O autarca justifica a aceitação de pelouros dos socialistas e admite que os programas das duas forças políticas para o concelho “têm grandes pontos de convergência”. Garante que o PS está unido e fala a uma só voz, mas que oferece oposição mais “musculada” na assembleia municipal
O vereador socialista Nelson Pólvora, 46 anos, licenciado em Serviço Social, faz um balanço “positivo” aos dois anos de mandato da gestão liderada pela CDU. Em entrevista a O SETUBALENSE e à Rádio Popular FM, o autarca refuta a existência de divisões entre eleitos do PS e defende que tudo passa por uma estratégia política.
“Não existem dois PS. Existem acções concertadas de uma posição de gestão na câmara e uma acção mais musculada na assembleia municipal”, afirma, ao mesmo tempo que reconhece a existência de um acordo de governação com a CDU. Realça o investimento feito nas águas e saneamento – área que está sob a sua alçada – e a criação do regulamento municipal de impostos, que classifica como “uma vitória clara” dos socialistas.
Existem dois PS em Sesimbra, um no executivo camarário e outro na assembleia municipal?
Existe um único PS em Sesimbra, que está representado nos vários órgãos autárquicos. O que temos é um acordo de governação para quatro anos, entre o PS e a CDU. O PS na câmara tem uma posição de gestão e na assembleia municipal exerce uma posição mais musculada de oposição à gestão camarária. Existe, sim, uma estratégia política, onde na câmara temos a nossa posição enquanto executivo e na assembleia municipal podemos ter uma atitude mais musculada.
O vereador Márcio Souza afirmou que não existe sintonia entre eleitos do PS nos órgãos câmara e assembleia municipal. Nem até mesmo entre os próprios vereadores do partido.
Como é natural em qualquer organização, as pessoas têm divergências. Muitas vezes nem todos estamos de acordo, mesmo dentro do próprio PS temos divergências. Mas não existem dois PS. Existem acções concertadas de uma posição de gestão na câmara e uma acção mais musculada na assembleia municipal, o que é normal porque é este o órgão fiscalizador de toda a actividade municipal. É um PS unido e a uma só voz.
Que balanço faz aos primeiros dois anos de mandato do executivo liderado pela CDU?
Posso considerar positivo. Temos tido vários avanços. Nem tudo tem sido fácil. Somos eleitos para servir as populações e sabemos que estas são cada vez mais exigentes. Todos queremos cada vez mais para o nosso concelho, melhores estradas, melhores equipamentos, mas uma gestão municipal é feita de opções e nós políticos somos eleitos para as tomarmos. Qual o político que não gostaria de ter no seu concelho as melhores instalações, os melhores equipamentos, as estradas no melhor estado possível? Mas nem sempre é possível. A Câmara Municipal de Sesimbra, de há uns anos a esta parte, tem optado muito, e na minha opinião bem, por candidaturas a vários financiamentos, mais recentemente ao PRR, mas também ao Portugal 2020, temos à porta o Portugal 2030, que nos oferecem a oportunidade de concorrer à construção de equipamentos necessários no município e que de outra forma não conseguiríamos. Logo aí [isso] vai limitar a nossa capacidade orçamental para podermos fazer outros investimentos também necessários. Não podemos esquecer a grande área que o concelho tem e que temos um feito um esforço – aqui entro um pouco numa das minhas áreas – para requalificar todo o abastecimento de água no concelho.
Não há oposição à gestão CDU? Márcio Souza acusou o PS de ter assumido o acordo de gestão a troco de pelouros…
Não quero que esta entrevista se foque em casos e casinhos, que é o que normalmente faz crescer estes partidos populistas. O referido vereador foi eleito pelo Chega, que é um partido populista e que se serve só dessas afirmações para poder conquistar eleitorado. Márcio Souza, ainda antes das eleições, em 2020, abordou o presidente concelhio do PS para se oferecer como cabeça-de-lista a qualquer um dos órgãos no concelho. O que foi recusado. No pós-eleitoral, quando houve a suposta desvinculação do partido Chega, ele abordou-me numa possível hipótese de fazermos frente à CDU. Respondi que o PS tinha um acordo para a gestão durante quatro anos com os eleitos da CDU e que não quebramos acordos por interesses pessoais.
Em que consistiu esse acordo? Não é muito normal, entre duas forças que lutam pelo mesmo objectivo.
Não, não é. Mas temos de ver o cenário que ficou colocado em Sesimbra após as eleições. O executivo ficou com o presidente e dois vereadores da CDU, três vereadores do PS e um do Chega, que ninguém sabia para que lado poderia pender. Sabemos o que defende quem é eleito pela direita. E vimos que nada disso era bom para o município. Foram encetadas negociações, porque o concelho não poderia estar estagnado durante quatro anos.
Mas por que era necessário um acordo de gestão? O PS poderia, através das votações, acompanhar ou não aquilo que fosse apresentado pela maioria relativa da CDU.
Na altura, o presidente Francisco Jesus, eu próprio e outras pessoas, que nos acompanharam nas reuniões, achámos que era importante que existisse uma envolvência, uma colaboração, de todos para as melhores soluções para o concelho. Ou melhor, que existisse uma responsabilização. Não é sem pelouros que podemos tomar decisões, que podemos ter capacidade de acção na gestão do município.
Ao assumir esses pelouros, isso não torna depois o PS refém de não votar contra as propostas da CDU?
