Santiago do Cacém entende a cultura como transversal a
todos os públicos e elege a participação activa dos cidadãos
O município do Litoral Alentejano assenta boa parte da dinamização das actividades culturais no trabalho em parceria com agendes do sector. Definiu uma estratégia que abrange a população de todas as idades, aposta na requalificação de edifícios com história para reforçar os espaços dedicados a espectáculos e não perde de vista a possibilidade de captar financiamento para mais obra neste plano.
Num concelho que aposta forte em eventos que, além da cultura, musculam a economia local, a vereadora da Cultura, Sónia Gonçalves, revela o desejo do executivo em realizar, em 2024, uma grande comemoração dos 50 anos da Revolução de Abril, envolvendo a memória e a comunidade de Santiago do Cacém.
Qual a estratégia da Câmara de Santiago do Cacém para o sector da cultura?
Temos em curso três objectivos diferentes que nos permitem trabalhar em outras tantas frentes, estas embora sejam distintas, não são autónomas nem independentes, complementam-se umas às outras. Um factor comum a todas estas vertentes é a relação com a actividade cultural no município.
A primeira destas frentes está ligada às escolas, ao serviço educativo e ao sector jovem e juvenil.
Uma outra está mais relacionada com a população em geral, ou seja, eventos para as massas os quais, este mandato e desde o ano passado, têm sido reforçados. O terceiro sector, a que dedicamos muito carinho, é o direccionado à população mais idosa. Aqui, ao abrigo do projecto Contracto Local de Desenvolvimento Social, estamos a dar continuidade ao que já antes fazíamos, e logo após a pandemia reforçámos os momentos de convívio associados também à cultura.
Pode detalhar a vertente cultural definida para o município?
Temos dois serviços, ou seja, dois equipamentos que se ocupam mais com as escolas, com o sector infantil e juvenil. Refiro ainda os três museus de administração municipal e as duas bibliotecas.
Mas a actividade cultural do município não se fica apenas nos equipamentos, também temos programadas actividades de aprendizagem para os alunos. Realço que existe um contacto constante de iniciativas culturais com as escolas, como encontros de escritores com os alunos do primeiro e segundo ciclo.
Nesta actividade trazemos sempre quatro escritores para falarem com os alunos do ciclo, e um para falar com os alunos do secundário; e isto acontece todos os anos. Além disso, proporcionamos oficinas de escrita para todos os professores. Posso ainda afirmar que temos muitas actividades programadas ao longo do ano que resultam do diagnóstico do trabalho em parceria. Tentamos também ir ao encontro das necessidades levantadas pelos agrupamentos de escolas e professores.
Quanto à vertente teatro, que expressão tem na agenda cultural do município?
Temos uma parceria estratégica neste âmbito com a Mala Voadora. É uma companhia de teatro que tem trabalhado em Lisboa e no Porto e também em Santiago do Cacém. Neste momento está a desenvolver no município um empreendimento grande para receber artistas, ou seja, é uma residência para artistas.
O projecto chama-se Campilhas Internacional e resulta de um grande investimento estrangeiro e nacional, e conta com uma parte da Câmara de Santiago do Cacém. Esta parceria, por exemplo, permite que as crianças das escolas do concelho de primeiro ciclo, e particularmente as escolas rurais, trabalhem biografias de pessoas conhecidas que marcaram a história dos nossos tempos, entre eles escritores portugueses como
Afonso Cruz e Gonçalo Tavares. Portanto, na área relacionada com o sector cultural temos muito, muito trabalho. Posso dizer que, efectivamente, este é muito extenso tendo em consideração que em Santiago do Cacém existem quatro agrupamentos de escolas. Ora isto obriga a programar e executar actividades efectivas para todas as crianças e jovens tendo sempre em linha de conta que nem todos os agrupamentos têm a mesma realidade, portanto, é preciso também pensar um trabalho de adaptação.
Quase todos os fins-desemana temos actividades para as famílias, para as crianças, isto numa dinâmica que tentamos manter durante todo o ano.
E quanto a programação cultural entendida como mais direccionada à população em geral?
Temos as nossas grandes festas, como a Santiagro – Feira Agro-pecuária e do Cavalo, que aconteceu em Junho, e assim é todos os anos, acompanhada de concertos, expositores rurais e tasquinhas. Também há concertos nas freguesias do concelho, são iniciativas que tentamos que sejam descentralizadas para captarem mais pessoas e, com isso, também dinamizar a economia local. Por exemplo, este ano em Alvalade do Sado tivemos festas onde esteve Bárbara Bandeira, no caso do Cercal há o Festival das Cores e, em Santo André, três dias dedicados à música, ao convívio e às actividades para toda a família. É ainda de referir que, no mês passado, em Junho, tivemos a Festa do Livro organizada com a Fundação da Caixa Agrícola.
Uma iniciativa que reuniu muitos escritores e proporcionou vários momentos que permitiram às pessoas conhecerem e debaterem sobre livros; terem oportunidade de partilhar e iniciar leituras.
Dou um exemplo: conseguimos fazer com que idosos que nunca tinham ido a uma biblioteca o passassem fazer, e com regularidade; é importante virem a uma biblioteca, estarem juntos. Há sempre a oportunidade de partilharem projectos diferentes, como recolhas de memórias.
Quando estas pessoas vivem em locais mais isolados, levamos-lhes livros e revistas, não só para que tenham acesso a mais leitura, mas também para que tenham mais contactos pessoais. Por outro lado, temos também momentos culturais fora do município em que levamos as pessoas a passear; são pessoas com mais disponibilidade e com mais tempo o que nos permite fazer isto durante a semana.
