Mais de três mil pessoas sem acesso aos cuidados primários de saúde. Corte do Governo nos gastos em horas adjudicadas a empresas privadas deixou a extensão do Centro de Saúde de Alcochete na freguesia do Samouco sem médico. Consultas foram desmarcadas e não há quem passe receitas aos utentes
A imposição do Governo em reduzir 35% nos gastos com a contratação de médicos tarefeiros – contratados a empresas privadas para prestação de serviços – já começou a causar impacto no Serviço Nacional de Saúde (SNS). A freguesia do Samouco, concelho de Alcochete, é disso exemplo, já que a extensão de saúde local ficou privada, desde o início deste mês, do único clínico – a médica Waleska Leal – que ali prestava serviço.
Os mais de três mil habitantes da freguesia ficaram sem acesso a consultas médicas. Mas não só. Por arrasto, ficaram sem possibilidade de lhes serem passadas as necessárias receitas médicas.
“O que se fez foi uma redução [de horas] nas unidades [de saúde]. Embora todas precisem, reduzimos nas unidades que menos necessitam, naquelas em que entraram médicos e onde o impacto seria menor”, explicou ao DIÁRIO DA REGIÃO Miguel Lemos, director executivo do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Arco Ribeirinho, que abrange os concelhos de Alcochete, Barreiro, Moita e Montijo.
A redução de horas resulta da determinação da tutela em impor um corte nos gastos com a contratação de médicos tarefeiros – que em 2016 custou cerca de cem milhões de euros aos cofres do Estado – e a entrada de médicos de que o director executivo do ACES do Arco Ribeirinho fala prende-se com o preenchimento de uma única vaga que foi contemplada no concurso lançado pela administração central para o Centro de Saúde de Alcochete.
Adalberto Campos Fernandes, ministro da Saúde, havia garantido que, com a medida tomada, o Governo e as administrações regionais de Saúde (ARS) iriam “apoiar os hospitais para que não houvesse nenhum tipo de ruptura nem descontinuidade”. Porém, o corte não se destinava apenas aos hospitais e a descontinuidade na prestação de serviços de saúde acabou por atingir a extensão do Samouco.
De um momento para o outro, o Centro de Saúde de Alcochete ganhou um clínico, através do concurso lançado pelo Governo, mas, ao mesmo tempo, perdeu a única médica que tinha na sua extensão na freguesia do Samouco. Prazo para a colocação de um médico no Samouco não é conhecido, certo é que será o Centro de Saúde de Alcochete a solucionar o problema.
“O Centro de Saúde de Alcochete irá tentar colocar algum médico ou arranjar horas de empresa [médico tarefeiro] para a extensão do Samouco”, disse Miguel Lemos, acrescentando que “até poderá ser o [novo] médico que entrou para Alcochete” a ir prestar serviço na extensão do Samouco.
Junta de Freguesia reage
A situação motivou a reacção da Junta de Freguesia do Samouco que já manifestou “surpresa e indignação” pela falta de médico na extensão de saúde local.
“Mais uma vez lamentamos a insensibilidade da tutela relativamente às necessidades da população do Samouco que, além de ter todos os utentes sem médico de família, vê novamente a situação agravada”, revela a autarquia em comunicado dirigido à população, dando ainda conta de uma primeira diligência efectuada, na última sexta-feira, junto do ACES do Arco Ribeirinho.
“A Junta de Freguesia do Samouco, em conjunto com a Comissão de Utentes do Centro de Saúde, tentaram contactar de imediato o director do ACES do Arco Ribeirinho, Dr. Miguel Lemos, tendo o presidente da Junta de Freguesia [Pedro Ferreira] sido recebido, hoje, 3 de Novembro, pela responsável dos recursos humanos do Agrupamento, a qual informou que esta situação se deve à colocação de um médico de medicina geral e familiar no Centro de Saúde de Alcochete, proveniente do concurso realizado pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARLSVT), que levou a prescindir das horas médicas realizadas, por uma empresa privada, pela Dra. Waleska Leal”, pode ler-se no comunicado.
A Junta de Freguesia lembra que, no entanto, “o referido médico não está a prestar qualquer serviço” na extensão do Samouco e que têm estado a ser “desmarcadas as consultas agendadas”.
“Constata-se ainda que a população se encontra privada de ter acesso à emissão de receitas médicas e de ser consultada no Centro de Saúde de Alcochete”, acrescenta a autarquia, informando a concluir que solicitou “uma reunião, com carácter de urgência, ao director do ACES do Arco Ribeirinho”, no sentido de “reivindicar mais e melhores condições de saúde” para a população e de “obter uma resolução” para o problema.
ACES do Arco Ribeirinho consegue oito médicos em 18 possíveis
A tutela, recorde-se, abriu concurso para recrutamento de 57 médicos para as unidades de saúde do Distrito de Setúbal em Setembro último. Deste total, foram destinadas 18 vagas para o Agrupamento dos Centros de Saúde do Arco Ribeirinho: sete para a unidade do Barreiro; cinco para a unidade da Baixa da Banheira; três para a unidade do Montijo; duas para a unidade da Moita; e uma para a unidade de Alcochete. Apenas oito das 18 vagas foram preenchidas.
“O concurso fechou e houve oito candidatos. Pela primeira vez entraram oito médicos”, confirmou Miguel Lemos ao DIÁRIO DA REGIÃO, considerando o resultado bastante “expressivo”, apesar de o ACES do Arco Ribeirinho necessitar de mais.
As vagas apenas foram preenchidas na totalidade em Montijo (três) e Alcochete (uma). Segundo o director executivo do ACES do Arco Ribeirinho, além de Montijo e Alcochete, entraram três médicos para o Barreiro (que teve concurso aberto para sete) e um para a Baixa da Banheira (que teve cinco vagas).