Moita: Vila raiana içou velas pela história com “Património do Tejo”

Moita: Vila raiana içou velas pela história com “Património do Tejo”

Moita: Vila raiana içou velas pela história com “Património do Tejo”

Muitas das embarcações tradicionais centenárias que hoje navegam no Tejo foram recuperadas ou reconstruídas no Estaleiro Naval de Sarilhos Pequenos. FOTOGRAFIA: O SETUBALENSE||Muleta no Tejo|O Estaleiro Naval de Sarilhos Pequenos é o último do país dedicado à construção de embarcações tradicionais de forma artesanal

Projecto de preservação da cultura e tradições ligações ao Tejo nasceu em 2018 e reafirmou-se em 2020, para trazer de volta ao Tejo embarcações centenárias

 

 

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O desafio de fazer renascer fragatas, varinos, canoas e muletas que entre o I milénio AC (antes de Cristo) e o século XX navegaram no Mar da Palha, guardião da porta entre o Tejo e a barra para o Atlântico, começou na Moita com a recuperação do “Boa Viagem” em 1981, no estaleiro do Mestre José Lopes. Foi um içar de velas para o início de passeios com cariz educativo e turístico.

Nas décadas seguintes as acções do município para preservar uma cultura ribeirinha milenar levaram ao desafiante projecto “Moita Património do Tejo”, iniciado em 2018 e que, em 2020, estendeu amarras até ao País Basco.

Um projecto dedicado à preservação da história, tradições e cultura ribeirinha, que levou varinos, canoas, catraios e muletas a encontraram um novo rumo, além Tejo, quando o município anunciou a candidatura da construção naval em madeira, praticada no último bastião desta arte, em Sarilhos Pequenos, a Património Cultural Imaterial da Humanidade.

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Afinal, mais de um século antes, em 1900, a vila raiana, o Gaio, Rosário e Sarilhos Pequenos construíam e reparavam centenas de embarcações à vela, que governavam o Tejo, entre elas o “Boa Viagem”, então com o nome “Marechal Saldanha”. E os fragateiros, pescadores, carpinteiros e calafates que trabalhavam a bordo dos “grandes” do Tejo julgavam o seu ofício eterno, longe de um dia ser necessário preservar através de um projecto com fundo histórico e cultural.

 

“Boa Viagem”, te desejo desde há 120 anos

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Varino “Boa Viagem”. FOTOGRAFIA: O SETUBALENSE

O primeiro registo do varino “Boa Viagem” é precisamente de 1900, na capitânia de Lisboa, com o nome Marechal Saldanha. Navegava, essencialmente, pelo baixo e médio Tejo, até Vila Franca e Santarém, a transportar madeira e sal.

Oitenta anos depois voltaria a surgir um registo do varino, desta feita pela Câmara da Moita e com o último nome que trazia à proa: “Boa Viagem”.
Depois da aquisição e primeiro restauro na década de 80, entre 2010 e 2011, o varino foi novamente submetido a uma grande intervenção, que envolveu a própria estrutura da embarcação, desta vez no estaleiro naval de Sarilhos Pequenos, já sob o olhar de Mestre Jaime Costa.

Após o último restauro, aquele que é um dos “grandes” do Tejo foi classificado como bem cultural de interesse municipal. E a partir daqui o município iniciou um percurso que, em 2018, deu origem ao “Moita Património do Tejo”.

Em Junho de 2018, o presidente da Câmara, Rui Garcia, defendia que Moita iria “além-fronteiras” com o “Património do Tejo”. Dois anos depois o sonho concretizou-se na assinatura de um protocolo com o município de Pasaia (Páis Basco).

Moita iria representar Portugal na 2ª edição do Pasaia Itsas Festibala, com as suas embarcações tradicionais e confirmar-se-ia o ideal de que o “Património do Tejo” levaria o município além-fronteiras. O evento dedicado às tradições e culturas ribeirinhas de todo o mundo acabaria por ser cancelado, devido à pandeia causada pelo novo coronavírus.
No mesmo compasso de espera, Moita aguarda a decisão da UNESCO, sobre a elevação da construção naval tradicional a Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Parou a bolina pelo Tejo e por outras paragens, mas o “Boa Viagem”, que outrora governou rotas comerciais, lado-a-lado com o “Amoroso”, bote “Leão” e tanto outros esquecidos, mira no horizonte os cais do passado e as rotas que, no futuro, o levarão a outras paragens

de ser aclamado pela UNESCO prossegue e agora fortalecido por um novo protocolo, assinado com o município e Pasaia (País Basco).

