Nasceu em Lisboa mas passou a sua infância em Almada e mora há muitos anos no concelho do Seixal, mais propriamente no Correr d’Água, freguesia de Amora. Estamos a falar de João Miguel, mais conhecido por Paquito, o único pugilista português a marcar presença nos Jogos Olímpicos, aconteceu na Rússia (Moscovo), em 1980.
João Miguel jogava futebol mas optou pelo boxe onde adoptou o nome de Paquito porque o seu pai inicialmente não gostava da modalidade. Conquistou vários títulos nacionais, muitos torneios internacionais e tem muitas histórias para contar.
Já passaram 44 anos mas certamente ainda te recordas da ida aos Jogos Olímpicos?
Claro que sim, são coisas que não esquecem. Eu tinha ido a um torneio a Espanha (Santander), onde ganhei a medalha de ouro, e quando regressei a Portugal, a primeira pessoa a dar-me a notícia foi o meu amigo Carlos Lopes. Eu estava à entrada na porta 10-A, não acreditei e disse-lhe que era minha intenção deixar de praticar boxe. Quando ia a entrar na secção o Ricardo Ferraz, que era o treinador, disse que tinha uma novidade para me dar, estava seleccionado para ir aos Jogos Olímpicos. Eu disse que não queria e que já estava farto do boxe porque já tinha ganho muita coisa. Ele insistiu dizendo que era o primeiro pugilista português a estar presente e convenceu-me. Foi excelente, cheguei aos oitavos de final, perdi apenas por um ponto.
Provavelmente foi um dos momentos mais altos da tua carreira?
Eu tenho muitas recordações da minha vida no boxe. Comecei a treinar no Ginásio Clube do Sul, em Cacilhas, onde fui criado, embora more no concelho do Seixal há 50 anos. Tive momentos muito bons, fui 10 anos campeão de Portugal e ganhei muitas medalhas tanto a nível nacional como internacional, foi uma carreira cheia de vitórias. Fiz mais de 250 combates e perdi apenas cinco, quatro no estrangeiro e apenas um em Portugal. Uma das derrotas que tenho foi no Campeonato da Europa que se disputou na Alemanha Democrática, dei uma grande tareia ao adversário mas foi a ele que atribuíram a derrota. O público fez barulho, que só parou 3 ou 4 combates depois, porque via que o resultado era injusto. No ano seguinte veio a Portugal um “russo” fazer um colóquio que reforçou a injustiça. O árbitro até parava o combate para limpar o sangue e fazê-lo descansar.
Havia algum segredo especial para o sucesso?
O segredo era o trabalho e o treino. Para onde ia tinha que ganhar. Em Portugal tenho muitos combates ganhos ao primeiro e ao segundo assalto e no estrangeiro muitas vitórias. Por exemplo, na Boxing Man onde fui medalha de ouro, combati quatro vezes; ganhei a um francês, a um dinamarquês aos pontos, na meia final a um espanhol também aos pontos e depois na final combati com um atleta da Venezuela também aos pontos, só que esse atleta tinha mais 22 cm de altura que eu.
Há alguma história interessante para contar?
Sim, tenho uma história muito interessante com o saudoso Vítor Damas que era meu amigo e na altura jogava em Santander. Ele sabia que eu ia ao torneio, onde estavam pugilistas de 14 países, e disse que me dava 10 mil pesetas por cada combate que eu ganhasse. Respondi que aquilo lhe iria sair caro porque era o meu último ano e queria sair em grande. Ganhei o primeiro combate a um francês, o segundo a um dinamarquês e o terceiro a um espanhol, já ia nas 30 mil pesetas. No quarto combate também ganhei e ele ia pagar com cheque, eu disse-lhe que aquela hora os bancos estavam fechados e que eu não podia levantar o cheque. Resultado, ele pegou no cheque e desapareceu, passado 5 ou 10 minutos apareceu ele com o dinheiro na mão.
Porque escolheste o boxe como modalidade preferida?
Eu jogava futebol numa equipa em Almada, nos Leões da Bomba, que entrava em torneios. Na altura do defeso, juntamente com um primo a alguns colegas fomos treinar boxe ao Ginásio do Sul, para manter a forma. Depois quando começaram de novo os torneios de futebol, vim-me embora. Os treinadores de boxe perguntavam por mim e eu como me apercebi que não tinha muito jeito para o futebol, regressei ao boxe. Estive dois anos no Ginásio do Sul, depois a secção fechou e estive um ano a treinar com o Belarmino Fragoso. Como ele não me inscreveu para defender o título de campeão nacional fui para o Sporting, em 1974, e por lá fiquei até hoje.
E o nome Paquito como surgiu?
O meu pai não gostava que eu praticasse boxe. O meu nome é João Miguel pelo qual só os meus amigos de infância me conhecem e então foi proposto o nome de Paquito. O meu pai não sabia que era eu. Mais tarde veio a saber e depois foi uma enorme alegria quando soube que eu ia à Rússia disputar os participar nos Jogos Olímpicos porque ele era comunista e havia estado preso em Caxias.
Hoje já não és atleta mas continuas ligado ao boxe, como treinador?
Sim, estou no Sporting. Como atleta terminei um ou dois anos depois dos JO, tirei o curso de treinador de nível 1 e nível 2 e devido ao estatuto de atleta a Federação deu-me o nível 3 que me foi retirado depois pelo IPDJ, eu não me importei com isso porque com a experiência que tenho não preciso de nível nenhum para dar treino.