A pintura e o desenho também fazem parte do seu trabalho, que no Vale da Amoreira pode ser visto ao ar livre no mural Identitário, no Centro Comunitário Multiserviços
O projecto Blac Dwelle, que trabalha escultura em madeira, nasce da paixão pelo desenho e pela pintura aliada a um grande fascínio pela máscara africana. É uma parte da identidade profissional de Ricardo Piedade, escultor português com raízes cabo-verdianas, que cresceu e vive no Vale da Amoreira, mais precisamente nas Fontaínhas, sob influência de grafitters e artistas locais e do irmão, Paulo Piedade.
“Percebi que o meu caminho era nas artes desde criança. Por influência do meu irmão, que também estudou na ETIC – Escola de Tecnologias, Inovação e Criação e fazia muitos trabalhos em casa, como pintura, bonecos de pano e de barro. Eu achava aquilo divertido, sentava-me ao lado dele e ficava a copiar o que ele fazia. Acho que ele até tem desenhos meus guardados dessa altura”, começa por contar.
Estudou na Escola Secundária da Baixa da Banheira, no Vale da Amoreira. Nessa altura, “já sabia o que queria ser. Queria ser designer, queria ser artista, apesar de não gostar muito do nome artista. Gosto de dizer que tenho o projecto Blac Dwelle e sou escultor”, refere.
Mais tarde forma-se em Design Gráfico na ETIC e ao mesmo tempo começa a fazer ilustração, pintura, stencil, “muito ainda em experiência, a descobrir o que queria fazer”.
Em 2014, percebe que “queria mais do que pintura”. Começa a trabalhar na empresa Lindo Serviço, “conhecida por fazer coisas impossíveis”, onde esteve cerca de cinco anos. “Muitas pessoas recorriam a essa empresa para poder fazer trabalhos em ferro, madeira, esferovite, resina, acrílico, diversas coisas”, explica. Fez grandes amizades com as pessoas com quem trabalhava neste momento e com quem mantém ligação até agora e por influência destas mesmas pessoas descobriu o interesse por trabalhar madeira.
Ainda nesse ano, recebe um convite da galeria Underdogs para fazer parte de uma exposição colectiva, onde participa com peças em madeira, pintura e desenho, e que lhe abre portas para convites para projectos e para o facto de as pessoas começarem a conhecer o seu trabalho.
Integrou igualmente exposições colectivas no Museu de Sintra, na ADAO, no Barreiro, e agora está no MAAT, até 5 de Setembro, a integrar a mostra “Interferências”, a par de Fidel Évora, com quem partilha estúdio, e de diversos artistas da Área Metropolitana de Lisboa.
No Vale da Amoreira, a sua arte pode ser vista, ao ar livre, numa das paredes do Centro Comunitário Multiserviços, no mural Identitário, um projecto que desenvolveu em Junho de 2021 com António Rocha, a.k.a. Growone.
Máscara africana homenageia raízes
Talvez se possa afirmar que as máscaras africanas são as personagens principais do trabalho de Blac Dwelle. Os pais são cabo-verdianos e Ricardo Piedade tem “tanto sangue português quanto sangue cabo-verdiano e um grande fascínio pelas máscaras e pela cultura africana”.
A ideologia da máscara africana é para si fonte de inspiração e por isso começou a transpô-la para a madeira, em peças que não replica. “Para mim, a máscara é quase uma segunda personagem de nós mesmos, que pretende quebrar regras e padrões. Acho que todo o ser humano tem sempre uma outra personagem. Quando vais trabalhar, fazes parte de um padrão e quando estás com os teus amigos és outra pessoa, mas isso não é uma coisa negativa, isso é o ser humano”, declara.
O desejo da criança torna-se a realidade do adulto
Para além do seu projecto, Ricardo Piedade trabalha com Alexandre Farto, por todos conhecido enquanto Vhils. “Sou assistente de produção, fazemos variadas coisas, também inspiradoras para o meu trabalho, mesmo que tente sempre separar as duas vertentes”, afirma. “O meu irmão Paulo também trabalhou com o Alexandre durante alguns anos, por isso já me conhecia desde miúdo. Sempre fui um grande apreciador do trabalho do Alexandre e sempre tive curiosidade e o desejo de um dia poder trabalhar com ele”, confidencia.
O convite surge em 2018 e desde aí tenta “conciliar os dois trabalhos. Tentar balançar as duas partes requer muito esforço, dedicação e concentração. É um trabalho muito árduo, mas no final é compensado. Como miúdos sonhamos sempre e eu já desde miúdo sabia o que queria fazer”. Este seu sonho de criança tornou-se, com os anos, um objectivo e hoje é a realidade. “Sonho bastante, mas também tenho muita força de vontade e dedicação, essenciais para o que faço. Ainda há muito por fazer, muitos sonhos por concretizar. Não falo no futuro, falo sempre no presente. O futuro não sabemos, temos de lutar pelo presente para que as coisas aconteçam”, remata.
Ricardo Piedade à queima-roupa
Idade 29 anos
Naturalidade Vale da Amoreira
Residência Vale da Amoreira
Área Escultura
Inspirado pela ancestralidade, dedica-se à arte de esculpir máscaras africanas em madeira