20 Abril 2024, Sábado
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Seixal: Quando a cidade cai no silêncio o jornal e café são amigos inseparáveis

Um ambiente de rua que deve ser igual ao de todo o lado. Há incerteza no olhar das pessoas, mas também resignação

 

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Sábado, nove e meia da manhã. Saio de casa para o café e o jornal, como todos os dias, mas também para ver as imediações com outros olhos e mais atenção. Que diabo!, estamos num regime de excepção provocado por um ser invisível de uma insaciável tendência para a promiscuidade, o que está a infernizar a cabeça do mais cristão dos cristãos.

Na Torre da Marinha, onde resido desde que deixei a diáspora. Cruzo o Parque Lopes Graça, deserto de gente e de patos: sem gente, por que lá vai respeitando a quarentena, ficando por casa, mais ou menos conformada, mais ou menos contrariada; sem patos, porque lhes esvaziaram o pequeno lago onde amaravam, após voo urbano desde as águas da Baía, para mendigarem comida e verem outras mãos.

Mercado às moscas

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Entro no mercado. Metade dos dedos de uma mão davam para contar os fregueses, dedos de muitas mãos seriam precisos para calcular as bancas vazias. O bar do Augusto, agora fechado, dantes local de confraternizações diárias, olhava lá do alto para um espaço que deveria estar cheio de fruta, hortaliças e peixe, de gente e de barulho, agora quase deserto e silencioso.

Mais abaixo, no cruzamento banhado pelo sol, laivos de alguma animação. Uma pequena bicha para a farmácia, outra em frente da frutaria, ninguém na caixa do multibanco.
Na Praça Central da Torre da Marinha, onde fora a piscina ao ar livre, agora só dois homens de meia idade, trajando de negro, aproveitam, nestes dias de incerteza, a recompensa dos raios solares. Nota-se, nos gestos e nas falas, que flui entre ambos algo difícil de descrever, mas que se deve aproximar desse nobre sentimento chamado solidariedade.

Subo pela rua de Camões, que ainda há dias seria das mais agitadas. Na “Papelaria PopArt”, só entra um cliente quando outro sai. Compro o periódico. Rúbia e Rubiana Almeida, as proprietárias, dizem-me que não se queixam das vendas, mesmo nos tempos que correm. “É claro que, antes do novo vírus, tínhamos aqui muita gente a comprar o jornal para ler no café. Seja como for, não nos podemos queixar. Jornal tem saído!”, explica Rubiana, brasileira, a mais velha das irmãs.

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Café na rua e de pé

Agora, desço a rua em direcção ao pão quente. Na rua, pessoas bebendo café, de pé. Compram dentro para beber fora. Ao lado, um arremedo de mercado ambulante, com um ou outro interessado entre os passantes : umas peças de fruta, legumes, limões… Há que arranjar uns cobres, a subsistência primeiro do que tudo o mais.

Torno a subir para o parque Lopes Graça, fazendo agora o caminho inverso. Um silêncio que não é nosso cobre tudo, as coisas e os homens. Até o matraquear do motor dos poucos carros que rolam parece menos agressivo.

Passo pelo “Mini-mercado Gândara”, mais mercado de bairro do que mini, já na rua Aurélio de Sousa. Na altura, nem um cliente. Mas o casal Maria Otília e Fernando Gomes não se apresenta desanimado. “Pouca coisa mudou, depois que o novo vírus apareceu. Vem é gente que não conhecíamos”, afirmam. Também fiquei a saber que o que “sai mais é o papel higiénico, sabão azul e álcool, mas este já acabou, e não há meio de arranjar mais”. E, é claro, sai nestas lojas, como o leite, desnatados e pão. Despedi-me e sai. Saiu também D. Otília. “Vou levar o saco de pão à vizinha que está em casa doente!”, gritou para o marido.

Ao abrir a porta de casa, lembrei-me da promessa que alguém fez, não sei a quem, nos últimos tempos: “Quando a pandemia passar, após a quarentena, juro uma existência ao contrário. Vou viver quinze dias sem ir a casa!”. Fiquei a pensar seriamente na ideia.

Por José Augusto

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