19 Abril 2024, Sexta-feira
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Tamarina: uma “herança” de família que se tornou doce tradicional de Sesimbra

Inventado por uma pasteleira local nos anos 30 do século XX, o famoso bolo foi elevado a doce tradicional, em 2022

 

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Distinguir uma pastelaria sesimbrense das restantes não é tarefa difícil. Entre os típicos pastéis de nata e bolas de berlim exibidos na montra, basta procurar pelo bolo que foi promovido a doce tradicional de Sesimbra, em 2022. Com formato triangular, recheio convidativo e côco ralado por cima, a famosa Tamarina consegue deixar a salivar até os menos gulosos. “Não é difícil de fazer, mas é trabalhosa”, alerta Maria Dulce Bronze, de 52 anos. À receita, conhece-a bem, ou não fosse neta da pasteleira local, criadora da Tamarina. O ano passado, a convite da Câmara Municipal de Sesimbra, Maria Dulce organizou um workshop no qual revelou a receita de família aos pasteleiros da região.

“Faz-se um pão de ló fofinho, com recheio à base de ovos, leite e farinha Maizena”, conta. Para finalizar, basta “polvilhar com côco ralado”. A intenção não é fazer da receita segredo, mas sim partilhar com o maior número de pessoas aquela que considera ser a sua “herança” de família. Se hoje é possível comer Tamarinas é tudo graças a Angeolila Zegre, a avó de Maria Dulce, inventora da receita na década de 30 do século XX.

Angeolila nasceu em Setúbal, mas mudou-se para Sesimbra ainda nova, onde comprou uma taberna em conjunto com o marido. Aí, com a ajuda de um forno a lenha, criou as primeiras Tamarinas que levaria mais tarde para a pastelaria alugada, Tá Mar, que funcionava na Rua Cândido dos Reis. “Daí o nome Tamarina”, explica a neta.

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O avô de Maria Dulce, Jeremias Pinto, servia ao balcão e a avó refugiava-se na cozinha a confeccionar os doces. Ainda assim, o bolo popularizou-se como “as Tamarinas do Tio Jeremias” e havia quem viesse propositadamente ao espaço para provar o doce local. “Também vendiam outro tipo de biscoitos e bolachinhas, mas não eram tão famosos quanto as Tamarinas”, lembra a sesimbrense.

Hoje, quem visita Sesimbra encontra um sem fim de cafés e pastelarias, mas Maria Dulce viveu numa época em que a realidade era outra. “A vila de Sesimbra era mais pobre. Actualmente, as crianças têm bolos em todo o lado e [quando era pequena] não era assim. Tinha de existir dinheiro para o açúcar e para o leite”. Por isso mesmo, quando o avô Jeremias chegava à escola para dar o lanche aos netos, todas as crianças “colocavam a cabeça de fora das grades” a pedir “as Tamarinas do Tio Jeremias”.

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“E ele, às vezes, trazia para todos”, relembra. O sustento de uma família Para a quinquagenária, falar de Tamarinas é recordar a infância e as tardes passadas na pastelaria dos avós. “Devia ter cerca de sete anos quando o meu avô fechou a Tá Mar, mas lembro-me bem de entrar e sentir o cheirinho doce. Passava muito tempo ali. Vinha da escola e, enquanto a minha mãe não me ia buscar, ficava no café a ajudar. Ou a comer as aparas”, ri.

“A minha avó fazia grandes tabuleiros de Tamarinas e [antes de rechear] cortava-as com uma tesoura. Ainda hoje, a minha tia tem essa tesoura guardada como recordação”. Maria Dulce rejeita o título de pasteleira, pois a sua profissão é outra, mas até os mais distraídos captam o brilho que lhe surge no olhar quando fala sobre doçaria. “Para mim [cozinhar] é recreativo. Faço-o para os meus amigos, para quem me pede, faço-o quando quero. No outro dia, estava aborrecida em casa e fiz [Tamarinas]”, confessa, mencionando o bolo de aniversário feito para a mãe, recheado com creme de Tamarina. “Chamei-lhe o ‘Bolo Tamarina’”, brinca.

Se hoje se diverte a cozinhar, na adolescência nem tanto. Quando tinha perto de 16 anos, a família de Maria Dulce atravessou “uma fase complicada”. Com o pai desempregado por um “longo período”, a mãe optou por vender o bolo de família a cafés e pastelarias para garantir o sustento. “Todas as noites recheava perto de seis ou sete dúzias de Tamarinas. Não há gosto que resista. Fiquei anti-Tamarina durante uns tempos, até me bater a saudade”, declara.

Pedia que fossem fiéis à receita [original]”

Apesar do esforço para perpetuar a receita original, Maria Dulce confessa estar descontente com as Tamarinas que encontra à venda nos cafés e pastelarias. “Apenas pedia que fossem fiéis à receita [original]. Sempre apelidaram de Tamarina o que eu não considero”, diz, afirmando que o “segredo” está no recheio.

Até Maio de 2022, o registo do bolo pertencia a Carolina Roque, pasteleira local e cliente de Angeolila que ficou com a receita após o fecho da Tá Mar, no final dos anos 70. Na Almoinha, em Sesimbra, Carolina Roque fazia e vendia Tamarinas, seguindo uma receita que se distanciava da original, tal como acontecia nas restantes pastelarias da região. Assim que a pasteleira decidiu encerrar o estabelecimento, a autarquia não só ficou com a patente do doce, como a elevou ao estatuto de Especialidade Tradicional Local e criou o Dístico da Tamarina de Sesimbra para todos as pastelarias que decidam vender o produto.

Foi ainda organizado um workshop com 12 pasteleiros que se voluntariaram para aprender a receita original com a neta da criadora, acção que Maria Dulce considera não ter surtido efeito. “Das que já provei, apenas uma pastelaria optou por seguir a receita e tem tido muito sucesso”.

Quanto aos restantes estabelecimentos, acredita terem “alterado completamente” a essência do bolo. “É uma questão de respeito”, diz. Ainda assim, a sesimbrense diz saber que a “verdadeira Tamarina não vai morrer”, uma vez que a receita está disponibilizada na página da Câmara Municipal de Sesimbra “para quem quiser aprender”, frisando que “qualquer pessoa curiosa pode fazer em casa” este bolo familiar com quase cem anos de história.

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