O ano de 1961 deve ter sido seguramente para Salazar um annus horribilis. Com efeito, nesse ano deram-se um conjunto de acontecimentos que deveriam gerar uma reflexão profunda que o caminho percorrido e a percorrer estava bem longe de ser o melhor.
Embora ocorridos em diferentes situações e contextos, o enquadramento era o mesmo; a luta contra o regime de matriz fascista denominado de “Estado Novo”. Senão vejamos:
Em Janeiro de 1961 dá-se em Angola um levantamento de trabalhadores da Cotonang, protestando contra as condições de trabalho impostas pela companhia algodoeira.
Os protestos são rapidamente reprimidos pelo exército português, mas anunciam o início da luta armada de libertação de Angola, marcada pelo ataque à cadeia de S. Paulo, em Luanda, a 4 de Fevereiro e pelo levantamento armado.
Durante a madrugada, grupos de angolanos, armados sobretudo com catanas, procuraram assaltar a Casa de Reclusão Militar, a Cadeia da Administração de São Paulo, a Companhia Móvel da PSP, a Companhia Indígena e os Correios de Luanda. Como consequência, sete elementos das forças de segurança e cerca de quinze atacantes são mortos, bem como um número indeterminado de feridos.
A 22 de Janeiro o paquete Santa Maria foi tomado de assalto por um comando liderado pelo capitão Henrique Galvão. A operação tinha por objectivo iniciar um golpe de estado capaz de derrubar o regime de Salazar.
O assalto contou com um comando de portugueses e espanhóis que totalizavam 23 elementos. Esta equipa sequestrou o navio e durante vários dias não houve informações para o público sobre a situação a bordo.
O navio seria libertado, regressando a Portugal, em meados de Fevereiro. Da operação resultou um morto entre os tripulantes do Santa Maria.
O desvio do Santa Maria conseguiu uma cobertura noticiosa internacional para profunda consternação do regime de Salazar.
Em Abril dá-se uma tentativa de golpe de Estado. Desta vez a crise vem, não da oposição, mas do interior do regime, através da tentativa de golpe liderada pelo Ministro da Defesa, Júlio Botelho Moniz que foi imediatamente destituído do cargo. Salazar assumiu também a pasta da defesa.
Nesse mesmo mês, Salazar efectua o seu famoso discurso «se é precisa uma explicação para o facto de assumir a pasta da Defesa Nacional […] a explicação concretiza-se numa palavra e essa é Angola […] Andar rapidamente e em força é o objectivo que vai pôr à prova a nossa capacidade de decisão […] a fim de defender Angola e com ela a integridade da Nação».
Em Junho, cerca de cem estudantes oriundos das colónias portuguesas em África que se encontram em Portugal, abandonam clandestinamente o país, muitos deles para se juntarem aos movimentos de libertação.
Em Agosto dá-se a ocupação do Forte de S. João Baptista de Ajudá, no Benim.
A abolição do Estatuto do Indigenato, associado a outras reformas, em Setembro, chega demasiado tarde para travar a acção dos movimentos de libertação das colónias, entretanto reunidos na Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas.
Emerge a figura carismática de Amílcar Cabral.
A 10 de Novembro, Hermínio da Palma Inácio comanda o desvio de um avião da TAP, a fim de lançar sobre Lisboa milhares de panfletos apelando à revolta contra a ditadura.
A 18 de Dezembro dá-se a invasão da Índia dos territórios portugueses. Tropas da União Indiana ocupam os territórios de Goa, Damão e Diu.
Salazar ordena que as tropas portuguesas lutem até à última gota de sangue, mas o governador, general Vassalo e Silva, recusa-se a obedecer à ordem do Presidente do Conselho e opta pela rendição.
Após essa ocorrência, mais de três mil militares portugueses foram feitos prisioneiros.
O repatriamento só aconteceria em Maio de 1962. À chegada, foram apelidados de traidores. Oito oficiais, incluindo o governador-geral, foram demitidos. Outros cinco foram reformados compulsivamente e oito suspensos por seis meses.
As relações entre Portugal e a Índia só seriam normalizadas após o 25 de Abril.
A 31 de Dezembro, na noite de fim de ano, ocorreu uma tentativa frustrada de assalto ao quartel de Infantaria 3, em Beja.
O ano de 1961 assinalou, quanto a mim, o início do fim do regime do Estado Novo