Ballet Rose, o caso que pintou de negro a ditadura salazarista

Ballet Rose, o caso que pintou de negro a ditadura salazarista

Ballet Rose, o caso que pintou de negro a ditadura salazarista

25 Março 2018, Domingo
Francisco Cantanhede

Em 1967 rebentou um escândalo sexual que afetou profundamente a ditadura salazarista. Uma rede de prostituição infantil incluía marqueses, condes, empresários, um ministro e até um alto membro da Igreja. Filhas de prostitutas com 9, 10, 11…anos eram entregues pelas mães em troca de dinheiro. Apesar de a rede ter começado a atuar há anos, só em 1967 o escândalo foi conhecido, graças a jornais estrangeiros, já que a comunicação social portuguesa estava sujeita à censura.
Um jornal italiano publicou a notícia com o título: «Caça à lolita no jardim do ministro.». «A caçada» é descrita com alguns pormenores. Dez crianças nuas, calçando apenas sapatos e usando uma fita colorida na cabeleira postiça, eram «largadas» no jardim do ministro. Os predadores, nus e também com uma fita colorida, perseguiam as presas até apanharem a que tinha a fita da mesma cor da usada pelo «caçador». De seguida consumava-se o ato sexual. Outro divertimento dos predadores sexuais consistia numa dança executada pelas meninas à luz cor de rosa vinda de holofotes. Daí o nome de Ballet Rose atribuído ao escândalo. Como os abusadores de crianças pagavam muito bem o desfloramento das meninas, pelo menos uma mãe vendeu várias vezes o da sua filha, usando sangue de galinha ou de coelho para simular a virgindade.
Embora o caso fosse falado pelos corredores do poder, apenas foi devidamente investigado quando a policia judiciária prendeu a modista Genoveva, tida como «desencaminhadora de menores», já que encontrou na sua casa a lista dos clientes das meninas feitas prostitutas pelas próprias mães. Salazar, ao tomar conhecimento do caso, acabou com as práticas pedófilas dos seus correligionários e mandou a PIDE seguir a investigação, embora com precaução.
A divulgação do escândalo na comunicação social estrangeira irritou profundamente o Presidente do Conselho de Ministros. O seu ministro da Justiça ao exigir a investigação total do caso, escreveu a sua própria demissão, pois o chefe do Governo, homem católico, pretendia a todo o custo defender «a moral e os bons costumes» do regime. Mário Soares, Francisco Sousa Tavares e Urbano Tavares Rodrigues, acusados de passarem a informação a jornalistas estrangeiros, foram presos, tendo permanecido atrás das grades cerca de três meses. Mário Soares, por ser «demasiado irritante» para o regime, viveu pouco tempo em liberdade, pois foi exilado para S. Tomé e Príncipe, de onde só voltou nos tempos da «primavera marcelista».
Quando o caso foi a julgamento, duas prostitutas foram condenadas, a um dos homens foi aplicada uma multa, os restantes foram absolvidos.
Mais de vinte anos após o 25 de abril, Moita Flores, autor da série televisiva Ballet Rose e de um livro sobre o mesmo tema, afirmou que houve muita pressão para que a série não fosse exibida. Só após a morte de um alto membro da Igreja portuguesa, a mesma foi autorizada, embora em horário a partir da meia noite. Interrogado se essa alta personalidade era o Cardeal Patriarca, Moita Flores não confirmou nem desmentiu, apenas esclareceu que esse indivíduo foi ator participativo e não apenas encobridor. Acrescentou que, aquando da visita do Papa Paulo VI a Portugal, sua Santidade teve uma dura conversa com o prelado português, o qual, posteriormente, foi sujeito a uma certa «clausura».

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