Pelo contrário. O PS candidatou-se em 2021 com um projecto para as pessoas. Estava pronto para governar se ganhasse as eleições. E nada mudou quando fomos colocados perante o cenário pós-eleitoral. Continuamos com o nosso projecto válido e capaz de governar para as pessoas. Se temos a oportunidade de colaborar nessa gestão, defendendo o nosso programa, por que não aproveitá-la? Foi uma oportunidade para o PS mostrar como pode trabalhar num executivo municipal. E embora existissem diferenças, os dois programas eleitorais [PS e CDU] tinham grandes pontos de convergência.
Quantas vezes o PS votou contra propostas da CDU neste mandato?
Já votámos algumas. Uma foi claríssima, a de um novo hotel previsto para a zona central de Sesimbra que, em termos urbanísticos, não concordámos com a execução. Já houve situações em relação às transferências de competências da Administração Central para a administração local em que votámos contra… O PS não faz oposição por oposição.
Acha que o eleitorado entende isso?
Do “feedback” que tenho tido das populações do concelho, penso que sim. Enquanto andarmos em guerras só porque [uma proposta] é apresentada por outra força política, sendo boa para o concelho, isso só faz crescer os partidos populistas. As pessoas ficam revoltadas quando vêem que [os partidos] apresentam a mesma coisa ou coisas parecidas, que diferem pouco, sobre as quais depois não concordam. Tem de existir nos políticos uma mentalidade de maior abertura à negociação, aos consensos, que poderá fazer com que não tenhamos um futuro pior.
Como analisa o trabalho nas áreas que tem sob a sua alçada: águas e saneamento, e fiscalização?
Muito positivo. Temos feito um investimento enorme em remodelação de condutas e colocação de outras novas. Vamos agora construir dois novos depósitos no Cabeço do Melão para dar maior robustez ao abastecimento de água na Quinta do Conde. Os nossos aquíferos em Sesimbra são estáveis, a água tem excelente qualidade. Ainda em Novembro fomos agraciados novamente com o prémio de excelência de água para consumo humano. Tem sido feito um trabalho enorme, não só para garantirmos o que temos – que já é mais do que suficiente – mas para que de futuro possamos ter ainda mais condições de resposta.
Dá-lhe mais dores de cabeça a área da fiscalização?
Como é óbvio. A legislação não é clara, por vezes as pessoas também não se informam e vão fazendo pequenas obras, passíveis de licenciamento… Avançam a seu belo critério e muitas vezes temos de actuar, fazendo embargos de obra. É sempre uma situação desagradável.
E a área social, sobre a qual tem conhecimento de formação?
Infelizmente as pessoas têm passado ao longo dos últimos anos por algumas dificuldades, que se agravaram com a pandemia. Houve um crescimento enorme do número de pedidos de apoio à câmara municipal e o município tem tentado dar resposta, não só ao nível do apoio alimentar como também ao nível da habitação… É impossível a câmara conseguir dar resposta a todas as necessidades da população na área social. Há cerca de um ano, um ano e meio, aprovámos por unanimidade, após uma grande discussão no seio do executivo, quanto à localização, a construção de 307 novos fogos, com a Estratégia Local de Habitação. O que dava resposta ao número de pessoas inscritas. Hoje o número de inscritos já quase que duplica.
Se este fosse o orçamento puro e duro do PS em Sesimbra, o que teria de diferente, até porque abstiveram-se na votação?
Participámos activamente na elaboração do documento. Abstivemo-nos porque há uma receita que temos algum receio que não consiga ser arrecadada. Poderemos ter algum recuo ao nível do IMT.
Mas em matéria de investimentos, não alteraria nenhuma prioridade face ao que está determinado?
Não. Nós não estivemos dois dias a discutir o orçamento, estivemos largos meses sentados à mesa a tomar opções.
Portanto, é um orçamento de comum acordo entre PS e CDU?
Sim.
E quanto ao IMI?
O IMI foi uma das condições, se assim posso dizer, para que existisse um acordo de gestão [com a CDU] para os quatro anos. A taxa baixou de 0,4 para 0,38. Mas não foi só o IMI. Foi [criado] por proposta do PS, concertada com os vereadores da CDU, o regulamento municipal de impostos que não só reflecte a baixa do IMI como também a isenção de taxas na aquisição de habitação própria permanente para jovens, como reflecte a isenção de taxas durante um período, acho que de cinco anos, para reabilitação urbana… Criámos também para o movimento associativo, para que possam ter melhores condições, para que tenham menor carga fiscal em cima.
E reclama os louros para o PS?
Este regulamento parte da iniciativa do PS, estava no nosso programa eleitoral. É uma vitória clara do PS, mas houve uma grande discussão e contributos quer seja do PS quer seja dos vereadores eleitos pela CDU.
Voltou a deixar de fora o vereador independente Márcio Souza. Não contribuiu em nada?
Vereador eleito pelo Chega. E disse que não falava mais sobre o eleito pelo Chega.
Se o PSD vencesse eleições em Sesimbra, o PS nunca faria um acordo de gestão?
Não acredito que o PSD ganhe as eleições em Sesimbra.
Num cenário hipotético de ganhar…
Acredito que a próxima força política a ganhar eleições em Sesimbra vai ser o PS.
Vai recandidatar-se à presidência da câmara municipal, se o PS o convidar?
Tudo depende dos órgãos internos do PS. Este foi um projecto que se iniciou por volta de 2020 e que teve a sua primeira fase nas eleições a 26 de Setembro de 2021, que não está de todo concluído nem encerrado, estamos cá para continuar. Eu estou totalmente disponível, assim o decidam os órgãos do partido. Entrei em 1997 para a política, continuo em 2024. Em primeiro lugar, para mim, está o meu concelho, estão as pessoas do meu concelho, criar melhores condições de vida para elas. Continuo com o mesmo lema que tive na campanha: “Sentir Sesimbra”.