Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
(…)
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não
Manuel Alegre, Trova do Vento que Passa, 1963
A relevância que o 25 de Abril de 1974 teve no nosso país, merece indubitavelmente uma abordagem exaustiva, na passagem do seu quinquagésimo aniversário.
Durante todo o século XX, os dois acontecimentos historicamente relevantes foram, em minha opinião, o 5 de Outubro de 1910 e o 25 de Abril de 1974. Depois existem outros dois acontecimentos também importantes, mas situados num patamar mais abaixo, a saber: o 28 de Maio de 1926 e o 25 de Novembro de 1975.
Todos eles estão relacionados entre si.
Após o 5 de Outubro de 1910, a república emergente (1ª República) foi uma sucessão constante de presidentes e de governos, caracterizada por uma instabilidade política permanente.
Com efeito, entre 1910 e 1926 (16 anos somente) houve oito presidentes da República e quarenta e cinco governos.
Na sequência do descontentamento provocado pela instabilidade entretanto gerada, surgiu o 28 de Maio de 1926.
O movimento de 28 de Maio de 1926 foi um levantamento militar que começou no norte do país e ao qual rapidamente a maioria das unidades do país aderiu, liderado pelo general Manuel Gomes da Costa. O golpe, que começou em Braga, retirou o poder aos partidos republicanos e foi o primeiro passo para o início do regime do Estado Novo, que depois apelidou este acontecimento de “Revolução Nacional”.
Em 1928, o professor universitário António de Oliveira Salazar foi o escolhido para ministro das finanças e na sequência do bom trabalho realizado na consolidação das contas públicas, assumiu, em 1931, o cargo de Primeiro-Ministro (Presidente do Conselho de Ministros).
Homem dogmático, ascético, austero, distante, provinciano, misterioso, intransigente e determinado, Salazar iria moldar o país à sua imagem e semelhança, definindo-lhe a orientação que somente viria a terminar com o 25 de Abril de 1974.
Deus, Pátria e Família eram os alicerces do regime com características fascistas denominado de Estado Novo. Por trás desta trilogia, a ditadura começava a medrar, a desenvolver-se. O regime foi progressivamente endurecendo, tendo sido criada, em 1933, a PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) e mais tarde a PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado).
Não havia liberdade de expressão e o lápis azul da censura atingia escritores, jornalistas, artistas e toda uma gama da nossa intelectualidade. Actividades políticas contrárias ao regime eram punidas com perseguição e prisão. Havia exilados e clandestinos. Denunciantes e informadores. E presos políticos. De Caxias ao Tarrafal.
Os presidentes da República eram figuras decorativas tais como Óscar Carmona e Craveiro Lopes no seu primeiro e único mandato. Defensor de uma maior liberdade, Craveiro estabeleceu contactos com membros da oposição ao regime; Salazar não lhe perdoou e não o voltou a convidar para disputar as “eleições” de 1958.
Seguiu-se Américo Thomaz que retomou o modus operandi de Carmona.
Ao longo das sucessivas décadas, Portugal foi mantendo as principais características que já provinham da Monarquia e da 1ª República; um país cinzento, atrasado, pobre, tendo taxas de analfabetismo elevadas, com particular relevância para as mulheres (homens, cerca 70%, mulheres cerca 75%).
Começava-se a trabalhar cedo. Entre os dez e o quinze anos era muito comum.
Comiam o pão que o diabo amassou.
Perdia-se a inocência rapidamente.
Existia também uma elevada taxa de mortalidade infantil (cerca 10%; actualmente situa-se em cerca 2,4 %).
A pobreza era generalizada, onde se podia encontrar muita gente a circular pelas ruas descalça.
Havia uma ínfima parte da população, os ricos. Podíamos encontrar no meio uma classe indistinta constituída por remediados, uma pequena burguesia a procurar equilibrar-se um pouco acima naquilo que hoje chamamos linha de pobreza.
Um império dos Açores a Timor. Onde o sol quase nunca se punha.
Orgulhosamente sós.
Demasiado sós.
Tragicamente sós.