Habitação, ambiente e democratização da informação autárquica são as principais medidas destacadas pela cabeça-de-lista. Movimento independente candidata-se pela primeira vez a eleições e promete ser uma “alternativa”
Kaya Schwemmlein, 34 anos, é a candidata do movimento independente Plataforma Cidadã – Renovar Santiago do Cacém à presidência da Câmara Municipal de Santiago do Cacém nas próximas eleições autárquicas, que se realizam a 12 de Outubro.
A agora investigadora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa é oriunda de Goa, na Índia, e filha de pais alemães, mas foi sempre no Cercal do Alentejo – para onde se mudou com cinco anos – que viveu e cresceu.
Candidata-se pela primeira vez a órgãos autárquicos em nome de um movimento que, segundo a própria, junta várias pessoas de diferentes idades, nacionalidades, etnias e sem estarem associadas a nenhum partido político, com o lema de fazer diferente pelo concelho do Litoral Alentejano.
Destaca, como principais medidas, a habitação, o ambiente e a democratização da informação que chega da autarquia e, assim, apresenta-se com uma candidatura que zela pela “justiça social e ambiental” ao mesmo tempo que mostra preocupações com a “pobreza, desemprego, precariedade e discriminações”.
Em entrevista a O SETUBALENSE a cabeça-de-lista defende que há um grande “desgaste” não só nas políticas locais como no partido que tem governado os destinos do município há 50 anos.
Assim, afirmam-se como uma “alternativa” relativamente às candidaturas até agora apresentadas.
Que razões a levam a candidatar-se à presidência da Câmara de Santiago do Cacém?
Candidato-me, porque me importo com o município e a sua população. A minha candidatura decorre do meu envolvimento no movimento social. Fui tomando consciência dos muitos problemas ambientais do concelho e do Litoral Alentejano, percebi que, face à insensibilidade e à irresponsabilidade dos poderes públicos tinha o dever cívico de me envolver com outras pessoas em movimentos, designadamente contra a instalação das megacentrais fotovoltaicas no Cercal e em São Domingos.
Com a minha candidatura quero dar expressão política a esse envolvimento, o que só a mim me compromete.
Como é que nasceu a Plataforma Cidadã – Renovar Santiago do Cacém?
Esta Plataforma Cidadã junta pessoas de diferentes gerações, com e sem partido, a maioria independentes, com diferentes experiências de vida, gente comum, que aspira a uma mudança no concelho. É com eles que parto para esta disputa eleitoral.
Quisemos ser diferentes. Baseamos a nossa actividade na auscultação da população. Ouvir as pessoas, recolher opiniões e sugestões é para nós fundamental para construir um programa de acção que tenha em vista uma governação local pública mais democrática e inclusiva.
Queremos que todos os que vivem e trabalham no concelho de Santiago do Cacém tenham uma voz activa e respeitada. Lutamos pela renovação, união e agregação da população do concelho.
Se for eleita quais são as primeiras medidas que quer ver implementadas?
Em primeiro lugar, rever a política de habitação da câmara municipal. Não é admissível que a câmara municipal tenha uma política de habitação irrelevante e não tenha uma única medida de combate à especulação imobiliária, quando segmentos importantes da população não conseguem aceder a habitação. É uma prioridade rever a Estratégia Local de Habitação, aceder a fontes de financiamento disponíveis, exercer intermediação na mobilização de recursos edificados, regular e controlar os preços das casas e os valores das rendas, para travar a especulação.
Em segundo lugar tomar uma posição enérgica contra os atentados ao ambiente e à própria economia das pessoas, designadamente contra a instalação das centrais fotovoltaicas de dimensão absolutamente desproporcionada do Cercal e São Domingos, que não geram emprego nem trazem desenvolvimento. É de uma insensibilidade total que a câmara municipal e os partidos que lá estão representados não se tenham oposto a estes projectos.
Em terceiro lugar, democratizar a tomada de decisão, a comunicação e a informação municipal.
As reuniões dos órgãos autárquicos passam a ser transmitidas em directo, o boletim municipal é aberto à opinião das pessoas e das organizações locais, uma parte substancial do investimento municipal anual é decidido pela população – através de orçamentos participativos. Tudo isso pode ser feito já a partir de Outubro sem quaisquer custos.
Quais são os eixos orientadores da sua candidatura?
Os eixos fundamentais da nossa candidatura decorrem da realidade deste território. O Litoral Alentejano vai passar nos próximos tempos por profundas mudanças. Os novos investimentos que se anunciam para a zona industrial de Sines trarão novos empregos e novos contingentes de trabalhadores, muitos deles virão aqui radicar-se com as suas famílias.
A oferta de habitação é absolutamente insuficiente, os serviços públicos precisam de ser redimensionados, expandidos, designadamente na saúde e na educação e isso tem de ser acompanhado por uma política inclusiva e democrática de ordenamento do território e dos seus espaços públicos, no respeito pelo ambiente e pelos recursos naturais, como a água e a terra.
Assim, a candidatura Renovar Santiago do Cacém assenta em três eixos fundamentais:
primeiro, a justiça social e ambiental com uma atenção particular aos que têm vidas mais difíceis, que enfrentam a exclusão social e a pobreza, o desemprego, a precariedade laboral, as discriminações, quaisquer que sejam, de género, cor de pele, religião, proveniência ou orientação sexual.
