a ser reconhecida na Europa como uma solução adequada para o desenvolvimento regional. Esta orientação implica uma forte “voz” da região, dos seus múltiplos actores, no desenho, implementação e avaliação das políticas.

Como vê a situação actual da Península de Setúbal?

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A Península de Setúbal terá perdido algum fulgor na última década e isso relaciona-se de alguma forma com as crises que atravessámos (a grande crise financeira internacional e também a actual crise da Covid-19). A eventual divergência de crescimento económico para o resto do País, e sobretudo para a Europa, implica uma particular atenção ao investimento público e, desde logo, a um acesso reforçado aos fundos estruturais, que têm constituído a principal alavanca para o investimento em Portugal. É um facto que a Península de Setúbal tem um cluster automóvel muito competitivo e tem um porto importante para a economia da região, bem como se antevêem novos investimentos (Plano Nacional de Investimentos) na região, mas é decisivo dar atenção ao tecido das pequenas e médias empresas inovadoras e potenciar a sua articulação com o ensino superior e o sistema de ciência e tecnologia e apoiar a transição energética e digital. É também indispensável afrontar as desigualdades sociais, o acesso ao mercado de trabalho, a educação e formação, bem actuar ao nível das políticas de habitação. Uma região desenvolvida é também inclusiva e sustentável.

A NUT é importante para a região? Porquê e como? Fala-se em NUT II e NUT III.

Quando discutimos a questão das NUT essencialmente estamos a falar de acesso aos fundos comunitários. Com a integração da Península de Setúbal na Área Metropolitana de Lisboa, que constitui uma NUT II, o financiamento comunitário reduziu-se drasticamente devido ao elevado nível de desenvolvimento da região. Saem prejudicados essencialmente os municípios da Península de Setúbal, mas na verdade também alguns dos municípios da margem norte com menor nível desenvolvimento. Esta questão deve ser de facto analisada, mas a reposição da NUT III Península de Setúbal não trará necessariamente um aumento de financiamento, excepto se for integrada, por exemplo, na região Alentejo. Poderá, no entanto, dar-lhe maior coerência na definição de uma estratégia mais focada nos problemas da Península de Setúbal. No entanto, lógicas estritamente financeiras para redesenhar o mapa das NUT III não são facilmente acolhidas em Bruxelas e é um facto que a população da Península de Setúbal vive e trabalha numa área metropolitana, onde muitas pessoas quotidianamente se deslocam para a margem norte para trabalhar e estudar ou para aceder a determinados serviços (cultura, saúde, etc.). Mas admitindo o desequilíbrio entre ambas as margens da AML, justificar-se-ia a adopção de medidas excepcionais quer ao nível do investimento público, quer no aproveitamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). E seria porventura uma boa estratégia capacitar a instituição Área Metropolitana de Lisboa e justificar a criação de um programa operacional para as áreas metropolitanas europeias, financiado pela UE, numa lógica similar ao Fundo de Coesão, em que o nível de desenvolvimento das regiões não é levado em linha conta, apenas se considerando o nível do PIB per capita do país. Esta poderia ser a solução mais consistente, garantindo maior nível de investimento sem quebrar a lógica metropolitana.

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