Helena David: A almadense que encontrou na arte o desbloqueio que precisava para a sua vida

Helena David: A almadense que encontrou na arte o desbloqueio que precisava para a sua vida

Helena David: A almadense que encontrou na arte o desbloqueio que precisava para a sua vida

De gargalhada fácil e boa disposição contagiante, é entre pincéis e telas que a jovem de 36 anos se sente realizada

 

Numa primeira análise, o espaço da AlmaSã parece estar calmo. No entanto, atravessados os portões do Centro de Educação Especial de Almada, começam a ecoar umas gargalhadas que parecem acompanhar o ritmo dos passos até à sala-de-aula.

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As mesmas pertencem a Helena David, jovem de 36 anos que erradia alegria e boa disposição. Mas quem lhe vê o sorriso nos lábios não imagina a infância difícil que teve. Quando veio ao mundo, a avó materna chegou a dizer que a jovem nunca deveria de ter nascido, palavras que a mãe ainda hoje guarda.

Diagnosticada com uma perturbação num cromossoma, que lhe fez perder capacidades a nível motor, Helena, natural da Cova da Piedade, aprendeu a andar mais tarde e tem surdez quase total.

Chegada a idade de começar a ter aulas, a jovem foi colocada numa escola de freiras em Lisboa para aprender língua gestual, onde esteve dos 10 aos 18 anos. “Não gostava nada”, confessa. Apenas vinha a casa aos fins-de-semana, enquanto no resto dos dias “cosia”.

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“Não era fácil. Queria pintar e não me deixavam”, conta. Quando atingiu a maioridade, voltou para a Margem Sul do Tejo para entrar na APPACDM de Almada. Contudo, os cursos disponíveis, como de cozinha, lavagem de carros ou trabalhar na horta, eram “limitados” e não correspondiam ao que queria: ser artista.

Certo dia, a mãe “viu as carrinhas da AlmaSã” e decidiu ir falar com os responsáveis do centro, descreve Luísa Bexo, actual presidente da associação que aposta no bem-estar e felicidade dos jovens.

“A mãe veio falar connosco acompanhada da avó, que veio triste e não queria que a Helena viesse para cá. A primeira reunião foi horrível pela forma como a avó falou comigo. Foi ríspida e numa tristeza por a Helena não estar num curso”, continua.

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No entanto, era certo que a jovem de 36 anos não poderia continuar na anterior instituição, para onde ia “todos os dias a chorar”. “Quando estes jovens terminam os cursos não vão para lado nenhum. As empresas querem é produtividade, ou seja, terem de dispor de um funcionário para acompanhar o jovem com deficiência não é rentável. A sociedade não estava, e ainda não está, preparada para estes jovens”, comenta a professora.

Adaptação foi rápida ao deslumbrar com o seu talento

Ao contrário do desejo da avó, que foi professora do 1.º ciclo, a família de Helena tomou a decisão de inscrever a jovem na AlmaSã. O processo de adaptação foi rápido, ao ter chegado e encantado. “Veio e começou a pintar esta malta toda.

Começou a deslumbrar as pessoas com o seu talento”, revela Luísa Bexo, que acompanha a jovem desde que esta tinha 18 anos. Criada numa família que lhe conseguiu proporcionar tudo o que precisava, Helena é hoje reconhecida como pintora.

Foi, inclusive, na associação que começou a ganhar a atenção dos dois irmãos mais novos. “Passava-lhes um bocado ao lado, mas agora têm um orgulho tremendo e mostram o seu trabalho. Toda esta valorização que conseguiu pela actividade artística tem promovido a jovem na família”, conta a presidente.

Nem as dificuldades que tem em pegar no pincel impedem a jovem de ser “a mais rápida a pintar”. O que mais gosta de eternizar na tela são rostos. “Gosto muito de pintar pessoas e caras. Chateados, tristes ou alegres. Da família ou artistas. Gosto de pintar tudo”, revela a jovem.

Como exemplo dá “o quadro feito para os primos que casaram em Viana do Castelo” ou o da “irmã que participa nas Festas da Nossa d’Agonia”. Com os seus trabalhos a ganharem destaque com o passar dos anos, em 2020 foi convidada a expor no Solar dos Zagallos, da Câmara de Almada. Quando soube da notícia, ficou “tão contente” que começou “a chorar”.

No espaço, mostrou os seus trabalhos em três salas: “uma dedicada ao fado, onde estiveram músicos a tocar, outra dedicada à sua inspiração, Frida Kahlo, e uma terceira com as obras de todos os artistas que já pintou”.

“A avó no fim da exposição veio ter comigo e disse-me ‘os meus outros dois netos são licenciados e eu nunca fui a tanta coisa como tenho ido com a minha Helena”, confidencia a professora.

“A Helena tem uma série de artistas representados que quer que os quadros lhes cheguem e tem tantos outros que querem ser pintados por ela. A presidente da Câmara de Almada, por exemplo, tem uma Frida Kahlo exposta no gabinete pintada pela Helena”, acrescenta.

Na altura das férias escolares, revela Luísa Bexo que a mãe diz que “quando os outros fi lhos acabavam as férias acabavam a chorar, enquanto a Helena chora é no início”.

Além disso, hoje é a jovem que “leva conhecimento para casa”, até porque “os pais não tinham muito conhecimento em termos artísticos”. “A arte desbloqueou a vida desta miúda. Sou uma orgulhosa da Helena”.

Teatro também apaixona, a par das aulas de karaté

Além de se sentir feliz entre tintas e pincéis, Helena tem também uma grande paixão pelo teatro. Na última peça realizada no âmbito da associação e integrada no Festival de Teatro de Almada, a jovem ficou com o papel principal numa peça inspirada n’O Principezinho.

“A família veio do Alentejo porque hoje onde está a Helena está a família. Ver aqueles pais completamente derretidos foi comovente”, refere a professora. Também o karaté faz parte do dia-a-dia da pintora, assim como a dança e a ginástica.

Com o mestre Chagas, professor voluntário há cerca de seis anos, a jovem já teve oportunidade “de abrir o europeu no MEO Arena e o mundial no Pavilhão do Feijó”.

“A Helena é o ser-humano mais completo que alguma vez conheci. Toca muitos instrumentos, todos virados para a arte”, descreve a professora, para em seguida caracterizar a jovem: “Tem o coração do tamanho do mundo, é brincalhona e maravilhosa”.

Estar parada não faz parte do vocabulário de Helena, que “não se contenta”. “Não é de pintar um quadro e ficar por ali. Já tem uma série de quadros que quer fazer, mas eu é que lhe vou metendo um travão”. “A artista da família sou eu”, assegura Helena com convicção.

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