Passado um ano sobre a tragédia de Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande e Castanheira de Pera, com as centenas de mortes ocorridas e o incêndio de Monchique deste ano, mais uma vez com a maior área ardida da Europa, impõe-se fazer uma reflexão.
Com as mortes e a devastação provocada, entrou-se num frenesim de cortes indiscriminados de vegetação (árvores, sobretudo) um pouco por todo o lado, cortando aquilo que devia, mas também o que não devia ser cortado.
Se não fossem as mortes ocorridas, ficava tudo na mesma. Fala-se e debate-se exaustivamente sobre os incêndios e sobre a necessidade de prevenção, durante o Verão. Chega o Inverno, chegam as chuvas e ninguém quer saber mais do assunto.
Em vez de se procurarem debater estes assuntos de uma forma ponderada, ouvindo os especialistas nestas matérias de incêndios e coberturas vegetais, de redimensionamento florestal, procurando encontrar soluções integradas, eficazes e duradouras, com uma cadeia de comando eficaz, tentam-se resolver os problemas, muitas vezes de raiz. E aqui a palavra raiz é entendida em sentido literal. Vai tudo a eito. Raiz, caule, folhas e tudo o resto.
No nosso caso concreto, em Setúbal, existem três zonas onde ocorreu um corte radical da cobertura vegetal aí existente, a saber: as encostas viradas a norte junto a uma unidade hoteleira, junto ao bairro da Reboreda e ao bairro do Casal das Figueiras.
Estas três zonas fazem parte de uma colina contínua que atravessa toda essa zona.
E daí que me desloquei oportunamente a toda essa zona e constatei com muita preocupação e perplexidade o que fizeram.
Um corte de árvores quase total, desnudando toda a referida encosta, constituída por solos de natureza argilosa, logo facilmente desagregáveis pela acção pluviométrica.
Colocaram uns caminhos corta fogos no sentido perpendicular à inclinação da encosta, mas pior que tudo, paralelamente à referida inclinação.
Se não se recobrir de novo a encosta em questão com cobertura vegetal adequada, assim que surgirem as primeiras chuvadas fortes, irá previsivelmente ocorrer forte acção erosiva, que a continuar, irá provocar deslizamentos de terras, fortes derrocadas, contribuindo para tornar toda a encosta instável, bem como a ocorrência de terrenos alagados e enlameados na base da encosta norte, paralela à EN10.
A quantidade de madeira que dali se retirou, foi uma enormidade. Gostaria de saber para onde foi parar toda aquela madeira e quem lucrou com isso.
Desconheço se os terrenos são públicos ou privados, mas para o caso, pouco importa.
A autarquia penso que tem uma palavra a dizer sobre tudo isto, em sentido mais estrito.
Em sentido mais lato, o Estado devia assumir directamente um conjunto de iniciativas conjugadas sobre estas matérias, nomeadamente uma campanha responsável, criteriosa e integrada de reflorestação das nossas florestas, com a utilização de vegetação autóctone (oliveiras, sobreiros, azinheiras, carvalhos, castanheiros, carrascos, amendoeiras, figueiras, alfarrobeiras, etc). Pinheiros também, embora com cuidados acrescidos, visto ser uma árvore resinosa, logo facilmente inflamável.
Estas acções contariam seguramente com a colaboração das escolas do país, dos seus alunos, pais e professores, que iriam aderir a estes projectos com muito entusiasmo, promovendo e valorizando a educação ambiental.
Fica aqui o alerta para quem de direito.