 

Segredos do rio na mão do Mestre

O Estaleiro Naval de Sarilhos Pequenos é o último do país dedicado à construção de embarcações tradicionais de forma artesanal, com segredos guardados entre três gerações. FOTOGRAFIA: O SETUBALENSE

O último estaleiro do país, dedicado à construção de embarcações tradicionais em madeira, guarda, em Sarilhos Pequenos, os segredos da arte que é candidata a Património Cultural e Imaterial da Humanidade.

Mestre Jaime Costa segue ao leme de um lugar único, que em tempos, não muito longínquos, entre as décadas de 50 e 80, era um dos 42 estaleiros de construção naval que existiam na margem sul do Tejo. Alguns haviam sido fixados à beira Tejo no início de 1800 e ali permaneceram, herança de geração em geração.

Acompanhado no estaleiro pelo filho e por um grupo de resistentes carpinteiros e calafates que desafiam décadas de rio e mar sob os ombros, Jaime não esconde a emoção ao recordar o tempo em que os barcos tradicionais engalanavam o Tejo às centenas “e cada estaleiro era único, com os seus segredos de construção, que só os mestres guardavam”.

O pai de Jaime Costa, o mestre Jaime Ferreira da Costa, foi o farol do estaleiro de Sarilhos Pequenos, desde que o adquiriu em 1955, até à sua morte.
Desde então a missão passou para a geração seguinte.

Jaime Costa, que desde os 10 anos já havia assumido a construção naval como oficio, já construiu fragatas, varinos, canoas. Os moldes “estão guardados na cabeça”, esses “e outros segredos, jeitos que só a experiência nas mãos sabes dar a um barco, para o fazer ganhar a forma que se quer”.

Na década de 70, a construção de embarcações tradicionais em madeira entrou em decadência e só viria a recuperar parte da sua força no final da década 90, com as potencialidades da actividade marítimo-turística e a aposta de câmaras municipais em projectos educativos e de recuperação histórica, como as de Moita, Seixal, Montijo, Alcochete e, mais recentemente, do Barreiro.

Mas de Sarilhos Pequenos já saíram embarcações também “rumo ao Brasil e Caraíbas”, conta mestre Jaime. E, actualmente, pelo menos quatro, estão acostadas em França, propriedade de particulares. “Recordo “O Albarquel” e “O Abandonado”. Haverá também um varino em Inglaterra”. Embarcações compradas há décadas e que fizeram viagens em tudo improváveis, pelo Oceano Atlântico. “Ficamos estupefactos quando sabemos que uma embarcação nossa passou pelas Caraíbas ou pelo Brasil”. Como o caso do “Sejas Feliz”. Uma aventura, porque em tempos era impensável sair da barra com estas embarcações”.

 

Muleta renasce como glória do Tejo antigo

Muleta no Tejo. FOTOGRAFIA: APORVELA

A história das muletas que navegavam o Tejo entre as antigas embarcações tradicionais, remonta, talvez, a nove séculos atrás, “quando os vikings andavam pelas costas da Europa, em campanhas de pirataria por tesouros, mantimentos e territórios”, imagina o mestre Jaime.

Ideias inspiradas no livro “A Muleta” de Manuel Leitão, Ferdinando Oliveira Simões e António Marques da Silva. E foi também a partir dessa obra que fez o desenho da muleta, antiga embarcação tradicional do Barreiro.

“Depois de um ano de trabalho a embarcação está pronta, à espera do dia da partida, rumo ao Barreiro, para voltar a ocupar o seu lugar como glória do Tejo antigo”.
Jaime Costa nunca tinha feito um barco com estas características. Para o mestre este “é único no país” e há mesmo quem digo que “é uma relíquia”.

A muleta caracteriza-se por uma proa e uma ré com bicos e saliências, para defesa de outras tripulações que as abordavam para possíveis saques. As últimas da sua “espécie” deixaram o Tejo em 1910. “E há mais de 100 anos que não se construía uma nova”.

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