A candidatura Renovar Santiago do Cacém pretende desenvolver e garantir o bem-estar nos serviços públicos, promover acesso à habitação e pressionará o poder central no que forem as suas competências, porque a vida social local é um todo e nenhuma das suas dimensões nos é indiferente, na saúde, na educação e na cultura ou na protecção social. Queremos, neste Litoral Alentejano, um município socialmente mais justo e ecologicamente mais verde.
Em segundo lugar, cuidar do interior do concelho, estar próximo das freguesias mais isoladas, que foram perdendo população. Vamos apoiar os pequenos e médios agricultores. Queremos valorizar alimentação tradicional saudável, a venda dos produtos locais nos mercados municipais, fomentar novas feiras em diversas freguesias e criar oportunidades para aquisição pública de alimentos produzidos no município. Para tal, iremos reforçar o apoio técnico e científico ao minifúndio e à pastorícia local.
Em terceiro, defendemos uma gestão municipal transparente e inclusiva, que oiça as pessoas, que atenda às suas necessidades. Ninguém melhor do que quem cá vive e trabalha sabe o que é mais importante, mais prioritário para si e para os seus. Merece, porque é um direito seu, não ser desrespeitada porque tem uma opinião diferente ou porque tem mais dificuldade em expressar-se.
Os munícipes precisam de estar permanentemente informados da actividade municipal, saber o que se passa nas reuniões da câmara, da assembleia municipal ou das assembleias e juntas de freguesia, de saber onde vai e como vai ser investido o dinheiro público, que é de todos nós, dos nossos impostos. Informação não é propaganda, é o cumprimento de um dever por parte dos eleitos para os órgãos autárquicos.
Quais são as principais medidas que defende para serem implementadas no concelho?
Sem me querer repetir, mas insistindo, antes do mais uma política de habitação que responda efectivamente às necessidades das populações, o que significa aumentar de forma significativa a oferta de habitação. Está mais que provado que não é o mercado liberalizado que regula a habitação.
É necessária mais habitação pública, com construção promovida pelo governo central, que tem de ser pressionado nesse sentido, mas também pelo município. Mas também é necessário desenvolver outras modalidades no âmbito do mercado social de habitação, como a construção a custos controlados, autoconstrução ou a mobilização para arrendamento de habitações devolutas.
Queremos tornar o município líder da sustentabilidade e justiça social e económica, também quanto à dignidade no trabalho, à saúde, à educação ao longo da vida. Acreditamos que com o foco na economia social, na ecologia, na solidariedade e no bem-estar animal o município se tornará mais desenvolvido e próspero.
Que críticas faz à actual gestão da câmara municipal?
Sente-se um grande desgaste, acomodamento e decepção nas políticas locais. Meio século de gestão municipal pela mesma força política trouxe cansaço e insensibilidade política, social e ambiental.
Não há nada de novo, não há proposta de medidas concretas. O novo-velho candidato que apesentam já vem cansado e enfraquecido por longos anos de poleiro autárquico.
Estão distantes das populações, que, soberbos, apenas fingem ouvir. Há necessidades das populações que nunca foram resolvidas. Continua a haver pequenas localidades sem saneamento básico ou promessas de anos e anos que nunca foram cumpridas – como um auditório em Santo André –, que faça jus ao desenvolvimento cultural, designadamente nas artes de palco.
O governo local é símbolo do status quo, sem vontade política de estar junto às lutas da população, com um aproveitamento não criterioso dos fundos públicos.
Na vereação têm estado igualmente outros partidos, que agora aparecem unidos num bloco central, que dizem opor-se à maioria, mas que nas decisões fundamentais estiveram de acordo ou ficaram indiferentes, na política de habitação, na condenação das centrais fotovoltaicas ou nas alterações ao Plano Director Municipal, que frequentemente reduziram a Reserva Ecológica ou a Reserva Agrícola Nacional.
No contacto com a população, qual tem sido a reacção dos cidadãos à sua candidatura?
A Plataforma Cidadã Renovar Santiago do Cacém foi recebida com surpresa, trata-se afinal da única verdadeira novidade nestas eleições. Mas à medida que fomos contactar as pessoas, através de sessões públicas e, sobretudo, no contacto de rua pelas freguesias, as reacções da população têm sido muito positivas.
As pessoas acarinham-me como se cá tivesse nascido, principalmente por ser jovem, por trazer ideias novas. É com satisfação que reconheço não ter ao longo destas semanas encontrado qualquer reacção de hostilidade.
Há algo mais que queira acrescentar?
A candidatura Renovar Santiago do Cacém, que assume a defesa dos valores de Abril, está naturalmente preocupada com o avanço de forças e de ideias políticas fascizantes, que julgávamos vencidas pelo tempo e pela História, que se baseiam na discriminação, na injustiça, no obscurantismo.
É por uma sociedade mais justa que preza a paz e o futuro do planeta que aqui estamos. Somos no mundo uma gota de água, sabemos, mas, como já alguém dizia, é preciso pensar global e agir local. Do nosso trabalho e da nossa inteligência resulta a nossa força.
Em democracia há sempre alternativas e nós afirmamo-nos como alternativa de futuro para Renovar Santiago do Cacém.