Nuno Painço lembra que tem uma equipa semi-profissional na 3.ª Divisão Nacional, sem competir há três meses
Em entrevista ao SETUBALENSE, Nuno Painço, deixa bem vincado o seu descontentamento pela forma como a Federação Portuguesa de Futebol tem vindo a gerir as competições nacionais de futebol feminino e levanta algumas questões bem pertinentes.
Qual a sua opinião sobre a decisão da FPF ter adiado, sem reagendamento, a 3.ª eliminatória da Taça de Portugal que estava programada para o passado fim-de-semana?
É de lamentar que a FPF veja só os interesses das equipas da Liga BPI e das selecções nacionais femininas e não tenha qualquer consideração pelas equipas da 2.ª e 3.ª divisão nacional. Como sabe, as únicas competições de futebol 11 organizadas pela FPF que foram suspensas, foram as competições da 2.ª e 3.ª divisão nacional de futebol feminino, porque não são consideradas competições equiparadas a profissionais, mas para poderem disputar a Taça de Portugal já se encontram dentro do estipulado do Comunicado Oficial n.º 301, que é uma competição equiparada a profissional. Como a Taça de Portugal nunca foi suspensa, mas sempre adiada com novas datas, obrigou-nos a que tivéssemos sempre de continuar a treinar, até porque o nosso adversário nesta eliminatória é uma equipa da Liga BPI que continuou a disputar o seu campeonato, mantendo sempre os seus índices competitivos e psicológicos ao mais alto nível. Sabemos que no futebol feminino começam a aparecer também os interesses mediáticos de direitos desportivos, como as transmissões televisivas e contractos com patrocinadores, daí terem já anunciado o dia da final e local. Mas, das duas uma, ou dão a prova como nula ou terão de cumprir o Regulamento.
Jogo de interesses, desleal e discriminatório
Que repercussão tem tido esta situação de incerteza na reparação da equipa?
Tem sido difícil manter o foco das atletas, porque treinar não é o mesmo que competir. Somos uma equipa semi-profissional, metade das atletas do plantel são profissionais, têm uma rotina de profissionalização que ainda não existe muito em Portugal, que, pelos vistos, quem tutela o futebol feminino, não quer que exista.
A concentração, a disponibilidade física, o foco, a mentalidade ganhadora que demorou adquirir, começa a desaparecer porque o ritmo competitivo é diferente e as lesões aparecem do nada. Metade das atletas estão longe de casa e das suas famílias, alguém se preocupou com estas atletas, sem ser os clubes? A tão falada estrutura do futebol feminino da FPF preocupou-se com estas atletas e com o momento difícil que estão atravessar, por não terem competição? Como tive a oportunidade de comunicar aos dirigentes dos clubes que participam na Taça de Portugal, não somos burros nem tolos. Na convocatória para a selecção A, e agora para a B, quantas atletas de clubes da 2.ª e 3.ª divisão foram convocadas? Será que estas atletas não têm o mesmo direito de sonhar em representar as selecções nacionais? Não contem connosco para fazer parte deste jogo de interesses, desleal e discriminatório.
Não viemos para andar a brincar ao futebol
Já há alguma data prevista para a retoma do campeonato nacional da 3.ª divisão?
Quando fomos convocados para uma reunião no dia 19 de Março pela FPF, a maioria dos clubes ia com elevadas expectativas sobre o regresso das competições e qual o formato que iria ser implementado mas as únicas certezas transmitidas foram que a época desportiva terminaria no dia 30 de Junho e que a prioridade era terminar os campeonatos, nada mais. Como é possível que, com o enquadramento que o Governo transmitiu do desconfinamento, ainda não tenha sido possível a FPF apresentar aos clubes o que pretende fazer relativamente às competições que estão suspensas. Temos um investimento de meio milhão de euros, com um projecto avaliado para o futebol feminino em 6 milhões, não viemos para andar a brincar ao futebol ou porque gostamos de gastar dinheiro. Quando o Sr. Vice-presidente da FPF, José Couceiro, na dita reunião, disse que não é por se fazer barulho que se atinge alguma coisa, ou esteve distraído ou não ligou ao futebol feminino, porque durante a época transacta quem fez mais barulho viu os seus intentos serem alcançados.
Nunca falhámos com nenhum compromisso
O vosso projecto continua a merecer o apoio do investidor, apesar de todas estas contrariedades?
Quando decidimos investir na marca, e os investidores terem preferido criar um clube de raiz em vez de investir em clubes que nada lhes dizia, ou adquirir os direitos desportivos, como alguns fizeram, sabiam o risco que estavam a correr. Teríamos de começar do zero. Mesmo em estado pandémico, não falhámos com nenhum compromisso. Os nossos investidores estiveram sempre presentes, nunca se afastaram do grupo e mantiveram sempre os seus compromissos com o clube. Cada vez mais os clubes e o futebol feminino precisam de investidores para que possa haver evolução.
Para finalizar há algo mais que queira acrescentar?
Dizer apenas que nunca se devia ter criado uma nova competição, neste caso a 3.ª divisão nacional, em tempo de pandemia, seria preferível manter o formato anterior, com a Liga BPI e 2.ª Divisão Nacional, e só depois pensar na nova competição.