Apreciam muito estes passeios e momentos culturais porque muitas delas vivem sozinhas. A verdade é que ficam alegres; esta é uma relação muito bem conseguida, muito sólida entre os serviços e os nossos seniores.
Além dos grandes eventos culturais que se realizam em Santiago do Cacém, quais gostaria ainda de realizar, ou já estão projectados?
Gostaríamos muito de ter um grande evento cultural no próximo ano nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974. Gostávamos muito de conseguir recuperar memórias e fazer um trabalho de envolvência com a comunidade, um trabalho que, de facto, não seria algo novo no nosso território.
Felizmente temos trabalhado com parceiros que têm essa abordagem e com resultados fantásticos, porque uma coisa é comprar um espectáculo, levá-lo a um sítio para ser visto e as pessoas depois irem para casa, enquanto outra coisa é ver este trabalho constante com as pessoas, envolvê-las no espectáculo e fazer com que também façam parte dele. Nesta data tão significativa dos 50 anos da Revolução de 25 de Abril, e sobre a qual muitas pessoas ainda têm muitas memórias, queremos muito fazer um espectáculo grandioso, não pelo montante que vamos investir, nem pela dimensão física que ele possa ter, mas pela envolvência das pessoas.
Já tivemos essa experiência, por exemplo, nós trabalhamos com a cooperativa “Lavrar o Mira e a Lagoa”, que esteve vários dias em localidades do município e construiu espectáculos com as próprias pessoas das localidades, e isso fez toda a diferença. Apesar de tudo ser válido e de todo o tipo de cultura ser abraçada e bem-vinda, esta abordagem efectivamente faz toda a diferença.
Quanto aos equipamentos culturais existentes no concelho, qual destaca pela dinâmica que apresenta?
O equipamento com mais dinâmica é o auditório Municipal António Chainho porque oferece uma programação que vai ao encontro do gosto das pessoas. Passa sessões de cinema com bastante regularidade e também vários espectáculos, desde o teatro à música, e com isso consegue ter quase salas cheias.
Uma particularidade deste auditório é ter na entrada sempre uma exposição dedicada a vários temas e artes plásticas, posso dizer que é um espaço com características muito semelhantes a uma galeria.
O executivo municipal tem equipamentos culturais ou a remodelação de outros?
Estamos em fase de acabamento de dois equipamentos culturais que não foram feitos de raiz. Neste momento a nossa estratégia não é construir novos espaços, mas sim pegar em edifícios devolutos com história e recuperá-los para depois os devolver à comunidade. Sabemos que os pacotes de financiamento que vêm aí priorizam precisamente a requalificação e recuperação do edificado existente de forma a torná-lo sustentável. Foi o que fizemos, por exemplo, com a recuperação do antigo cinema na freguesia de Alvalade, uma obra que está bastante avançada pelo que deverá reabrir ainda este ano. O mesmo está a ser feito no
Cineteatro Vitória em Ermidas do Sado, uma obra que está um pouco atrasada, mas nada de significativo.
Ambos são espaços culturais, dois cineteatros, um deles nem era municipal, que vão abrir à população com a mais-valia de terem sido recuperados edifícios históricos que estavam abandonados.
Entretanto, o executivo municipal quer fazer mais, isto caso consiga financiamento, como um auditório em Vila Nova de Santo André, mais uma vez na perspectiva de recuperar edificado. É uma obra importante porque nesta localidade, com muita população, onde há uma dinâmica cultural muito forte das várias associações, principalmente na área do teatro e da música. É um investimento para o qual olhamos com muita confiança.
Alavancar a cultura “É essencial que o Governo dê estabilidade financeira aos agentes culturais
Para a vereadora Sónia Gonçalves o Governo falha nos investimentos que disponibiliza para a cultura. Não aceita que a DGArtes tenha ‘esquecido’ no seu programa algumas entidades culturais e desafia governantes a virem a Santiago do Cacém ver projectos que ficaram pelo caminho por falta de financiamento.
Defende o trabalho em parcerias, e afirma que o Governo deveria participar. Como avalia o investimento do Governo no sector da cultura e que relevância poderia ter no Concelho de Santiago do Cacém? Tanto na cultura como em muitas outras áreas o investimento do Governo é bastante insuficiente, posso apontar como exemplo as verbas a serem aplicadas na habitação e mesmo na questão da seca. No caso concreto da cultura, não só para Santiago do Cacém, mas para o País, é essencial que o Governo dê estabilidade, principalmente financeira, aos agentes culturais.
Sabemos que muitas entidades ficaram fora dos programas bianuais e quadrienais da Direcção-Geral das Artes – DGArtes, inclusivamente, algumas delas já se tinham fixado no concelho e iniciado projectos que, não sendo dirigidos às massas, vinham valorizar muito o património. Não se pode apostar de raiz num projecto e esperar que, numa primeira ou segunda edição, ele seja autosustentável.
Eu convidaria um ministro ou secretário de Estado a vir ver o trabalho que a associação “Lavrar o Mira e a Lagoa” fez no concelho, ou o “Teatro do Vestido”, ou quando se fez o “Festival A Estrada”. Virem ver o investimento que é feito e dizerem o porquê de não haver continuidade. É fundamental trabalhar com parcerias, e o Governo também tem de participar nessas parcerias.